A Grande Feira Eleitoral
A Grande Feira Eleitoral
As eleições em Brejolândia dos Cafundós estavam chegando e o clima eleitoral no pequeno povoado perdido entre as montanhas continuava frio. Os eleitores não se animavam, nada conseguia motivá-los.
O tio Arlindo reclamava:
- Também pudera, tudo aqui é proibido, não se pode fazer nada que a
justiça eleitoral chega junto. Bom mesmo são as eleições lá em Capão das Antas. Lá a coisa é uma festa só. Você precisava ver, meu caro sobrinho, não tem estas frescuras daqui. Lá tudo é permitido.
Fiquei curioso:
- Me fala mais sobre estas eleições, tio.
- Vou fazer melhor, nós vamos para Capão das Antas. O compadre
Gumercindo tem me convidado freqüentemente. Esta é uma boa ocasião para participarmos “in loco” do grande festival eleitoral de Capão das Antas. Quem sabe não trazer aquele know-how para a nossa terrinha?
E lá estávamos nós, às vésperas do grande festival, como visitantes e observadores à convite do Desembargador Gumercindo, o maior chefe político daquele curral eleitoral.
O Desembargador explicou:
- É o seguinte, meus caros, nesta época cada qual procura se arrumar
para os próximos quatro anos. As apostas são altas, o grupo vencedor adquire o direito de mamar nas tetas da administração pública durante a nova gestão enquanto os perdedores vão amargar quatros anos de perseguição e sofrimentos. É uma beleza.
- Aqui não há regras? – perguntei.
- Claro que há. Apenas cinco regras regulam as eleições aqui em
Capão. A primeira reza que tudo é permitido, já a segunda diz que nada é proibido. Pela terceira regra, na dúvida, aplica-se a primeira regra. Persistindo a dúvida, passa pela quarta regra a prevalecer a segunda regra e quinta regra reza que “seja o que Deus quiser”.
- Me explica com mais detalhes senhor Desembargador?
- As eleições em Capão das Antas começam com O Grande Festival.
Cada um monta sua barraquinha e tenta faturar o que puder e ajudar o seu grupo a vencer as eleições. Você pode montar uma barraca com o negocio que quiser, mas tem que usar a imaginação, porque já tem quase tudo, a concorrência é acirrada. Eu, por
exemplo, tenho um negócio de venda de liminares e agravos de instrumento. Qualquer problema com a justiça eu resolvo na hora, é lógico que a preços módicos. Meu compadre Tião da Tonha tem uma barraquinha que trabalha com fraudes eleitorais, é a Fraudes Comércio e Serviços S. A. Tem gente que trabalha com negócio de calúnias e difamações, outros com colagem de cartazes e pinturas em muros, é claro que a tinta e a cola usadas, não saem nunca mais. Tem barraquinhas especializadas em trocar votos por cestas básicas, aliás esta modalidade de serviço já está bastante saturada. Barraquinhas de troca de dentaduras por votos tem aos montes, material de construção nem se fala.
- Mas é tudo assim na maior cara de pau?
- Tudo, meu filho. Tem alguns tipos de serviços que estão faltando.
Por exemplo, estamos precisando de rádios pirata para causar interferência nos programas dos adversários. Está fazendo falta também uma firma que forneça crianças e velhinhas treinadas para serem beijadas pelos candidatos. Há forte demanda ainda para fornecedores de pombas brancas amestradas para revoadas.
Eu estava chocado com a pujança e a liberdade daquelas eleições. Capão das Antas era o que se podia chamar de uma verdadeira “zona eleitoral”, uma casa da mãe Joana. O Tio Arlindo estava entusiasmado:
- Não te falei, sobrinho? Aqui não é como aquela coisa chocha que nós
temos lá em Brejolândia. A coisa aqui é animada mesmo, inclusive, meu caro Gumercindo, eu dizia que nós podíamos levar a experiência bem sucedida aqui de Capão para lá.
- Grande idéia, Arlindo. Meu filho Alex desenvolveu um negócio e
pode muito bem conceder a vocês uma franquia exclusiva. Este negócio tem de um lado um cursinho intensivo de formação de eleitores e de outro um instituto de pesquisa de opiniões. É o IPEFASAMU (Instituto de Pesquisas Fajutas, Sacanagens e Mutretas).
- Este cursinho para formação de eleitores é bobagem. Quem vai errar
numa coisa tão fácil? – falei.
- Bobagem? O que tem de eleitor retardado na hora de apertar o botão,
você não vai acreditar. Depois é uma forma do Alex ganhar uma grana dos trouxas, além de condicioná-los com uma urna viciada.
O tio Arlindo perguntou:
- Você, Gumercindo, que tem tanta influência, não consegue uma
boquinha aqui para meu sobrinho predileto?
- O meu compadre Jacó acaba de montar com o filho e o genro um
negocio especializado em forjar escândalos com o nome dos candidatos adversários. Posso conversar com ele.
- Muito obrigado, Desembargador. Não quero participar desta sujeira.
- Sujeira é o que vocês fazem lá no seu povoado, tudo às escondidas –
o Desembargador estava furioso – Lá é a maior hipocrisia. Aqui nós fazemos tudo às claras, assumimos abertamente o nosso mau caratismo.
Mais uma vez, tive que admitir que o Desembargador Gumercindo tinha razão. Em Capão das Antas, pelo menos, o Grande Festival de Safadezas, Sacanagens e Falcatruas estava exposto em praça pública e a céu aberto. Ao contrário de outros lugares que fazem a mesma coisa e teimam em disfarçar tudo com um verniz de honestidade, dignidade e espírito público que nunca existiram.