Pequenas histórias 78, 79, e 80
Capítulos 1 – 2 - 3
Capítulo 1
Passou levemente as pontas dos dedos pelo teclado. Sentiu a frieza sólida das letras nos dedos pressionando o espaço que havia entre eles. E, assim ficaram por um bom tempo. De repente, os dedos desabaram sobre o teclado.
Net empurrou a cadeira. Foi até a geladeira, abriu uma cerveja. Sorriu ao tomar um longo gole. Se fosse americano estaria tomando uísque e não cerveja, pois lá, o sujeito lança o primeiro livro e pode se considerar rico.
- Enquanto que aqui, o sujeito lança o primeiro livro e continua tomando cerveja.
Voltou a sentar em frente ao micro. Pressionou uma letra ou outra formando palavras aleatórias. Olhou o vazio estampado na parede do pequeno quarto. Queria escrever. Sentia a necessidade de contar, mas não queria parecer confessional, tinha que imprimir um tom de ficção. Era o que lhe dificultava.
Jogou a lata vazia no lixo. Abriu a geladeira e pegou outra. Contou as latas. Dez latas? Não era nem meio-dia e já tomara dez latas de cerveja?
Que droga! Isso no momento não era importante. Dava uma importância até obsessiva em escrever do que a qualquer outra coisa.
Olhou o branco da telinha. As veias sob a pele amorenada pulsavam descontroladas acompanhando o piscar do cursor. Apagou. A mente fervilhava. Não sabia como abordar a história, mas sabia que a escreveria.
Andou de um lado para outro na pequena sala. Cabisbaixo pensava. Hora surgia uma frase aproveitável ora a frase se tornava obscena demais, outras vezes, fútil. Lembrou que ainda não tinha almoçado. Pegou as chaves, a carteira, saiu batendo a porta.
Nunca fora exigente em relação à comida, por isso entrou no restaurante habitual. Procurou uma mesa discreta, no fundo, que pudesse ver o ambiente todo. Pediu o prato do dia e uma cerveja.
Bebendo a cerveja calmamente abriu o caderno de anotações. Escreveu uma ideia para que pudesse futuramente usá-la. Nisso ouviu uma voz conhecida:
- Posso me sentar?
Net levantou a cabeça lentamente. Não estava acreditando no que ouvia. Em pé esperando sua resposta, estava quem pensou nunca mais veria.
Capítulo 2
Ao ouvir a pergunta, sua mente concretizou várias formas, um pedinte, o garçom ou, alguém do seu pequeno mundo de conhecidos. Despreocupado no aconchego das palavras esparramadas pelo livro que lia, precisou se desvanecer das ideias que povoavam sua mente devido à leitura.
- Posso me sentar?
Ouviu novamente. E diante de si, em pé, vestindo calça jeans surrada como sempre, camiseta com estampa de grupo de rock, com a barba por fazer, moreno, cabelos desgrenhados, com um cigarro entre os dedos longos, estava
Andréia. Inibido não soube se levantava ou não para abraçar o amigo.
- Continua com medo em demonstrar seus sentimentos, não é? – disse Andréia.
- Pensei que você me conhecesse.
- Sim, te conheço, mas não é por isso que não vou lhe dar um abraço.
Net encabulado levantou-se e abraçou o amigo.
- Por favor, sente Andréia.
- Obrigado. Como está?
- Estou bem. E você? Barbudo, disfarçado?
- Bom, vou indo dentro das possibilidades que a vida me dá.
- Espero que não esteja mais em complicações...
- E quem consegue ficar sem complicações?
- Sim, concordo, mas complicações com a lei.
- Estou como sempre driblando a lei. Como está a venda do livro?
- Ganhou o Jabuti. Você não leu?
- Li sim. E gostei. Achei um pouco sacana em relação às coisas que lhe foram confiadas. Tinha que ser assim tão realístico?
- Não era para ser um romance. Foi concebido para ser mais um relato reportagem do que romance, entende?
- Entendo. Por que está rindo?
- Lembrei do filme “Antes do amanhecer”.
- E “Antes do por do sol”?
- Sim, isso mesmo. Parece que estamos fazendo uma versão gay desse filme.
- Como sempre você com suas baboseiras.
- Mas você me convidou para assistir.
- Sim. Convidei e, como todo o convite que te fiz você não apareceu em nenhum.
- Ah! Queria que eu fosse assistir porque o autor tinha minha semelhança...
- Não era só por isso não, o filme é muito bom.
- É fica para outra vez, se houver outra vez.
- Continua o mesmo, não é?
- Como assim?
- Nunca teve um tempo para com os amigos. Fugindo sempre dos encontros. Andréia abaixou a cabeça. Sentia-se preguiçoso e não queria remoer a mente em coisas do passado. Para ele, o passado era passado e nada mais, não voltava. E pelo que entendia, Net estava contente em vê-lo e até reatar o passado. Também, estava contente, apenas que seu contentamento era apaziguado dentro de uma estrutura forte, mal trabalhada pela vida dura, que não lhe dava oportunidade nenhuma.
Net vendo o amigo cabisbaixo imaginou que a partir daquele momento não haveria entre eles nenhum problema impedindo de serem felizes. Num silêncio apaziguador, terminaram o almoço, tomaram mais uma cerveja, quando Net convidou.
- Vamos dar um giro, uma caminhada?
Olhando para os lados como se estivesse com medo de estar sendo perseguido, respondeu:
- Vamos, mas para longe de aglomeração.
Net pagou a conta e saíram virando a esquerda na próxima rua.
Pequenas histórias 80
Capítulo 3
- A vida copia a arte?
- Ou a arte copia a vida?
- Penso que a arte copia a vida. A vida surgiu primeira, depois apareceu à arte, isto porque, o homem criou a arte. Acho que para se discutir essa questão, é preciso saber quem primeiro usou a palavra arte. Quem teve a ideia de fazer um risco e dizer que era arte, de jogar um osso para cima, e denominar esse gesto como arte. Pelas minhas leituras a arte foi surgindo ao mesmo tempo, paralelo à vida, como representação da vida, depois que passou a ser considerada arte. Agora quem teve a percepção de catalogar como arte...
- Sempre que vem a tona essa questão de arte vida e vida arte, lembro-me de um fato. Quando surgiu a televisão...
- Não sabia que você era tão velho assim!
- Nesse caso você também é velho, pois temos pouca diferença de idade. Então, quando apareceu a televisão, expressão que a molecada dizia na esquina foi captada por ela. A televisão levou o mundinho particular, aquele mundinho que se vivia nas cidadezinhas, nos bairros das grandes metrópoles, para um universo maior. Hoje em dia acontece diferente. O que a televisão apresenta é captado pelo povo, uma moda, um corte de cabelo, um nome de artista, um comportamento...
- Mas o cinema também teve esse papel.
- Sim, pequeno, mas, teve sim.
- Por exemplo, o cabelo da Ingrid Bergman em Por que os sinos dobram, as maiorias das mulheres passaram a usar o cabelo como o dela.
- Outro exemplo é Bonequinha de luxo, as mulheres se vestiam, as que podiam, é claro, como ela e queriam viver a vida dela.
- Mais um exemplo para finalizar. Marlon Brando com sua jaqueta de couro em O Selvagem.
- Então por aí você vê que a vida copia a arte.
- Só que a televisão absorveu o pequeno levando-o para uma amplidão tremenda e, hoje, há um reverso disso.
- Certo. Vamos entrar nesse bar. Não posso dar bobeira. Tomamos uma cerveja?
- Claro.
Entraram. Acomodaram-se numa mesa no fundo do bar. Pediram a cerveja e dois copos. Net notava no amigo certo nervosismo que às vezes o irritava.
- Você parece que a qualquer momento vai explodir.
- Bom preciso me cuidar, como sabe não sou flor que cheire para a sociedade, não é verdade?
- É verdade. E por quê? O que te fez entrar nessa vida?
- Quando nos conhecemos, lembro bem desse dia, já estava meio que atolado no tráfico. Bem, ainda não tanto, era apenas viciado, porém do vicio para o trafego é um pulo.
- Lembro bem desse dia também. Estava eu e meu amigo tomando cerveja sossegado quando ele me perguntou: Se por acaso fosse você gay quem desse bar te interessaria? Eu respondi: Que papo besta. Ele continuou: Eu sei, mas me responda. Eu disse: Se eu fosse gay quem daqui me interessaria? Foi nesse momento que você entrou no bar e, eu vi você cumprimentando o pessoal. E sem pensar eu respondi para ele: Aquele cara metido que está cumprimentando todo o mundo como se fosse o rei do pedaço. E no mesmo instante nossos olhos se cruzaram. Quando percebi, não sei por que, você estava sentado ao meu lado. Bom o resto você já conhece.
- Já que estamos na base de confidencias, vou lhe dizer uma coisa e, espero que não se magoe.
- O que é?
- Ao perceber que você me olhava, pensei: ali está um trouxa que comprara a droga.
- ....
pastorelli