793-JANTAR EM LUA DE MEL - Auto-biográfico
— Para esse trem! Para! PARA!
Levantando-se da cadeira o Coronel Feliciano corre pelo centro da sala do cinema, em direção à tela, onde uma locomotiva avança a toda velocidade para cima dos espectadores.
Mas, como é obvio, a locomotiva não para e avança, tomando conta de toda a tela. Gritos aqui e ali, e o coronel gesticulado, furioso, tentando deter a máquina.
Homem corajoso era o coronel. Acreditando que as cenas na tela do cinema mudo eram reais, mesmo assim, avança destemidamente, tentando parar a máquina, que ameaçava passar por cima da assistência.
Nem mesmo quando a cena muda de plano, focaliza outras situações, passado o susto e o sufoco, o coronel não se convence (nem nunca será convencido) de que aquilo que ele e todos vêm é projeção, não é da vida real.
Uma pequena digressão:
Por anti-coincidência, lembro-me agora de um tio que jamais acreditou que o homem chegara à Lua. Dizia, ainda gozando na cara dos seus fregueses: “ Ceis são bestas mesmo. Não estão vendo que é um filme, feito pelos americanos?” - E olha que ele morava na cidade, era do comércio, viveu quatro décadas após o Coronel Feliciano, e morreu sem se convencer que era uma realidade e não simples projeção.
Como dizem, cada um vê o que quer ver – e como quer ver.
Mas isto é outra história, voltemos à do Coronel Feliciano que gostava muito de assistir filmes no Cinema Recreio.
Fazendeiro de muitas lidas, como disse, corajoso, mas andava sempre armado, com a garrucha dependurada no coldre da cintura, anexo à guaiaca, onde estavam balas extras.
Talvez por isso mesmo gostasse demais dos filmes de mocinho e bandido (mais tarde conhecidos como “de faroeste” ou westerns) nos quais vibrava com as lutas e brigas, e torcia pelo mocinho ou mocinha e seus companheiros leais. Vibrava a ponto de gritar, avisar o herói “ai, Zorro, atrás de você” ou “Acorda, Durango, o bandido tá chegando” e coisas assim, como se as figuras fossem reais.
O pianista, que acompanhava as cenas, variava de música conforme o andamento, intensidade ou o romantismo do enredo. Até para ele o coronel dava ordens: “Silêncio, sô, num distrai o mocinho” e por aí afora.
Memorável foi a noite em que estava sendo exibido o filme “O Assaltante de Diligências”. Em uma determinada cena, o bandido se aproximava furtivamente do bandido. Inúteis foram os gritos do coronel Feliciano, avisando o herói da emboscada.
Mas quando a carantonha feroz do bandido apareceu em close, o coronel não teve dúvidas. Levantou-se e correu pelo centro da plateia, sacou de sua garrucha e disparou dois tiros na cara ampliada que ocupava toda a tela.
Pânico geral. Gritos. Gente saindo às carreiras da sala. O pianista escondeu-se debaixo do piano. O filme parou. As luzes se acenderam.
Terminada a confusão, na sala só estavam o coronel e o pianista, tremendo que nem vara verde, debaixo do piano.
—Pelo amor de Deus, coronel! Eu não..!!
Frustrado, sem saber se tinha ou não eliminado o bandido, o coronel enfiou a arma na cintura e saiu.
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No dia seguinte, o dono do Cinema Recreio, “signore” Giovani Fressatti queria reprisar o filme de graça, aos assistentes da noite anterior, uma forma de compensá-los da confusão ocasionada pelo Coronel Feliciano.
Mas o coronel afirmou em praça publica, prá todo mundo ouvir:
— Se aquele bandido aparecer de novo, tou preparado, vou despejar chumbo nele em dose dupla.
Pelo sim, pelo não, o filme não foi reprisado e ninguém jamais ficou sabendo como terminou a história do “O Assaltante de Diligências”.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 7 de julho de 2013
Conto # 792 da Série 1.OOO HISTÓRIAS.
Os contos da Série Milistórias são arquivados na Biblioteca Nacional