A Viagem de Pedro

Pedro se viu, de uma hora para outra, sentado em uma cadeira de espera. Franzindo o cenho, ele olhou em volta e notou que estava em uma espécie de salão no qual havia inúmeras cadeiras acomodando outras inúmeras pessoas como ele. Perturbou-se, claro, passava o olhar de frente até atrás nos corredores que as cadeiras formavam e quando tornava a olhar para frente haviam mais pessoas que antes, tirando o sinistro daquilo tudo parecia que estava numa dessas entrevistas de empregos.

- Cadê meu carro? - Pensou enquanto via algumas pessoas se levantarem de quando em quando rumo às portas que os corredores levavam. Tentou se levantar e não conseguiu, tentou se lembrar de como tinha parado ali reparando que ninguém, inclusive ele, estava amarrado ou coisa parecida mas também não se lembrou.

- Oi, com licença - Disse Pedro, cutucando um rapaz que estava na sua frente. - Sabe que lugar é esse?

- O-oi, olha pra mim, olha pra mim! Como eu estou? - Respondeu o rapaz, eufórico.

- Normal - Retrucou Pedro vendo ele apalpando as próprias bochechas, pescoço, tórax, abdômen.

- É isso, normal. Eu estou normal. - Disse ele, sorrindo com os olhos lacrimejados.

- Meu Deus, o que é isso? Que lugar é esse? - Pensou antes de novamente lhe vir a pergunta tinha feito: - Cadê meu carro? Eu estava no meu carro!

- Faz tempo que está aqui? - Tentou Pedro.

- Não! E meu rosto, tá normal?

- Tá sim! Você me viu entrar aqui?

- Também não. Olha, eu estou normal! Eu nem acredito, eu estava todo queimado. Agora olha pra mim, como eu estou... normal! - Disse o rapaz e se levantou.

- Queimado? Queimado! Eu estava indo para praia! No meu carro! Como eu vim parar aqui? - Pensou Pedro enquanto via o rapaz se retirando.

- Ei, espera! Como assim queimado?

- Não é incrível? Eu preciso ir. - E foi.

Pedro fechou os olhos, botou a mão na testa mas recuperou-se virando para trás na esperança de não encontrar outro maluco para pedir informações. Lançou o olhar no de uma senhorinha que lhe retribuiu com os olhos assustados e antes mesmo de abrir a boca ele ouviu a sua voz:

- Oi, sabe que lugar é esse?

Voltou com a mão à testa e respondeu tentando ter calma:

- Também não sei.

Sentiu que podia se levantar e não hesitou. Suas pernas o levavam quase automaticamente para a porta. Olhou em volta e admirou o local, grande com uma iluminação que visto de pé quase o cegava, parecendo que alguém não lhe retribuíra o farol baixo ao cruzar numa pista escura. Atravessou a porta e se deparou com outro cômodo, não tão grande quanto o de antes mas espaçoso, havia uma mesa enorme no canto, passou os olhos pelo resto da sala e viu que também havia uma porta enorme que ocupava quase que toda a parede do lado e uma cadeira bem no centro da sala para onde ele estava indo. A força da luz continuava a mesma, tanto que não se deparou que atrás da mesa tinha um homem, um velhão, que o deu boas vindas:

- E aí, xará! Sente-se aí.

Num salto, Pedro virou-se para ele, apertou os olhos e o viu, se apoiou no encosto da cadeira e recuperou o fôlego.

- Oi, olha, o senhor sabe onde fica o estacionamento? Eu com certeza deixei meu carro lá, eu nem sei como entrei aqui. - Disse Pedro, perdendo o fôlego de novo.

- Estacionamento? Do que você tá falando? - Respondeu o velho. - Sente-se aí.

Ouvindo o segundo pedido para se sentar, Pedro se lembrou do susto que levou no primeiro, deu um longo suspiro e disse:

- Cara, que susto que você me deu, quase morro do coração!

- 'Quase morro'... De novo? - Indagou o velho.

- Como assim? O senhor me assustou só uma vez.

- Não se deu conta ainda. - Sussurrou o velho para ele mesmo. - Não sei como te dizer mas vou resumir: você morreu!

- Como assim morri? O senhor tá louco. Me sinto muito bem.

- É, foi uma morte rápida, tanto que nem se deu conta. Não vai querer ver como você ficou.

- Mas eu estou bem aqui, sem nenhum arranhão.

- Você é outro agora, está curado. Não viu o outro rapaz o quanto estava feliz por estar curado? Com ele foi bem mais fácil de lidar.

- Ah, então o senhor se prepara porque tá vindo uma velha aí que se ela morreu também não tá sabendo.

- É difícil essa função minha, xará.

- Xará... Pedro... São Pedro?

- Muito prazer!

Pedro parou e refletiu tudo o que estava passando e lhe veio uma crise de risos.

- Eu não acredito, olha só: Eu vou à praia, eu morro, falo com dois mortos e estou com São Pedro na minha frente... Como pode?

- Não há tempo pra morte, xará.

- Mas como eu morri?

- Acidente de carro. E dos feios.

- Mas como? Eu sempre fui tão correto no trânsito.

- Não foi culpa sua, foi um caminhoneiro bêbado.

- Filho da P... Desculpe. Mas não é justo.

- A morte raramente é bem vinda.

- Aquele filho da mãe vai pro inferno não é? Aliás, essa porta grande é a do céu?

- É sim!

- E cadê a do inferno? Sempre imaginei aqueles dois elevadores: o que sobe e o que desce.

- Não existe inferno. Deus é misericordioso, Ele não deixaria um filho queimar a eternidade toda no inferno porque foi atroz em, sei lá, oitenta anos, vamos supor, e olha que um criminoso vive bem menos. A ideia de inferno foi criada para as pessoas não saírem por aí fazendo atrocidades demais. Eles vêm e aprendem a ser uma pessoa melhor com os anjos e os santos, gente que sabe ensinar isso.

Pedro, finalmente se senta na cadeira, confuso e depois de pensar um pouco responde:

- Se o inferno não existe quer dizer que vou encontrar com minha ex-mulher. Eu não posso ter morrido assim, não agora.

- Mas tudo acaba onde começou, meu amigo Pedro.

- São Pedro recitando Raul, que ótimo! Aliás, minha vida não começou por causa de um caminhoneiro bêbado.

- Ah não? Nunca perguntou para sua mãe?

Num pulo, Pedro se levanta da cadeira e olha incrédulo para o xará:

- Ô, São Pedro, verdade mesmo que não existe inferno?!