Um Bom Pizzaiolo = Histórias de Amor Safado.
Eram mais ou menos umas onze horas da noite quando ouvi, de meu quarto, a voz de minha bela vizinha do apartamento ao lado dizer a alguém na rua: “Menina, tô mortinha de cansaço. Vou mais é tomar um banho demorado e depois pedir uma pizza do Juca. Adoro a mussarela de lá. Tchau, Deus te pague pela carona e até amanhã, se Ele quiser...”.
Opa! Ela ia tomar um banho demorado e depois pedir uma pizza? Coitadinha de minha linda vizinha...Ficar de estômago vazio até tomar o banho e depois ainda ter que esperar pela pizza do demoradíssimo Juca...Morto de pena daquele estomagozinho delicado, lindo, vaziínho, vesti-me o mais depressa que pude, peguei meu talão de cheques e corri para o Juca.
- Juca, meu maior e melhor amigo neste bairro, nesta cidade, neste país, neste planeta, você vai fazer agora a melhor e mais caprichada pizza de sua vida. Com a melhor mussarela que existe. E tem mais: na maior velocidade possível. Coisa de extrema urgência. Se ela sair em quinze minutos, te pago em dobro.
- Toda mussarela?
- Não. Meio a meio. Metade calabresa, a outra metade muita mussarela.
- Já sei. Vai paquerar a sua vizinha, a Luciana. Aquela ali me faz colocar uma montanha de mussarela e ainda chora no preço.
- Falar é prata, calar é ouro, apressar-se é lucro. Ande com isso.
Juca caprichou no capricho caprichado com que fez a melhor pizza de sua carreira de pizzaiolo, justiça seja feita.
Antes de sair correndo com a pizza ainda gritei pra ele:
- Quando, e se ela ligar, diga que a pizza já está chegando e desligue.
Ele me fez sinal de ok e apressei ainda mais meus passos.
Entrei correndo em minha casa, com a pizza pelando em minhas mãos, peguei depressa um pano de prato para colocar em um dos braços, imitando um garçom, coloquei uma camiseta branca na cabeça tentando imitar um “chef de cuisine” e em segundos batia à porta de minha bela vizinha:
- Dona Luciana, boa noite. Aqui está a pizza que a senhora pensou em pedir ao Juca. Posso colocá-la em sua mesa?
- Por favor, entre. Quer dizer que agora o Juca adivinha os pedidos? Eu nem liguei pra ele ainda...
- Na verdade quem adivinha sou eu. Estava eu posto em sossego em meu quarto, pensando na vida, quando de repente ouvi uma voz, vinda não sei de onde, dizendo-me claramente “há uma linda vizinha sua, sozinha, cansada, morta de vontade de tomar um banho, de comer uma boa pizza do Juca, e depois cair na cama e dormir até tarde na manhã de sábado”. Era uma voz insistente e saí correndo de casa e vim atender o pedido que você pensou em fazer. Acertei?
Ela ria enquanto eu falava e, educadamente, esperou o fim de minha historinha curta:
- Será que, assim por um acaso, o meu vizinho adivinho não me ouviu falando com minha colega, a que me trouxe em casa, que eu não via a hora de tomar um “senhor” banho, pedir uma pizza do Juca e depois cair na cama?
- Posso jurar por tudo que há de menos sagrado que não. Foi uma voz do além que me trouxe aqui. A pizza vai esfriar...
- Muita mussarela?
- Acho que um quilo, pelo menos.
- Também gosta de mussarela?
- Prefiro de calabresa. Pedi meia mussarela, meia calabresa, na esperança de que me convidasse a comer fazendo-lhe companhia, Luciana.
- Então já sabe meu nome?
- Desde o primeiro instante em que a vi. Foi bater os olhos e sentir no ato que só podia ser Luciana. Coisa a ver com luz, luminosidade, claridade...
- E o seu nome?
- Fernando.
- Isso eu já sei. O porteiro me disse quando perguntei a ele. Quero saber o que significa o seu nome.
- Dizem que é “ousado, empreendedor, que age por impulso, mas que leva até o fim o que começa, e até mesmo que é batalhador incansável”. Bacana; não é?
- E você é assim mesmo?
- A pizza vai esfriar...Sei lá se sou assim. Quanto a agir por impulso, acho que é absolutamente certo.
- Como, por exemplo, sentir o impulso de sair correndo à noite, comprar uma pizza e trazer à casa da vizinha sem saber bem de quem se trata. Puro impulso.
- A piz...
- Já sei que a pizza vai esfriar, mas se você não levar sua pizza daqui rapidinho, rapidinho mesmo, o tempo é que vai esquentar. Meu marido deve estar chegando de viagem dentro de alguns minutos.
- Seu marido!? Puxa, eu pensei...Moro aqui há poucos dias..
- Pensou errado, mas adorei sua idéia de me agradar com a pizza. Na semana que vem ele viajará de novo e prometo que aceitarei a pizza em sua casa ou na minha. Agora é melhor correr. Ele odeia pizza de calabresa e de mussarela. Só come de atum e outras coisas diferentes.
- Até lá essa aqui já esfriou de vez...
Rindo, nós nos despedimos. Se o marido chegasse naquele momento poderíamos explicar que eu havia errado de porta. A pizza estava inteira em minhas mãos.
Aquela foi para mim o que se pode chamar de uma semana comprida, “impassável”, Parece que não havia meio do homem ir embora, fazer logo a tal viagem.
Na noite em que ela me visitou, a pizza –só de mussarela, da melhor mussarela que encontrei-borbulhava ainda em cima da mesa. Recém-tirada do forno. Modéstia à parte, o Juca não era páreo para mim, mesmo com aquele imenso forno à lenha. Ainda mais com uma Luciana inteira como freguesa. Assídua.