O ladrão que não roubou!
O ladrão que não roubou
Madrugada de sábado para domingo, não tardaria a amanhecer.
Um apreensivo rapaz passou a madrugada toda perambulando pelas ruas do bairro, tendo como companheira sua consciência, que gritava para que não fizesse aquilo, ao mesmo tempo em que ele pensava com amargura em seus filhos famintos e na esposa que o abandonara no pior momento de suas vidas.
Já havia tentando de tudo, mas em vão, nada conseguira até então.
Talvez Deus o perdoasse um dia e suas prováveis vitimas também.
Jamais havia roubado ninguém, pensou que nunca chegaria a este ponto, pois, seu coração não concebia tais atos, mas as lágrimas dos filhos tão pequeninos enfim venceu e ele foi.
Escolheu uma residência sem cerca elétrica, pulou o muro e verificou que o lugar estava totalmente escuro e silencioso.
- Quem sabe não tenha ninguém em casa – pensou ele.
Procurou alguma possível entrada, encontrando enfim uma porta nos fundos que estava destrancada. Entrou em silencio, analisando tudo á sua volta e percebendo que aquela casa era mais simples do que imaginara, para um bairro tão badalado.
Percorreu cada cômodo até que aproximar-se de um dos quartos, ouviu um choro baixo e alguns gemidos sufocados de dor. Chegou mais perto da porta entreaberta e uma cena comovente assustou seu coração.
Encolhida em uma cama havia uma bela moça e dela escapavam gemidos de dor e lagrimas silenciosas. Ela parecia tão inebriada em seu sofrimento, que em principio pareceu não notar a presença dele.
Ao lado da jovem, permanecia uma jovem senhora muito bonita, de cabelos longos e prateados, olhos castanhos brilhantes e marcantes, trajando um vestido leve da cor do céu em uma manhã gentil... irradiava uma luz suave e bondosa.
A bela senhora não podia ser vista por nenhum dos dois, mas poderia ser sentida e ouvida por ele.
O rapaz estivera prestes a praticar um ato nada louvável ao entrar na casa, no entanto, seu coração falou mais alto ao vislumbrar a jovem enferma.
Melinda se aproximou dele e com voz delicada e firme rogou:
- Por favor, ajude minha filha, sei que tem bom coração. Ela esta passando muito mal e precisa de ajuda imediata, chame por socorro e salve o meu tesouro, lhe suplico.
O rapaz não pode captar suas palavras totalmente, mas o pedido da jovem mãe foi recebido por ele e sem pensar duas vezes, chegou até a mesinha ao lado da cama, pegou o telefone, ligou para a emergência e pediu ajuda.
Ao desligar o telefone pesou em fugir dali, deixando a porta aberta para que os socorristas pudessem entrar na casa, mas não o fez. Sentou-se ao lado de Samantha, segurou uma de suas mãos pequeninas e frias, fechou os olhos e rogou aos céus para que o socorro chegasse a tempo.
Ele fitou a moça com docilidade e um reconhecimento que não conseguia explicar de onde vinha às lagrima começaram a correr quietas e com voz tremula ele disse:
- Me perdoe pela invasão, eu estava desesperado, mas juro nunca mais fazer algo assim.
Mesmo tomada por dores enlouquecedoras e quase perdendo os sentidos, Samantha compreendeu o que estava se passando e retirando forças do fundo da alma, falou em um fio de voz:
- Obrigada.
Comovido, ele não conseguiu dizer mais nada, apenas permaneceu segurando com carinho a mão dela e ali permaneceram até que minutos depois o resgate chegou.
Ele acompanhou a moça. Não podia notar a presença da mãe dela, mas sentiu um calor gentil no coração quando ela colocou uma das mãos no peito dele e agradeceu comovida por ter salvado a vida de sua menina uma vez mais mesmo sem poder recordar-se da intensidade de Samantha em seu eterno caminhar. Não se recordava ainda, mas seu coração não tardaria a despertar diante de seu grande amor.
...
Havia acabado de amanhecer quando um dos médicos se aproximou do jovem que aguardava ansiosamente por noticias na sala de espera e disse:
- Você salvou a vida dela, mais alguns minutos e ela não teria resistido. Samantha sofre de um problema vascular grave e raro que a acompanha desde o nascimento. Poderia ter ido á óbito se não tivesse sido socorrida a tempo. Sou tio dela e agradeço imensamente sua ajuda.
...
Ao final da tarde, Samantha despertou ainda confusa, mas fora de perigo e sem dores desesperadoras. Olhou á sua volta procurando compreender onde estava, percebendo então, que se encontrava em um quarto no hospital. Em sua mente, lembranças do ocorrido surgiram... a dor devastadora, o olhar doce de um gentil desconhecido que ela sentiu conhecer inexplicavelmente, a presença permanente de sua adorada mãezinha, varas pessoas de branco, sono...muito sono, imagens que não saberia traduzir em palavras de um lindo jardim, sua mãe e o belo desconhecido novamente...ambos de braços abertos para ela. O despertar no hospital, enfim.
Sob uma mesinha branca ao lado da cama, um vaso de lírios e neles um cartão.
“~~~Perdoe minha falta de razão. Obrigado, por tocar meu desalentado coração. João ~~ ~”
Uma lágrima de alegria envolveu sua alma e ela gentilmente adormeceu.
A nobre mãe de Samantha a tudo observava com carinho e gratidão, elevando os pensamentos aos amigos de luz e um agradecimento especial a Deus.
FIM... Ou NÃO? Só quem pode dizer são os anjos da imensidão em cada coração.