Fidelidade

Ivan mora sozinho, em um apartamento de apenas um quarto-cozinha-banheiro. Logo quando se abre a porta, salta aos olhos a cama-sofá, quase sempre com lençol dobrado ou arrastando ao chão. O travesseiro, sem fronha, tendo apenas quando sua mãe lhe faz visitas para ir a uma consulta no hospital metropolitano. Na cozinha, um pequeno quadrado demarcado por um muro à meia altura, há apenas uma prateleira em madeira não tratada, porque com felpos ouriçados, segurando o essencial: litro de óleo pela metade, vasilha amarelada de sal e um pacote de macarrão com um pregador de roupas. O banheiro era quase uma extensão do quarto. Apenas a porta sanfonada, com o trinco arrancado, separava a cama do vaso. Ivan acostumou-se com o cheiro de casa vazia sempre que abria a porta de casa e podia até mesmo não senti-lo quando não estava afim de abrir a única janela de sua kitnet. Ivan não sentia falta do que acontecia janela a fora de seu mundo. Certo dia, Ivan conheceu Sara. Foi quando Sara, envergonhada, tentava sem sucesso consertar a corrente de sua bicicleta que havia saído da coroa. Ivan, até então, não sabia a importância daquela corrente encaixada elo a elo na coroa pontiaguda. Enquanto consertava a bicicleta de Sara, Ivan pode mirar suas pernas morenas cobertas por pelos enlourecidos. Sara, até então, não entendia muito bem o porquê da corrente ter a colaração escura, destoando do tom azul claro de sua bicicleta, até o momento em que suas coxas se sujaram de graxa. Ivan e Sara ficaram meses a fio passeando de bicicleta cotidianamente. Ivan percebeu que já não sobrava macarrão, que o óleo já não estava por acabar, e sim acabado, e suas janelas não se observavam mais fechadas. O rapaz já não suportava mais o cheiro de casa vazia quando pedalava. A partir de então, Ivan especializou-se em consertar correntes alheias a de Sara. Na verdade, atormentava a Ivan não a ideia de pedalar com a casa vazia, mas sim que a corrente de Sara pudesse novamente soltar da coroa de sua bicicleta. Sara nunca foi tão amada, quanto Ivan a ama.

Lucian Rodrigues
Enviado por Lucian Rodrigues em 29/05/2015
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