772-INVERNO FATAL PARA UM PARDAL-Hist. da Vovó Bia
Vovó Bia levantou-se da mesa do café da manhã com uma rara disposição.
— Espere um pouquinho, Elvira, vou com você ao curral.
O sol no céu límpido prenunciava mais um dia claro e uma brisa anunciava a frescura do mês de Abril. Como todas as manhãs, Elvira dirigia-se ao curral a fim de pegar o leite fresco para iniciar o processo de fazer manteiga e queijos.
As duas mulheres seguiram pela calçada de pedras que ia da casa ao curral, Vovó Bia apoiada no braço da nora.
—Acho que o Lourenço já terminou a ordenha. Ele é um caboclo muito esperto.
No curral Lourenço estava acabando de ordenar a Nevada, sentado no banquinho de um pé, que usava amarrado no baixo ventre, apropriado para o serviço.
—É só um momentinho, dona Elvira, já tou acabando,
As vacas, aliviadas do peso do leite, os úberes vazios, também se aliviavam de outra forma, deixando grandes montes de estrume fresco pelo chão do curral,
— Cuidado aí, dona Elvira, não vá sujar os pés...
— Não tem perigo, Lourenço. Não vou entrar não, só vim buscar o latão de leite.
Vovó Bia observava a faina do retireiro e as vacas, sujando o chão do curral com suas defecadas.
— Essas vacas me fazem lembrar de uma história...
Ela não perdia uma ocasião de contar histórias, causos e até mesmo piadas. Era uma velhinha muito comunicativa e espontânea, e sabia de muita coisa.
— História de vaca...? Deve ser interessante. — Disse o retireiro, que também gostava de causos, principalmente de histórias do meio rural.
—É uma história de vem da Europa, onde o tempo do frio, o inverno, é muito rigoroso, com neve e ventos gelados. Os pássaros e até aves de grande porte migram para o sul, para as erras quentes do norte da África.
— Uai, por móde quê eles voam prá outras terras? — indagou o mulato.
— Justamente para escapar do frio. Eles voltam quando passa o inverno. Pois naquele ano, um pardal resolveu não viajar para o sul com seus amigos. Ficou por ali, numa região de fazendas e muito gado. Mas não demorou muitos dias, o tempo esfriou de repente e a cair neve. O pardal ficou arrependido de não ter ido.
— Mas que besteira a minha, pensou. Vou ter que me abrigar perto da fazenda.
Como estava longe de qualquer abrigo, teve de voar bastante até chegar a um estábulo, onde entrou por uma fresta e caiu no chão, as asas congeladas.
Tremendo de frio e com asas paralisadas pelo gelo, ficou no chão, com muito medo, pois no estábulo estavam algumas vacas, também abrigadas da tempestade de neve.
A qualquer momento, posso ser pisoteado por uma vaca, — Pensou, sem forças para voar.
Estava ele ali, as asinhas enregeladas, quase morrendo de frio, quando uma vaca deu uma cagada em cima dele.
O pardal pensou que estava ia morrer. No meio daquele monte de bosta, apenas teve forças para manter a cabeça de fora e ficou quieto. Mas o calor da bosta degelou suas asas e ele ficou satisfeito, contente por não ter morrido e ainda ficar bem quentinho, no meio da bosta.
Sentido-se aquecido e feliz, começou a cantar. Exatamente naquele momento, um gato chegou ao curral e ouvindo os trilados do pardal, resolveu investigar.
O gato chegou perto do monte de bosta, de onde vinham os trilados, começou a cavoucar e achou o pardal que assobiava. De um golpe, abocanhou o pardal e o comeu.
Vovó Bia parou de contar, dando a história por terminada. Lourenço levantou-se do banquinho de ordenha e perguntou?
— Acabou?
— É, a história termina assim. Mas...
Lourenço, homem simples e sem tato para falar, disse:
— Que história mais boba, dona Beatriz.
Ela explicou:
—É uma fábula. Tem o que se diz a moral da história.
— Intão? — Lourenço coçava a cabeça, tentando entender.
— É um arremate que explica a história.
— Intão arremata!
— É o seguinte, Lourenço. Esta fábula leva a três conclusões. Primeiro: Quem faz merda em cima de alguém, não é necessariamente um inimigo. Segunda: Quem ajuda outra pessoa a sair da merda, nem sempre é um amigo. E terceira: Quando alguém estiver feliz e aquecido num monte de merda, é melhor ficar de boca fechada.
— Ah, assim explicado eu entendi tudinho.
Antonio Roque Gobbo
Belo Horizonte, 13 de fevereiro de 2013
Conto # 772 da Série 1.OOO HISÓRIAS