737-ACONTECIMENTOS EM SODOMA, GOMORRA E ADJACÊNCIAS- Bíblico

Lot não compreendia como aquelas pessoas podiam ser tão insensíveis, intratáveis até, quando chegava algum estrangeiro na cidade. Nenhum forasteiro era bem recebido, não só em Sodoma como também em Gomorra, e nas três outras cidades — Adamá. Seboim e Zoar, todas situadas a leste do lago de águas salgadas, e alinhadas de norte a sul.

Podia-se dizer que eram povos de má índole, amigos das disputas, dos jogos, de bebidas e dissipação. Ele mesmo, Lot, tinha chegado há muitos anos, e enfrentara hostilidade de todos os habitantes de Sodoma.

Lot chegara para se estabelecer. Após uma disputa com seu tio Abrão sobre direitos de pastagens, chegaram a um acordo: ambos deveriam tomar rumos diferentes. Ele, sua família e um grande numero de pastores, com rebanhos enormes de carneiros e camelos, se deslocaram para o leste. Atravessaram o rio Jordão e ergueram suas tendas na planície que se estendia para o leste. Lot achou planície muito bem irrigada por dezenas de córregos e férteis pastagens.

Ali as cinco cidades se alinhavam e constituíam pequenas unidades independentes, com seus reis vivendo em aliança contra as tribos que assediavam por todos os lados a região de boa terra. E por isso, talvez, encaravam com hostilidade todos recém-chegados. Lot demorou a se integrar e a se acostumar com a falta de boa vontade geral, não tendo jamais concordado com a maneira de ser, brutal e dissoluta, dos moradores locais.

Enfim, estabelecido estava, havia prosperado e tinha até casa na cidade de Sodoma. De boa índole, ele procurava conviver bem com todos, e a todos tratava com simpatia e cordialidade. Quando podia, falava do deus único de sua fé, Adonai ou Eloim, mas não insistia, pois sendo idólatra, o povo da cidade não compreendia bem a ideia de um Deus Pai ou Deus Único.

Foi quando apareceram, vindo não se sabe de onde, três viajantes muito estranhos: altos e magros, de pele muito clara e cabelos compridos alvos. Vestiam roupas justas no corpo e calçavam sandálias de solas grossas e fechadas até os joelhos. Pareciam vir de muito longe, pois nada tinham em comum com os habitantes da região. As roupas brancas, mais a pele clara e os cabelos alvíssimos, davam aos três homens um aspecto luminoso, pareciam que brilhavam à luz do sol.

Foram vistos pela primeira vez na área defronte à grande casa do rei, e logo foram cercados por uma pequena multidão. Quando falaram, suas vozes eram claras e de timbre agradável. E disseram:

— Povo de Sodoma, um grande perigo se aproxima. Abandonem suas casas, dirijam-se para sul, pois uma grande destruição se abaterá sobre sua cidade. O mesmo acontecerá com Gomorra e as outras cidades da planície.

Foram hostilizados desde o primeiro instante. Ninguém deu ouvidos ao que falavam e os ameaçaram de apedrejamento. Lot, que se aproximara dos três estranhos, quando viu que a turba estava contra eles, ofereceu-lhes refugiu em sua casa,

Abrigados, os três contaram a Lot que sabiam de uma grande tormenta que iria abater-se sobre a região, especialmente sobre as cinco cidades— Sodoma, Gomorra, Adamá, Seboin e Zoar. Outros companheiros estavam percorrendo aquelas cidades, avisando as populações sobre a desgraça iminente.

— Devem avisar o rei, para que ele determine ao povo o que fazer. — Disse Lot.

E lá se foram, escoltado por Lot e alguns membros de sua família, à procura do rei, que ouviu em silêncio o aviso dos estranhos, e afinal respondeu-lhes:

— Conversa fiada. Quem são vocês? Não vou fazer meu povo abandonar a cidade só porque vocês estão aí dizendo essas bobagens.

Lot, entretanto, acreditou no que diziam. E um dos três homens brilhantes o aconselhou:

— Leve sua família com pouca coisa, só o essencial, porque têm de caminhar muito e depressa.

Lot estava se preparando quando chegou da rua o burburinho dos habitantes que, insuflados pelo rei, procuravam os homens estranhos para os matarem.

— Apressem-se, disse Lot à esposa e às duas filhas. E dirigindo-se aos três estranhos:

— Vocês vêm comigo?

— Não, responderam-lhe. Vamos tentar ainda convencer o rei e sua gente.

E como última recomendação, disseram a Lot, mulher e filhas:

— Na caminhada, não olhem para trás, de jeito nenhum. Quem olhar, morrerá.

Lot e a pequena família saíram precipitadamente pelos fundos da casa, enquanto pancadas da multidão violenta derrubavam a porta da frente.

Caminharam rápido. Lot conhecia bem a região e se dirigiu para um local de pequenas montanhas, com cavernas, onde poderiam se abrigar. Na verdade, não sabia qual o tipo de desgraça que iria se abater sobre a cidade, mas acreditava nos homens luminosos.

Quando subiam pela trilha que conduzia às cavernas, uma onda de calor os atingiu.

— Depressa. Vamos entrar logo na caverna, ali dentro estaremos abrigados.

Com o calor, uma luminosidade intensa chegou até eles. Em seguida, escutaram um troar medonho, como se o mundo estivesse sendo moído. Lot e as duas filhas já tinham entrado na caverna, mas a esposa, curiosa, ficou para trás e da entrada da caverna, olhou na direção de Sodoma.

Lot e as filhas viram, aterrorizados, quando a mulher literalmente se incendiou, ao receber a rajada de calor que vinha da direção da cidade. Nada puderam fazer. Permaneceram, tremendo de medo, no interior da caverna.

A escuridão desceu sobre a terra, sendo ainda as horas de claridade da tarde. Uma chuva grossa, de pedras, caiu lá fora. A noite foi longa para Lot e as duas filhas.

Na manhã seguinte, ao chegarem à boca da caverna viram o que restava da esposa e mãe: uma pedra de sal. Os homens brilhantes haviam advertido, mas ela, curiosa demais, olhou para Sodoma e recebeu em cheio a radiação que vinha do local.

Lote olhou para baixo, pra a planície que se estendia e que estava totalmente coberta de cinzas. Olhou na direção de Sodoma e nada mais havida da cidade.

— Foi destruída, como os homens brilhantes diziam.

Abatido com a morte da esposa e triste por ver que, até onde sua vista alcançava, tudo estava queimado, disse às filhas.

— Vamos para o sul. Vamos em direção de Sodoma.

E foram. A paisagem não se alterou. Tudo coberto de cinza. Onde deveria estar Gomorra, nada mais havia.

— Também Gomorra foi destruída.

Entre os vales das montanhas, todavia, restava vida. Foi onde Lot e as filhas permaneceram e sobreviveram por muitos anos, habitando as frescas cavernas.

Por uma vez apenas Lot procurou os locais onde deveriam estar as outras cidades da planície -— Adamar, Seboim e Zoar. Nada encontrou, ou melhor, apenas os sinais de destruição como nunca imaginara ver.

Abalado, Lot não procurou vida por outras paragens.

— Somos as únicas pessoas que restaram no mundo, disse a uma das filhas.

As filhas viram que o pai estava ficando cada vez mais abatido, confabularam entre si:

— Somos as últimas pessoas vivas do mundo. Temos de arranjar um meio de termos filhos para povoar de novo a terra.

E se assim pensaram, melhor fizeram. Com ervas e frutas, fizeram uma beberagem fermentada que deram ao pai, embriagando-o de tal forma que ele perdeu a lucidez. Tonto, serviu sem querer aos desígnios das filhas, que o usaram para se engravidarem.

Cada uma teve um filho, gerados da união com o próprio pai. Um recebeu o nome de Hamon, outro de Moabe.

Dos quais, sabe-se hoje, descenderam os povos bíblicos conhecidos como amonitas e moabitas.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 24.julho.2012

Conto # 737 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Ofereço aos leitores mais contos ainda não inseridos no Recanto das Letras, pelo

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 01/04/2015
Reeditado em 01/04/2015
Código do texto: T5191062
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