748-LA DOMENICA DEL CORRIERE-Reminiscencias do autor
Tio Gordo viajou à Itália em 1929 numa viagem de passeio e visita aos parentes que ainda lá residiam. Os pais e tios já haviam morrido e muitos primos não haviam sobrevivido à tragédia da primeira guerra mundial, terminada dez anos antes. A família Cúrcio, da região de Salerno e Nápoles, que já era pequena, estava reduzida a um pequeno número de sobreviventes.
Ele voltou trazendo inúmeras recordações: quadros retratando o Rei Humberto, Mussolini e outros personagens importantes; alguns livrinhos ilustrados sobre a “grande guerra”, com desenhos horripilantes: fotografias de Nápoles, porto importante e cidade pitoresca; de Pompéia, a cidade enterrada pelas lavas da erupção do vulcão Vesúvio e desenterrada pelos arqueólogos; de Roma e de outras cidades do norte da Itália.
Alguns livros em italiano, que trouxe especialmente para a irmã, vovó Beatriz. Um gramofone e discos com músicas de operas cantadas por Caruso e outros tenores famosos.
Subscreveu uma assinatura do jornal La Domenica Del Corriere. Este foi, para mim, o mais importante item da viagem de tio Gordo. Tratava-se de um semanário, (Suplemento Ilustrado do jornal “Corriere della Sera”) tamanho tabloide, com 32 páginas de um papel fino e brilhante, próprio para a reprodução dos desenhos a cores das capas. Os exemplares dessa assinatura foram conservados e pude manuseá-los, mitos anos depois.
Apesar de nada saber de italiano (apenas algumas palavras só podiam ser ditas pelos velhos italianos, e se eu as repetisse, era logo castigado!) folheava os jornais com um prazer inusitado. As capas (primeira e última) eram ocupadas por desenhos grandes – 25 x 30 cm. — sobre os eventos principais da semana: corridas de autos (desenhos das colisões), terremotos, aviões em queda... enfim, as tragédias da ocasião. Os desenhos, super-realistas, eram assinados por A. Beltrame.
Parece que as corridas de automóveis andavam em voga, pois muitas capas tinha como tema não só as vitórias, como — e em numero maior — os desastres: coque entre carros, capotamentos ou escapes das pistas.
Lembro-me em especial de uma capa em que figuravam três figuras famosas (fiquei sabendo mais tarde) da ocasião. Em molduras ovais, circundadas por florões, volutas e outros desenhos ornamentais, estavam as figuras do Papa Pio XI, do Rei Vitório Emanuel e de Benito Mussolini, Primeiro Ministro da Itália naquela ocasião. Era uma edição comemorava a assinatura do Tratado de Latrão.
Os exemplares — talvez uns cinquenta — ficavam em um armário de antiguidades, ao qual eu tinha acesso. Quando Tio Gordo faleceu em 1950, eu terminava o curso ginasial, e apossei-me dos jornais, antes que mamãe os queimasse no fogão de lenha.
Mas, ao mudar-me para o Rio, em 1954, não tive nem como levar nem como evitar que os pequenos jornais fossem destruídos. Não sei qual foi o fim da coleção tão preciosa para mim, e com certeza, para Tio Gordo.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 17 de setembro de 2012
Conto (crônica) # 748 da Série Milistórias
“Série Tio Gordo”