MUNDO NEGRO

Ele era um coração bem vermelho, rasgado por dez unhas compridas, negras e cortantes. O esmalte negro derreteu durante a ação do ódio. Escorreu. Misturou-se com a pigmentação vermelha de forma completamente irreversível.Os pedaços e aquela cor amargurada, mas indefinida, continuaram com os processos mutantes. A liquidez do esmalte virou a liquidez mais líquida que existe: a liquidez das lágrimas que escorrem alucinadamente pelo rosto imóvel de tanta dor. Os pedaços viraram palavras secas, amargas, doentes que escapavam vez por outra de uma boca que cada vez mais não abria. A tristeza era só um suspirar perto dele.

Quatro paredes brancas, teto, piso, lâmpada, cama, criado-mudo. Criado-mudo, cama, lâmpada, piso, teto, quatro paredes brancas. Um mês. As lágrimas secaram. As palavras secaram. O coração secou. A vida secou. Restou apenas algo de pele e ossos que naquela noite resolveu sair daquele universo. Chovia. A água fez sua faxina habitual. As luzes da cidade iluminaram sua perplexidade de bebê acabado de nascer. Ele nascia naquele momento. Vinha para um mundo que não mais conhecia. Era a vida que regressava para aquele coração. Entretanto, não era vermelho.

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Unhas negras, compridas e cortantes roçavam sua pele queimada de sol. Só roçavam, que era a única coisa que podiam fazer num corpo sem coração inteiro e sem lágrimas líquidas, só com palavras rasgadas.

Giovana Pomin
Enviado por Giovana Pomin em 13/06/2007
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