O voo da jardineira
Era a jardineira do Tonico que fazia o percurso Pitangui-Brumado todos os dias. Uma légua de distância, estrada encascalhada, uma só subida de serra, e a população estava transportada. Os do povoado do Brumado iam a Pitangui, sede municipal, para estudar, se divertir, comprar um remédio, visitar familiares, ouvir algum ato religioso e até bater perna mesmo. Mas sempre voltavam para o aconchego de seus lares.
O cinema, que só existia em Pitangui era um apelo forte para a juventude brumadense, sobretudo nos fins de semana em tempos em que a tevê apenas engatinhava e cheia de risquinhos é que ficava. E o Sílvio Santos nela ainda nem entrava.
O Tonico passou para a frente o negócio, para se dedicar mais ao seu bar, que funcionava na rodoviária, e ao hotel, que era bem vizinho. Um moço brumadense, filho de um Senhor Leão foi quem assumiu a direção.
E foi num plácido domingo de abril, de 1964 que a coisa aconteceu: a turma que lotava a jardineira vinha toda alegre para um rolê na Velha Serrana, até despontar no alto da cidade, que era uma longa descida, reta, que chegava até a pracinha da rodoviária. Mas à primeira tentativa de segurar o veículo, os freios falharam. E foi aquela desabalada carreira rua abaixo. Segundos de extrema aflição. Até que veio o impacto contra a parede de um comércio, como se tocasse numa cortina de fumaça.
A jardineira varou o prédio e se projetou num terreno rebaixado, baldio, com mato pra todo lado. Quatro mortos e dezenas de feridos, a contabilidade do sinistro. Fora a comoção dos parentes, dos próximos, da comunidade inteira. Dois de meus ex-vizinhos de rua do Brumado, Alvimar e Jadinho, já rapazinhos, estavam entre os caídos. A menina moça Zélia e um sobrinho seu, ainda bebê, completavam o número das vítimas fatais.
Uma senhora que tinha um comércio na descida, Dona Maria do Procópio, que a tudo, estupefata assistiu, resumiu os segundos finais da tragédia:
- A jardineira passou voando aqui.