Morte na ladeira
A chuva fina que caía não incomodava o jovem que descia uma ladeira sombria, para encurtar seu caminho até a sua casa.
Ouviu passos. Não se virou de imediato; antes, sacou o revólver trinta e dois, cano de seis polegadas, sem ser visto por quem quer que seja. A ladeira era mal iluminada, e os filetes d’água corriam junto aos meios-fios da calçada.
Quando mexeu com a cabeça para ver o que se passava atrás dele, não gostou nada. Dois vagabundos, destes mequetrefes que não valem o que comem, já estavam bem próximos.
— Quer fazer o favor de repetir, tenente?
— Já disse tudo. O senhor pode perguntar o que quiser, doutor.
A delegacia era um prédio relativamente novo, e o seu interior estava bem conservado. Tolice pensar que toda repartição policial é uma baderna, móveis sujos, chão manchado, os poucos computadores não funcionando direito. O lugar não era assim. O delegado que inquiria o jovem oficial do exército era um sujeito paciente.
— Tenente, foi coisa de profissional. Dois tiros, um no peito e outro na cabeça. O senhor tem instrução de combate com aprovação excelente. Pode me dizer a sua especialidade?
— Infantaria. Sou primeiro-tenente de infantaria.
— Serve onde, senhor?
— Não posso revelar. Já disse para o senhor chamar um superior meu, delegado Chaves. É o seu nome, certo? Ouvi um colega seu falando.
— Certo, é Chaves sim. Prefere ficar em silêncio, tenente?
— Não senhor, respondo o que perguntar, mas nada sobre o meu serviço. Só na presença de um superior.
— Muito bem. Não vou insistir. Por que não veio acompanhado de advogado?
— Não julguei necessário, mas posso chamar. Afinal o senhor está me acusando de homicídio ou não?
— Não posso acusar de nada, não tenho provas, testemunhas ou o diabo que seja. O cara que levou os tiros tinha duas passagens por aqui. Assaltante, mas também não tinha como incriminar o homem. Uma das vítimas não o reconheceu. Medo, claro. A outra fez a ocorrência e nunca mais voltou. O que não posso entender é o cara que estava com o que morreu não ter levado bala também.
— Bem, doutor, se o senhor que é policial não vê sentido, quanto mais eu, que não entendo nada disso.
— Não é do serviço de informações, tenente?
— Não, e claro que se fosse não iria revelar a um civil, mesmo que autoridade policial.
— Sei, sei. Gosta de revólver de calibre médio, tenente?
— Doutor, em se tratando de arma, gosto até do estilingue usado nas forças especiais. Silencioso, forte demais e sempre mortal quando usam bilhas de aço retiradas de rolamentos. Conhece?
— Já ouvi falar, meu caro. Mas nunca vi. Está dispensado, terminamos, os tiros foram dados por um canhoto, pela direção das balas. O senhor é destro. Boa tarde, tenente. Desculpe o incomodo.
O homem foi embora. Quando estava cursando a escola de inteligência, viu um colega canhoto que atirava muito bem. Resolveu treinar com a pistola de pressão, deu mais de dois mil tiros e acabou atirando melhor com a esquerda do que com a direita. Gostava do trinta e dois cano longo, é muito preciso e não dá o tranco das outras armas mais potentes. Não atirou no assaltante mais baixo porque ele fugiu. “Pelas costas, não”, pensou. O que morreu, nem viu direito como foi. Ventrículos estraçalhados, e como se fosse pouco, um tiro no lobo frontal direito. A entrada do projétil tinha pequena inclinação que sugeria ter o sido desfechado pela esquerda.