O crime das labaredas
Aquele local untuoso pegava fogo. Ele ouvia o ruido de algo crepitando, como se frigisse. Atirou ao lado a faca que há pouco utilizara, e que o fizera chorar. Lágrimas copiosas saíam sem contenção de seus olhos; ele precisava ver de perto, ver cada vez mais e melhor, mas o ardor lhe impedia. Estaria arrependido?
Só conseguia enxergar o rubro caldo que se misturava àquele calor, e onde fungos nascidos da podridão surgiam, vez ou outra, por entre a fumaça. Seus olhos marejados mal conseguiam distinguir o que fazia ali, de pé em frente à cena, hipnotizado que estava pelo fogo. Foi então que sentiu em suas entranhas uma dor funda, incômoda, e sem pudor nem asco tomou novamente a faca afiada que estava próxima e retalhou o que restava do corpo da vítima.
Ao ver os restos da carne trêmulos sobre o calor, sentiu um frêmito doentio. Jogou sobre eles um líquido inflamável e, utilizando o próprio fogo que já ardia ali, incendiou, numa cena grotesca, os retalhos do que um dia havia sido um ser. Naquele crematório improvisado, as labaredas subiam, inclementes. Percorreu-lhe nessa hora um arrepio, misto de excitação e frenesi, e, orgulhoso de sua virilidade, despejou sobre tudo, num suspiro de volúpia, o líquido branco e viscoso de dentro do continente que segurava entre as mãos, após agitá-lo vigorosamente...
Sentiu, então, um grande alívio.
Porém continuava ensandecido. Com os olhos injetados, num último ato cruel, tocou com o dedo indicador a massa amorfa que se formara, e, na mais espantosa frieza, tentou levá-lo à boca. Mas antes que conseguisse seu intento final, as pessoas que a tudo assistiam avançaram sobre ele sem piedade, em altos brados, clamando por justiça.
Afinal, também estavam famintas, e o strogonoff já estava pronto.