795-O CASAMENTO DE DONA BARATINHA- Real.

Quem quer casar com dona Baratinha

Que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha?

Vaidosa e rica como a senhora Baratinha da história infantil, a senhorita Beatriz Barata, filha de rico empresário carioca, teve o casamento em grande estilo, completado com eventos fora do programa oficial, que o tornaram o Casamento do Ano no Rio de Janeiro.

O casamento de dona Baratinha, digo, de Beatriz era o seu sonho, como é o sonho de toda moça linda e rica deste país tropical, de samba, futebol e carnaval.

Planejara com detalhes por mais de dois anos, quando ainda era noiva de Renato Miroma Júnior. A data e a hora da cerimônia religiosa foram marcadas na Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a festa no Golden Room (Salão Nobre) do Copacabana Palace Hotel.

O casamento com Miroma não vingou. Mas nem por isso dona Barata desistiu das reservas.

— Se cancelo essas reservas, nunca mais vou conseguir outras. — Confidenciou a uma amiga. — Principalmente o horário da igreja.

Tal qual nos romances modernos, a Baratinha escolheu logo outro noivo a fim de concretizar seu ideal. Afinal, era ela rica herdeira de empresas da Cidade Maravilhosa, portanto, excelente partido, e conseguiu outro pretendente num estalar de dedos.

O que jamais entrou nos planos da Baratinha milionária foram as passeatas realizadas no Rio e na maioria das cidades importantes do país, nos meses de junho de julho (2013), contra o aumento de vinte centavos nos preços das passagens de ônibus urbano.

Todos sabem do espírito gozador e até escrachado dos cariocas, nas ocasiões mais sérias. Por isso os cenários do casamento acabaram sendo palcos de manifestantes das passeatas, que se postaram na porta da famosa igreja e defronte ao afamado hotel de muitas estrelas.

“Pois ela não é filha do Barata, o dono da frota de ônibus que circulam no Rio? Ela que aguente a mão!” — postou um dos manifestantes na rede social.

Pois foi então que tudo aconteceu. Ao descer a imponente escadaria da igreja, a moça foi vaiada longamente pela multidão ali reunida a propósito.

— RATA – RATA – RATA – A NOIVA É UMA BARATA .

Ou

— BOX – BOX – BOX – TÁ CHEA DE BOTX.

Saiu da igreja e entrou no carro importado de meio milhão de reais sob os apupos da multidão, contida pela tropa de choque da polícia do Estado do Rio. Um vexame ou um pesadelo, que continuou à entrada do hotel. Outros manifestantes a vaiaram e gritavam palavras dirigidas ao noivo:

— RÁ-RÁ-RÁ – VAI BROCHÁ - RA-RA-RA – VAI BROCHÁ

Uma das convidadas declarou um repórter da revista CARAS:

— Nós ficamos muito assustadas. Era como se fôssemos os nobres de Paris às vésperas da Revolução Francesa.

Quando alguém aparecia na varanda do hotel do segundo do edifício, onde se realizava a festa, só para ver como estavam os manifestantes, a gritaria recrudescia. Alguns convidados lançaram aviõezinhos feitos com notas de vinte reais, sobre os manifestantes; outros jogavam bombons e bem-casados. Quando caíram os aviõezinhos a turba elevou a voz num refrão:

— AVIÃO – AVIÃO – AVIÃO- O BARATA É UM LADRÃO

Era uma vaia dirigida ao papai da Baratinha. O clima deteriorou de vez quando um cinzeiro foi lançado da sacada, de onde a festa se realizava. Atingiu a testa de um homem e houve revide, com pedras retiradas das calçadas lançadas na direção do salão da festa.

Novamente chamada, a polícia de choque chegou despejando gás lacrimogêneo, que atingiu também o andar de cima, o salão da festa. Em seguida, veio tumulto. Vidros de carros estacionados foram quebrados, bem como uma vidraça da entrada do Hotel foi reduzida a milhões de caquinhos.

A muito custo os manifestantes foram dispersados.

Comentando o evento, uma cronista social disse em seu blog:

— O que vimos foi o Baile da Ilha Fiscal da República do Brasil.

A alusão foi feita ao último baile da Corte Imperial na noite da véspera do golpe militar de 15 de novembro, que derrubou o Imperador Pedro II.

Finalmente, terminou a festa. Dona Baratinha realizou seu sonho e partiu para a lua de mel, naturalmente realizada com o dinheiro na caixinha das empresas do Papai Barata.

ANTONIO ROQUE GOBBO

São Sebastião do Paraiso, 17.07.13

Conto # 794 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Todos os contos da Série Milistórias estão arquivados na Biblioteca Nacional.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/05/2015
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