Embalos de um funeral

Embalos de um funeral

- LAURIE –

“Deus nos traz a terra para uma missão e, depois, nos chama de volta ao Reino dos Céus. Senhor, com sua infinita misericórdia acolha a alma da nossa irmã Perpétua e confortai o coração de seus familiares.”

Esses padres... Essa baboseira toda só porque aquela velha morreu. Já vai tarde! Ter que estar nesse lugar asqueroso, cheio de gente falsa e, pior ainda, ter que fingir derramar lágrimas por causa desse presunto aí. Dizem que na hora da morte passa um filme na nossa cabeça, mas vou falar que, agora, eu olhando esses olhos fechados com algodão no nariz me faz lembrar muitos momentos...

Eu era criança quando papai se separou de mamãe. Todos da família ficaram preocupados comigo e com minha irmã, mas pra mim tanto faz. Me recordo perfeitamente dos gritos histéricos que eu ouvia à noite. Logo pela manhã, mamãe me servia o leite com o olhar mais triste do mundo. Aquilo me causava uma sensação muito estranha. Vinha um sorriso escondido no meu rosto, mesmo que eu sentisse pena e não entendesse o que havia acontecido. Minha irmã tinha apenas seis meses e só sabia chorar. Que inferno! Às vezes eu colocava um pouco de cachaça dentro da mamadeira dela... era tão engraçado. Mamãe sempre falava que eu era anormal... mulher idiota. Qual era o problema de eu enterrar os passarinhos vivos? Era algo muito insano... eles piavam tanto e eu só ria com aquelas cenas. Sabe aquela fase em que as meninas começam a ter um fogo insaciável e querem dar de qualquer maneira? Comigo foi mais ou menos assim. Nunca fui daquelas santas... me saciar era muito complicado. Falava que estava indo para boates, mas, na verdade, pegava o carro e ia para alguma cidadezinha afastada. Seduzia um homem qualquer – mais velho sempre – e, depois que me comia, em súbito envolvia o lençol no pescoço deles e, sem piedade, puxava em um ato único. Teve uma vez que, literalmente, dei doce nas mãos de criança... A polícia noticiava tudo na televisão. “Após meses de busca, o bandido conhecido por JX foi encontrado morto na beira da estrada deserta de Joaponga. Os peritos estão investigando o caso, mas ainda não se sabe a causa da morte.”. Como era bom ver aquilo na TV. O cara barbudo e com uma estrutura considerável.

Esses devaneios me fazem comemorar. Eu sempre fui melhor que essa retardada da minha irmã. Aliás, melhor que todos os meus primos também. Apesar de tê-los conhecido mais tarde... Hoje ela tá aí, se debulhando em lágrimas, com uma vida pacata com seu marido e dois pivetes correndo por esse velório desprezível. Por mim, enterrava e acabava logo com esse circo. Tem gente aqui que nunca vi, nem sabia que a velha tinha tantos amigos e parentes assim. Vou sair logo de perto desse caixão, já deu de cena.

- Senhora, não pode fumar aqui.

- Me desculpe! Não queria causar transtornos.

- Tudo bem. A senhora é o que da dona Perpétua?

- Filha.

- Ah, meus pêsames por essa perda irreparável.

- Obrigada. Mamãe era uma mulher incrível... já está fazendo muita falta! Mas graças a Deus ela teve a oportunidade de ver seu sonho se realizar: a filha se casar e os netos nascerem.

- Entendi. Isso realmente é um presente... as crianças renovam a vida! São suas as crianças?

- Não, infelizmente ainda não encontrei alguém que pudesse me fazer feliz. Meu sonho é ter filhos, mas Deus está no comando.

- Um dia sua hora chega.

- Assim espero. Mas e você? Era o que de mamãe? Nunca te vi antes...

- Há um tempo eu trabalhei com sua mãe na MC Jewils. Ela era uma excelente arquiteta e muito querida na empresa.

- Ela adorava trabalhar lá. Ano passado, quando ela se aposentou, sentiu muita falta. Acho que tudo isso a deixou depressiva... Desculpe a indelicadeza, mas será que o senhor gostaria de ir jantar lá em casa hoje? A casa agora vai ficar muito vazia sem mamãe.

- Puxa, é verdade... Acho que posso sim, não tenho nada programado para hoje. Por favor, vamos evitar tanta formalidade, pode falar você.

- Tudo bem então. Espero você hoje à noite! Até, ... como é seu nome mesmo?

- Edgar, pode me chamar de Ed. Você é a Clarice ou Laurie?

- Laurie, como sabe nossos nomes?

- Sua mãe sempre falava de vocês. Inclusive falava que você era uma criança muito levada.

- Ah, mamãe... ahahaha Bem, nós vemos mais tarde então.

- Sim, até.

Há tempos não via um cara bonito como o Ed. Perpétua morreu e só me deixou problemas. Fazer papel de boazinha não está dando mais, espero que enterrem logo essa mulher, já deu. Clarice fica me olhando com uma cara de bunda, devia prestar atenção nesses moleques que ficam correndo por aí. Ficaria com tanta pena se eles levassem um susto... Vou pegar eles de jeito!

- Clarice, já está na hora de enterrar, não é mesmo? Acho melhor acabar logo com esse sofrimento.

- Você? Se preocupando com alguma coisa de mamãe?

- Que isso, Ci? Eu nunca demonstrei tanto, mas sempre me preocupei com ela. Acho que a gente tem que se unir mais agora, não acha?

- É, de certa forma você está certa. Mamãe era tudo para mim, eu estou muito mexida agora. Vamos acabar logo com isso, você tem razão, me desculpa.

- Tudo bem, Ci. Me dá uma braço aqui... Mamãe era tudo para nós! Mas não podemos esquecer que somos irmãs, agora temos uma a outra.

Aquele mela-mela todo estava me causando repulsa. Acompanhamos o caixão até a catacumba. E pronto. Acabou. Na saída, virei em outro caminho do cemitério e gritei o nome dos meninos. Vieram os dois parecendo que tinham visto fantasma. Me escondi e, quando eles passaram... peguei um graveto e passei no pé deles e depois sai e gritei “Vou te pegar”! Caraca... eu ri muito. Os dois correram igual diabo foge da cruz!

- CLARICE –

*TRIRIM* *TRIRIM* *TRIRIM*

- Alô?

- Senhora Clarice?

- Sim, é ela? Quem fala?

- Senhora Clarice, desculpe estar ligando nesta hora tão difícil. Eu sou Buase advogado da sua mãe e preciso que assine uma papelada que ela deixou.

- Olha, ela nunca me falou nada sobre papelada nem nada.

- Sim, eu sei. Eu preciso que a senhora seja compreensiva. Esses papeis definem algo que é de extrema importância. Sua mãe tinha um segredo e, agora, só você pode estar com ele.

- Isso está muito estranho... mas ok. Podemos nos encontrar amanhã no café Le Florian às 10h. Ok?

- Muito obrigado pela compreensão. Ás 10h então. Boa noite.

Nessa vida há muitas surpresas. Mamãe sempre foi uma mulher alegre, trabalhadora, sempre estava ali para qualquer coisa que eu ou Laurie precisássemos. Sempre foi pai e mãe. Vou sentir muita falta dela... foi embora muito nova. Me lembro perfeitamente quando conheci Vicente... foi num dia no parque. Ele estava andando de bicicleta e eu estava sentada na grama conversando com as meninas. Ele passava, voltava e passava de novo... até que em uma das vezes que ele passou, jogou uma flor linda para mim. Meu coração disparou. Depois daquilo, todo final de semana a gente estava lá e ele já estava membro do nosso grupinho. Quando falei para mamãe do pedido de namoro, só faltou ela soltar fogos. Laurie ficou indiferente, como sempre. Aliás, estou até achando estranho essa dela querer se aproximar. Sempre estranha e distante de todos, só aparece por obrigação... enfim. Mas foi tudo muito lindo o nosso amor. Sabe, eu nunca fui de ficar saindo muito e muito menos fui namoradeira. Beijo na boca foram só 3. E namorado... o único que tive terminou em casamento. Dois anos de casada e veio o primeiro filho: Felipe. Logo no ano seguinte, Lauk estava entre nós. Um amor inexplicável ter nos braços a maior paz e proteção do mundo. Ser mãe é algo único... esses dois são a razão da minha vida! Entre tantas coisas e correria do dia a dia, mamãe sempre me ajudava. Era uma mão na roda. Lembrar dela é sempre bom... mas o que será que ela deixou? Nunca me falou de segredo nenhum, muito menos que tinha deixado papelada...

- Mãe, porque você está chorando? Vamos dormir juntinhos hoje? Eu to com medo...

- Ô meu bebê, mãezinha não está chorando. Foi só o olho que... bem, vamos sim, vou falar com seu pai. Mas não precisa ficar com medo. Vovó estará olhando por nós lá de cima, como uma estrelinha linda e brilhante. Cadê seu irmão?

- Tá na sala com papai.

- Vamos lá então...

Os meninos ainda são muito novos para entender tudo isso. Tenho que ver um psicólogo para eles não ficarem com esses medos desnecessários. Quero só boas lembranças na cabeça deles.

- Vicente, Lauk e Felipe hoje vão dormir com a gente, tá? Vamos contar muita história, fazer guerra de travesseiro e... guerra de cosquinhaa!

- Ih, que bagunça boa, hein. Acho melhor eles dormirem com o Bolt, não acha?

- Não papai, o Bolt também tá com medo. Ele vai dormir lá com a gente, nosso super cão.

- Oba, Bolt também, mamãe, Bolt também!

- Eita nós! Acho que ninguém vai é dormir... ahahaha

- LAURIE –

*TRIRIM* *TRIRIM* *TRIRIM*

- Alô, Ci!

- Oi Laurie. Tudo bem?

- Tudo sim, e aí? Como estão os meninos?

- Tudo certo por aqui. Ah, eles estão um pouco assustados ainda, mas já já passa. Eu liguei para saber se você quer vir para cá também... Agora com essa tragédia, sei que você está muito sozinha aí... Você já comeu algo?

- Ah, Ci... Não precisa. Eu vou ficar tranquila aqui, lembrando dos momentos bons... Fica com os meninos que eles com certeza precisam mais de você hoje. Estou acabando de cozinhar o jantar.

- Hmm que delícia! Tudo bem então. Qualquer coisa me liga.

- Pode deixar. Beijos, boa noite, fica com Deus

- Você também, beijos.

Imagina se eu ia trocar essa noite para ficar com a “irmãzinha preocupada”... Já já o Edgar vai chegar aí. O que fazer para essa noite? Batatas coradas com tempero de terra de cemitério ou lasanha ao molho de carne moída de cachorro? Ótima ideia, Laurie. Você é uma gênia! Carne de cachorro moída ao arroz de fungi com tempero de terra de cemitério. Espero que aquele cara goste disso. Essa noite será incrível. Já tirei o meu tubinho preto do armário, salto com pedra... e estou maravilhosa. Essa noite Ed provará de muitos sabores.

- EDGAR –

O mais estranho é que eu nunca fui à casa de Perpétua quando viva, e, agora, estou eu plantado aqui pensando se devo mesmo tocar essa campainha. Há certos mistérios que eu nunca saberei. Perpétua sempre falava nas meninas dela e tudo mais... mas parece que tinha maior preferência pela Clarice. Talvez por causa dos netos... Mas então por que morar com Laurie se ela tinha opção de morar sozinha? Ah, tem angu nesse caroço... eu vou descobrir.

*DinDon Dindon*

- Achei que você não viesse... Entre por favor.

- Ah, é porque surgiu um imprevisto de última hora. Nossa, você está encantadora.

- Tentei deixar de lado a tristeza e tentar espairecer nesse momento.

- Que casa linda, Laurie. Morava só vocês duas aqui?

- Eu, ela e o Spark... Ah, Spark era nosso cachorrinho. Mas infelizmente ele não está mais aqui. Demos ele para um casal de amigos nosso que mora na serra, com mais espaço para ele correr e tudo mais.

- Entendi. Nossa, que cheiro bom. Tá tudo arrumado, fico até sem graça.

- rs Preparei um jantar encantador para gente! Já deixei até os pratos prontos...

- Que isso, hein. Dá até para casar assim ahaha

- Claro...

Ficamos nesse blá blá blá todo e conversa pra lá e para cá. Nunca tinha comido um jantar tão bom. Essa mulher realmente caprichou. Ela está maravilhosa, mas não sei se devo. Porra que merda. Fui inventar de sair com a filha de uma amiga... e pior, logo depois do enterro. Ai ai ai, Deus que me perdoe! Bem, vamos manter o foco. Conquistá-la agora é o maior objetivo.

- Bem, acho que já está na hora de ir embora.

- Ora, ora, ora... mas já vai assim tão cedo? Fica mais, posso te mostrar o resto da casa...

- Você está jogando baixo... – em súbito ela simplesmente me beijou.

- Não fale nada, apenas aceite.

- Mas acho que não deveríamos...

Meu instinto masculino não me deixou negar a tentação. A verdade é que quando um quer, dois não brigam. Ficamos ali pela sala mesmo sem nada para impedir aquilo tudo. Mas essa mulher é algo irresistível. Ela tem um fogo que não é dela... nunca fiz algo parecido com ninguém. Acho até estranho essas coisas de vela quente e tudo mais. Mas quem sou eu para negar a vontade de uma mulher, ainda mais quando é para gritar ou gemer de prazer. Isso tudo é uma nova investigação de mundo...

Nem acredito que dormi aqui. Laurie já está até acordada. Fumando a essa hora... desnecessário. Estar aqui por esses dias fará bem a ela. Essa mulher está me encantando, ou não. Deixa eu mandar a mensagem... já devem estar preocupados.

“Bom dia. Logo estarei aí. Assim que puder ligo. Um horror esse sinal. Recebendo a mensagem confirme, Irei aguardar. Está tudo bem comigo. Continuarei dando notícias Logo.

Atenciosamente,

Edgar W. Berty”

- Bom dia, Ed.

- Nem acredito que dormi aqui... bom dia.

- Está tudo bem, relaxa... a noite foi boa. Rs

- É, foi sim.

- Estava falando com quem no telefone?

- Ah, estava vendo se tinha mensagem ou ligação... é hábito mesmo, sabe como é.

- Entendi. Vem tomar café!

- Não precisa não, estou meio enjoado... tô me sentindo estranho. Acho que já vou indo...

- Mas por que tão cedo, fica mais...

- Bem que eu gostaria, mas não posso mesmo... Não era nem para eu ter dormido aqui. Vou só tomar uma ducha, será que posso?

- Claro! Tem um banheiro ali à direita. Já levo uma toalha...

Quantos à fazeres. Coisas que nunca fiz na vida estou fazendo aqui. Tomar banho fora de casa, conseguir transar fácil com uma menina na primeira noite... É, tudo certo. Estou sentindo uma dor entranha no estômago. Acho que vou ter até que cagar fora de casa. Puta merda, tá difícil. Laurie é uma mulher muito bonita, encantadora, sensual... Será que ela vai ter algum interesse em mim depois disso tudo? Essas dúvidas cruéis. Ah, foda-se: o futuro a Deus pertence, já dizia... ah sei lá. Sabe o que eu acho mais estranho? Às vezes ela vem com uns papos estranho de maluco, eu hein. Fica falando umas coisas de plantas, de cirurgia...

- Por que está mexendo no meu celular?

- Estou jogando Candy Crush.

- Hm. Da próxima vez não mexe, por favor.

- Ih senhor nervosinho... calma. Ah, uma mensagem de Frederic: Ficarei te aguardando, Bicho. Isso depois das 11h?

- Porra Laurie, eu mandei você abrir mensagem? Me dá isso.

- Aff, que estúpido.

- Desculpa, eu fico nervoso... Tenho que ir, qualquer coisa me liga para nos encontrarmos, ok?

- Tudo bem...

Caralho, quando as coisas tem que dar errado dão! Espero que ela não tenha lido nada... Puta merda, ela é tão burra que se esqueceu de apagar o histórico de visualizações. Ela estava vendo as mensagens. Ah, foda-se também. O que tiver que ser será.

- CLARICE –

Odeio atrasos. Por que essas pessoas têm que se atrasar? E o pior... diz ser advogado. Advogado de merda esse né. O que será que mamãe deixou? Isso tudo está muito estranho. Mamãe nunca me falou absolutamente nada! Como assim? Será que ela falou para Laurie? Acho que vou ligar para ela.

Adoro quando as pessoas me atendem...

- Senhora Clarice?

- Sim, sou eu.

- Desculpe o atraso. Sou o Buase. Agradeço demais por ter vindo.

- Ah sim, bom dia. Bem, quero ser breve. O que você tem de tão importante?

- Senhora Clarice, é o seguinte: sua mãe sempre observou algo de diferente com sua irmã, mas nunca comentou com ninguém. Porém, ela arquivou muitos papeis comigo e não permitiu que nem mesmo eu pudesse abrir. Aqui tem exames, folhas escritas... muitas coisas. O conteúdo disso tudo não se sabe. A única em quem ela confiou para deixar isso foi a senhora, mas deixou um documento, uma espécie de contrato, para que só se abra isso com uma equipe de especialistas. Depois de aberto só eles tem autorização para mexer aí dentro.

- Algo sobre a Laurie? Ela não tem nada demais. Só sempre foi meio afastada. E que especialistas são esses?

- Não sei. Ela não deixou grandes informações... Só deixou o pedido para que fosse entregue a você, está aqui. E o nome da equipe está aí dentro.

- Pela letra é de mamãe mesmo. Eu preciso de um tempo. Não sei se devo assinar nada assim.

- Eu entendo e respeito a senhora, mas devo lembrar que isso pode acarretar na vida de outras pessoas. Podemos marcar na sexta no mesmo horário, pode ser?

- Tudo bem, na sexta então. Acho que esses dois dias serão suficientes.

- Lembre de não comentar com NINGUÉM. Passar bem, senhora Clarice.

- Pode deixar. Obrigada.

Que merda que eu me meti. Eu estou aqui sem saber o que fazer. Como não vou comentar com ninguém? Acho que vou ligar para Laurie, ou falar com Vicente. Puta que pariu. Isso tudo de uma vez só, como lidar? Tá foda a vida...

- LAURIE –

Uma noite para ninguém colocar defeito. Eu quero estar com o Edgar sempre. Ele que ouse não vir quando eu telefonar. Sabe o que eu estou sentindo falta? De um caso meu na televisão... Há tempos não divirto assim. Estar ou não nesse mundo é tão indiferente que eu acho até que faço bem a essas pessoas que mato sem querer. Rs Sem querer. Hoje minha night vai ser boa também... Já vou deixar meus equipamentos prontos e tudo vai ficar dez.

Já que é hora do show, vamos nos divertir. Quem será que vai ser hoje? Que tal decidir na adedanha... que espetáculo o grande senhor Watison. Dono de muitas terras, quase nunca está por aqui... esse povo vai querer levar o dinheiro todo do velho. Hora da ação.

Essa campainha quase nunca é usada. Mas como não sou de fazer as coisas pela porta dos fundos, vamos nessa. Há tempos já não venho aqui. Mamãe há um tempo teve um caso com ele, coisa de velho mesmo. O cara sempre foi precavido, espero que tudo ainda esteja como antes. Será tão perfeito... Sabe qual a maravilha disso tudo? Ele é sozinho nessa casa enorme. Na verdade tem o caseiro, mas que importância isso tem?

- Boa noite, senhor Watison!

- Menina Laurie, quanto tempo! Entre por favor. Acabei de chegar e trouxe uma comidinha ótima, fique para jantar.

- Quanta honra. Eu vim aqui para um papo rápido mesmo. Não sei se o senhor soube, mas mamãe morreu.

- Como assim? Não me falaram nada! Puxa vida... ela era uma mulher incrível.

- Foi tudo muito de repente. Sinto muita falta dela já.

Quando aquele velho babão começou a chorar, meu desespero para rir era grande! Mas tinha que manter a postura de filha boa e com saudade. Já vou começar logo esse show... cinco comprimidos de Rivotril num copo de whisky não faz mal a ninguém, não é mesmo? E acho ótimo que ele já dormiu logo... incrível como velho é. Fui até a área e peguei as luvas de jardinagem, beleza! Aquele escritório sempre grande e de porta fechada e a silenciadora dele lá dentro, que maravilha! Me preparei e, enquanto o velho dormia ferrado, já tinha colocado as luvas e pego a arma. Claro que quem executaria isso seria ele. Forjei um suicídio colocando a arma nas mãos dele e apertei três vezes perto do coração. O presunto ficou defumado. Levei os dois copos comigo de recordação... Coloquei as luvas de volta no lugar e fui embora. Que sensação deliciosa! A vida é insana, só assim tem graça.

2 dias depois...

O dia de ontem não poderia ter sido melhor! Passei o dia com pipoca vendo TV. Todos os canais noticiando o “suicídio” do empresário. “Nessa madrugada tivemos a perda do empresário Senhor Watison. A polícia chegou no local após receber um telefonema do caseiro, dizendo que o homem estava morto na sala de sua casa. A princípio, suspeita-se de suicídio, mas eles não tem informações suficientes. Os peritos já estão no local averiguando melhor a situação. Fique ligada, a qualquer momento daremos mais notícias.”

Há 2 dias não vejo o Ed. Acho que preciso de novo de novas aventuras... A “filha triste” vai entrar em ação. Que merda isso. Ed não me atende. Eu falei que ele seria só meu. Nada mais importa. Vou ter que agir... Tanta coisa para pensar. Acho que está na hora de ligar para Clarice. Depois vão falar que eu ando afastada e não quero mimimi para cima de mim.

- Ci! E aí, como está? Estou tão empolgada...

- Oi Laure. Tudo certo. O que houve?

- Quero que você venha tomar café comigo amanhã, pode ser?

- Tudo bem, pode ser.

- Ah, ok. Vou estar te esperando! Beijos.

- Beijos.

- CLARICE –

- Agora quem chegou cedo foi o senhor! Bom dia.

- Bom dia senhora Clarice. E aí, pensou?

- Pensei sim. Vou assinar. Vamos acabar logo com isso.

- Ótimo. Aqui está o papel.

- Prontinho.

- Maravilha. Marcarei com os especialistas e amanhã às 10h estarei te esperando no meu escritório. Aqui está o endereço.

- Ok, estarei lá por volta de 10h30 porque vou ter um compromisso antes.

- Ok, estaremos aguardando.

Isso me apavorava cada dia mais. Vou levar as crianças ao parque agora à tardinha... abstrair tudo isso. Amanhã o dia será bem longo. Uma tarde em família hoje fará bem ao meu ser.

*DinDon Dindon*

- Bom dia, Laurie!

- Olha que ótimo você aqui, entra!

- Que cheirinho maravilhoso, hein...

- Acabei de tirar esses pães com chocolate! Tem que esperar esfriar um pouco.

- Com certeza, quero provar. Mas e aí, como estão as coisas por aqui?

- Ah, tudo na paz... calmo até demais, sabe! Estava pensando até de ir visitar os meninos, eles dão uma alegria enorme na casa.

- É verdade. Vai lá hoje a tarde lanchar... Café aqui, lanche lá! Que tal?

- Acho ótimo.

- Maninha, vou tomar esse iogurte aqui e já estou indo! Tenho um compromisso inadiável.

- Puxa, mas tão rápido! Come um pão desse, vou colocar para você levar também...

- Vou comer sim! Que delícia... depois me passa a receita hein, vou fazer pros meninos.

- rs Pode deixar...

- Bem, vou indo! Desculpa a pressa.

Ir dirigindo para aquele escritório me deixou mais tensa ainda. Era bem perto da casa de mamãe. Acho que ela ia lá por isso... Bem, chegou a hora e seja o que Deus quiser! Vou comer logo esse pão aqui para não chegar de estomago vazio.

*TOC TOC TOC*

- Bom dia, senhora Clarice, pode entrar.

- Bo... bom dia! Pra que tanta gente?

- Pedido da sua mãe. Temos psicólogo, psiquiatra, agentes do FBI e um neurologista.

- Cruzes, pra que isso?

- A senhora precisa ler a carta de sua mãe... Está selada e o no papel ela pede para que a senhora leia antes de mais nada.

- Tudo bem, onde está essa carta?

- Aqui está!

Minha mente já estava borbulhando... a letra era mesmo de mamãe.

“Querida filha Clarice,

Deixo esse envelope para que algo seja feito. Para uma mãe, a dor de ter que perder um filho, seja lá como for, é inexplicável. Eu sabia que, enquanto estivesse viva, não conseguiria fazer algo para proteger as pessoas, embora eu tentasse da minha maneira. O único jeito que eu encontrei para ajudar minha filha Laurie foi esse. No momento em que Deus me chamasse, passaria essa responsabilidade para você, me perdoe. Essa equipe estará aí para te auxiliar em qualquer coisa que precisar, e não tema nada. Deus sabe o que faz. Aí eu deixo desenhos, exames, cartas e declarações da sua irmã desde pequena. Tudo que eu pude guardar. Te amo e sempre te amarei em qualquer lugar em que eu estiver. Fique com Deus.

Mamãe Pétua”

- Tome essa água.

- Eu não estou bem, chama ambulância. Meu coração...

- Senhora Clarice? Senhora Clarice? Senhora Clarice? Responda.

- Olha a pulsação.

- Faz massagem cardíaca.

- Já era, ela morreu...

- O que faremos?

- Liga para ambulância. Vamos analisando esses papeis.

- EDGAR –

Ser frio em momentos como esse é a pior parte da minha profissão. Me aproximar de pessoas e ter aceitar tudo para resolver casos. Laurie é uma menina com distúrbios e já desconfiávamos há muito tempo. O FBI achou esses documentos na casa da senhora Perpétua e entrou em ação para tentar descobrir tudo... Ser o Edgar que deixar cair em tentação e o Buase que tenta persuadir uma senhora em favor de um bem maior. Às vezes me sinto mal por tudo isso.

- Tudo indica distúrbios. Desenhos agressivos.

- Tenho quase certeza que estamos falando de uma psicopata.

- Analisando o mapa cerebral... o lobo frontal dela tem uma diferença ao comparar com o de uma pessoa normal.

- Exame de sangue com baixos níveis séricos de glicose e colesterol.

- Uma grande quantidade de testosterona.

- Isso é um caso sério. Temos que agir logo.

- Infelizmente temos que usar do funeral da irmã para capturar a Laurie.

- Acho que não é uma boa ideia, mas se não temos outra saída...

- “Edgar”, isso é com você, meu irmão...

- Pode deixar.

- LAURIE –

Gente, acho que essa semana veio de brinde para mim. Nada poderia estar sendo melhor. Se o Ed aparecesse seria melhor ainda, mas... Acho que talvez hoje eu ainda o veja. Mamãe morreu, Clarice morreu, Watison morreu... quanta morte boa. Vou colocar o mesmo vestido que usei com o Ed para ficar bem chique. Um evento desses deve ser comemorado.

- Vicente, como pode? Eu estive com Laurie, ela saiu e não disse para onde ia. Eu lamento muito. Os meninos devem estar muito sentidos.

- Laurie, obrigada. Nós estamos abalados demais. Parece que ela sabia...

O Vicente ficou falando e falando, mas eu só consegui olhar uma pessoa entrando no salão. Eu sabia que ele viria. Não foi a toa que Clarice morreu. Esse cara gosta de um enterro.

- Licença, Vicente.

Como se não houvesse ninguém, fui caminhando até Ed.

- Sabia que ia te ver por aqui.

- Com certeza. Você pode me acompanhar?

- Mas é claro, será um prazer.

Ed me levou para um lugar diferente, era uma casa. Já sabia que coisas boas viriam. Ele me fez umas perguntas e respondi na boa, até rimos... como ele pode achar que eu sou psicopata? Vê se isso pode? Perguntar se eu conhecesse um cara no funeral da minha mãe eu mataria minha irmã para rever ele. Eu respondi que sim, claro... Aliás, eu até fiz isso, mas com certeza é coincidência. Quando entrei na casa, só escutei ele falar “positivo”.

- A senhora está presa, senhora Laurie.

- Presa?

- Sim, senhora Laurie. Seus crimes foram descobertos... Há tempos estamos te procurando. Desde de sua adolescência, lembra do JX?

- Como esquecer...

- Pois é. Eu achei que você fosse ser mais inteligente e perceber o código na mensagem que o “Edgar” mandou da sua casa. Aprende que quem manda as cartas somos nós. Ali estava escrito o seu nome e o da sua irmã e, ao mesmo tempo, indicando as coordenadas a serem executadas. Dois casos estão sendo apurados agora... e mais uma vez tudo indica que tem seu dedo.

- Tenho que deixar marca registrada, não é mesmo?

- Cala boca. Assuma logo o caso do Watison e da sua irmã Clarice.

- Quer saber? Foda-se, eles dois são dois idiotas. Um mais fácil que o outro. Se vocês são tão inteligentes, com certeza vão descobrir.

- Pois é... A senhora esqueceu de levar as luvas junto. Suas digitais estão na luva, na mesa... E a sua irmã? Andou usando Sulfato de Nicotina em pães com chocolate? Tome cuidado da próxima vez... eles foram feitos para plantas. Ah, claro, não haverá próxima vez.

Ser presa assim do nada? Por quais motivos? Eu apenas fiz o que me deu na telha e era o certo. Esse Edgar ainda vai me pegar por essa prisão tão injusta. Essa vida está cheia de mistérios. Acho que o melhor a se fazer é... Deixa quieto, sabe.