GATO EM TERRA DE CÃO

 

 
Essa história não é minha, eu acho. Tenho a impressão que já a ouvi em algum lugar e ocasião, não sei nem onde nem quando. É a história de um gato. Também não sei se é uma anedota ou uma fábula. Mas sei que não é do Esopo, pois na época da Grécia Antiga, parece-me, ainda não existia o Canadá. Pois é, trata-se de um gato canadense. O Canadá é aquele monte de terra, água e gelo que fica ao norte dos Estados Unidos, e por essa vastidão se esparramam alguns canadenses, como o Wolverine, o Bigfoot (o Sasquatch, se ele existir), e a Celine Dion, que decididamente não deveria existir. O Wolverine existe, como pode ser comprovado em vários filmes de Holywood. Mas nesse caso existe uma polêmica, segundo a grande e boa mídia de Holywood, Wolverine é australiano. Mas não tem problema, pois a Austrália é tipo um Canadá do hemisfério sul, só que mais bêbado, sujo e com areia em lugar da água e gelo... (Gelo nem nos copos de Whiskey, pois australiano que é australiano só bebe à cowboy). Mas voltemos ao assunto... qual era mesmo? Ah sim... como se sabe o Canadá é oficialmente um país bilingue, o inglês de maior parte do seu território e o francês do grande e glorioso estado de Quebec. Não sei  de qual das partes era o bichano. Talvez ele residisse em alguma cidade do interior na parte central do país ao lado de um grande lago. Talvez Wawa, em Ontário. Morava numa casa corfortável, ampla, bem construída e aquecida. Onde a população sub-felina da casa lhe dava, como era de sua obrigação, toda sorte de alimentos, agasalhos e mimos. Não tinha nada a reclamar da qualidade de seus serviçais. Mas gato é gato. Ele não era um castrati. Graças ao Supremo Gato Criador do Universo! Precisava de uma vida extra-muros. De gato de rua, de beco, de lata-lixo, de gato do submundo urbano, de gato de desenho animado. Mesmo no Canadá, onde não parece existir esse tipo de coisas. Ainda assim ele se aventurava pelas ruas, apesar dos conselhos dos amigos já castrados. Não! Tinha as gatas, e por elas valia todos os riscos e sacrifícios. Saía pra rua sim. Só que nessa época um estranho fenômeno se esparramou pelo país,  algo semelhante à Peste Negra na Europa medieval e da idade moderna. A praga dos cachorros. De fato a vida nas ruas virou um mundo do cão. Não se tinha ainda explicação científica para o estranho fenômeno, o que decorre do fato de que os gatos não eram muito chegados a esses tipos de artes, eram muito preguiçosos para  serem cientístas. Havia, porém, muitas especulações. Uma é  a que desde que Jack London morreu, misturando álcool, frio e escorbuto, os lobos teriam parado de atender ao chamado da selva e migrado do Alaska até o sul do Canadá. Bem provável. Mais provável ainda é a hipótese de que povo Nuit lá do norte teria soltado seus cães de trenó depois da introdução de trenós motorizados da Yamaha. O resto é a mesma tese do Jack London. Outros já especulavam que seria a cachorrada norte-americana, mal educada e imunda, que teria cruzado a fronteira ilegalmente. E também de que seriam cães racistas do país do sul, de quem por supertição não dizem o nome, que migraram para o norte por não suportarem a duas eleições seguidas de Obama. E outros, o que tem um ranço colonialista, é a de esses latidores teriam entrado ilegalmente vindos das ilhas fracófilas do Caribe. Hipótese sem fundamento, pois isso se saberia logo de cara. O fato é que as ruas e becos mais degradados de Wawa estavam infestad0s por cães. Na sua barulheira, virando latas e, cruzes, babando. E o que era pior, perseguindo gente civilizada, os gatos. Era a barbáre. Mas Bill, esse era o nome do gato em questão, tinha suas manhas, talvez aprendidas em um documentário educativo sobre o Brasil exibido na TV Educativa do governo. Acontece que certo dia Bill estava numa esquina tentando seduzir alguma gata de "vida fácil" (canadense nunca fala "puta", muito menos "bitch", que poderia ser traduzido como "cadela"). Mas sem muito êxito. Foi quando apareceu John Dirty, um inveterado e imundo gato de rua. E estranhou o comportamento do amigo: ele estava latindo! Então disse: "Bill, ficou louco, falando a língua do inimigo!". O interlocutor ficou constrangido, não esperava ser pego assim... latindo. Respondeu então: "Não liga não, é uma língua morta, o latim, que é bem parecido com o latinês dos cachorros". Então Dirty respondeu: "Mentira, tenho o savoir-faire das ruas, bem sei que esse é um dialeto do cachorrês dos Nuit. Você é um traidor!". Então Bill resolveu confessar e se explicar: "Não é isso não, é que, como todo bom canadense, resolvi virar bilíngue, pois em terra de cão quem não fala duas línguas tá no mato sem cachorro". E assim acaba a história. Existem mais coisas de alguma relevância, mas não vou gastar mais queijo nessa macarronada sensaborona. Só adianto que Bill teve um fim trágico, como nas histórias infantis do Oscar Wilde, diz-se até que adquiriu o hábito de glossolalia, virou líder religioso, foi desmascarado pela cachorroda, e imolado num ritual macabro. Diz-se, ainda, que foi visto pela última vez no Rio de Janeiro, nas mãos de um humano canadense, turista que desfililava na Marques de Sapucaí, pela Portela, no carnaval de 2015, depois de ter pago algumas propinas. Levando vida dura e esticada de couro de tamborim. Pode até ser verdade, pois como se sabe a Portela, apesar do bom desfile, não levou o caneco: gato preto não traz mesmo sorte!