PAPARICHOS EVACUATÓRIOS
Abrindo pernas e braços, Ronifon pulou célere da cama, esbravejando. O sacana do irmão havia jogado sobre ele um caneco d'água gelada.
- Filho de uma... - Não completou a frase - Desgraçado! Eu te pego, seu vagabundo!
Porém, ao consultar o relógio, quase agradeceu ao irmão. Eram 10h35, às onze horas sairia a escalação dos jogadores da empresa em que ele trabalhava. Se chegasse atrasado no Bar do Ozias, com certeza perderia a posição.
Rapidamente, jogou uma água no rosto, meteu um pouco de pasta de dente na boca e fez um bochecho. Apanhou do guarda-roupa a bermuda, a camisona preta e branca do Esperanção Futebol Clube, sua paixão. Apanhou meias e tênis, meteu o boné e os óculos escuros. Lépido, foi pro boteco.
- Olha o Roni aí, pessoal! - Era o seu amigo Tino Pé de Cana.
- Oi, Tino, a gente já tamos na área. E daí, já pintou a escalação?
- Não! Tamo aguardando o Zé Galinho chegar para se abastecer. Já pensou a hora que vai sair esta escalação?
Zé Galinho, torneiro mecânico dos bons, era o técnico, mas só escalava o time depois de tomar meio litro de rabo-de-galo.
- Osias! Tem o número do celular do Zé?
- Péra aí, tá aqui na gaveta do Caixa... Anota aí! Pessoal, deixa-me aproveitar a oportunidade e apresentar o novo responsável pela delícia dos salgadinhos que vocês tão comendo. Este aqui é o Lourival. Só que ele prefere ser chamado de Loló. Né, Loló?
- E esta camisa com as cores do Vila Jururu que ele veste? - pergunta um dos biriteiros.
- Coincidência. Loló me disse que detesta futebol. - responde Osias.
Um dos clientes do fundo dá uma plagiada no Severino do Zorra Total: "Isto é uma BICHONA!".
- Falando em bicha, o cara do bicho já passou por aí? - pergunta o Zé Sovaquinho. - Tenho que fazer uma fezinha. Hoje dá jacaré na cabeça... Sonhei que era deputado.
- Deputado? Federal ou estadual? Precisa ver direitinho para não haver controvérsias. - exclama Carlito Fundo Branco.
- Dá, viado. Esses caras são tudo viado! - fala o italianíssimo Giusepe Canelone com seu vozeirão de trincar cristal. - E aço que o bambino pode arriscar só na testa, capisco?
- Só na cabeça você quer dizer, né, ô facista? - corrige Hans Chucrute.
- Facista é a pequeospê, alemão d'uma figa!
O forte barulho da buzina a ar do fusca amarelo do Zé Galinho, que pára defronte o boteco, faz o pessoal se aquietar e consultar o relógio.
- Osias, rápido, rápido! Sirva a dose da chefia. Rápido! - fala um dos candidatos à peleja.
De chapelão, camisa do time, botas e bombachas, desce do seu fusca o gaúcho Zé Galinho, já alertando os craques:
- De passito, no más, sin pressa, chegamos lá. A cá está la escalación! - diz, sorrindo.
O pessoal do bar aplaudiu geral a atitude precavida do técnico.
- Quem joga? - pergunta Osias.
- Mas bah, tchê! Nem molhei a goela. Te acalllmas, índio velho!
Duas horas mais tarde, o pagode já rolava solto há tempo, quando o gaúcho pediu silêncio, trepou na mesa e declinou a escalação. Quebrou o pau. O zagueiro Nelsinho e o meia-direita Carlito Cheirador foram dispensados. O pessoal não gostou da decisão técnica. Garrafas voaram no recinto. Loló, rapidamente, tirou o avental e saiu apavorado do boteco, gritando: "Cruzes! Help! Help!"
Com a chegada da viatura da polícia, o pagode voltou a reinar. Ninguém foi detido. Convidados, os PMs engoliram rápido umas empadinhas e tomaram duas inocentes Cocas, no gargalo, com umas caprichadas doses de rum adicional. Afinal, ninguém é de ferro.
Às quinze horas, pára o caminhão do Toni da Ceasa, para levar os atletas até o campo do São Vicente, no Boa Vista. Três torcedores tiveram, segundo eles, problema de pressão e despencaram no asfalto. Nada sério. Algumas fraturas de braços e o retorno solene e feliz ao boteco. Enquanto aguardavam a ambulância, solicitaram mais umas anestésicas doses de cachaça.
O campo estava lotado. Seria um jogo de decisão. A partida, marcada para as dezesseis horas, já estava com um atraso de meia hora. A barulhenta torcida estava inquieta. No vestiário, técnicos e jogadores do Esperanção, mesmo já cagados, disputavam a tapa uma vaga nos únicos três vasos sanitários do vestiário.
Os valorosos atletas tiveram uma diarréia homérica, provocada pelos deliciosos salgadinhos do boteco do Osias.
Excitadíssima, e com um largo sorriso estampado no rosto, Loló requebrava-se histericamente, comandando a torcida do Vila Jururu Futebol Clube.