Do chefe pro resto

Aquele tio da vigilância é baixinho, gordo, velho e ainda por cima fuma. Graças a Deus. Olha lá andando bonitinho, tá que nem alma do Pato Donald no corpo do Ursinho Pooh. Um brother da vizinhança que se liga em fazer uns rap em inglês me falou que "poo" significa merda. Quase igual "pooh". E o ursinho parece mesmo feito de merda, aí não estranhei o tiozinho ser a cara. Escultura animada de excremento. Os donos do banco sei lá se regula direito no miolo. Botar um desse na patrulhada? Será que é medo do coroa pôr no pau? Pai do gerente, capaz que não é. Tio, de repente até capaz, mas compensa? Na real, sentimento é de dó mesmo. No fim deixo um troquinho com ele também, nem que tenha que abaixar pra pôr no bolso.

Ôpa, sinal verde, bichão! Vai que anda no sossego voltando das tragada no ar fresco da calçada e já tá na ilusão que aliviou o dia tenso. Eu só acompanhando no olho. Rapidim, ninja, ó lá: tá de frente, trinta graus, quarenta e cinco! Foi, agora! No azul da camisa das costas. Oitão no pote dele e já tá firmão no rendimento! Falei na brusca, ele mole obedecendo igual cachorrinho. E todo mundo embaralhado nas tarefa na agência, nem viu perigo chegar. Só uma velhinha da fila, que cutucava a outra pra tentar alertar sem fazer alarme. Quando eu falei "todo mundo com a mão pra cima senão o amigo ganha morte pública rapidinha aqui na frente", fiquei mais olhando os da gravata atrás do balcão. Manja, aqueles botão escondido por debaixo da mesa lá onde molecada gruda chiclete e catarro? Então. "Quero ver todas mãos, mostra mão, gente boa!", minha cara educada até. Garanto! Sorriso de bom dia e tudo. O dedo no gatilho é só pra assegurar. Cheguei pra uma do caixa, gatinha mesmo, nem era pra estar ali arriscando o filé da cara, mas já que tava, ficou agradável e dei prosseguimento. "Bom dia, moça, bonitas unhas. O anel também, bonito, legal ver assim de pertinho". Pus a sacolinha da Americanas no balcão, só eu sorrindo, todo mundo triste e pedi pra encher. Contei uma charada. Uma do papagaio. Era pra não ser de gordo e não chatear o vigia e nem de loira pra mina do caixa não ficar mais triste. Mas eles não riram e no final quem se chateou fui eu, mano velho... mas passa. Um quilo na sacola, tava bom já, trabalho pra uma hora, montante interessante. Nos chefe do cofre nem cosquinha, mas pra nós amigo... nem imagina a benção. Deitei o coroa pra amarrar os pulsos, faturei o cano que foi pra outra mão e eu agora tava duas vezes menos engraçado. Tirei o bonezinho, desejei até mais ver e parti cantarolando no passo mais ou menos veloz olhando pra trás pro caso de precisar deitar no bote inesperado de traíra. E deixei trezentinhos no bolso do vigia, só não deu pra ser disfarçado. Impossível, rapaz, que jeito! O mundaréu de gente apavorada lá com olhos colados, nem sei o que pensaram.

Camisa fina manga longa bege nem ia valer de pano de limpar. Suja mais que grade-chão de gaiola de passarinho. Tiro logo e jogo sem arrependimento na lata grande do mercado. Boné? Que boné, nem gosto de boné, foi só pra fita. Dei fim embalado dentro da camisa. Camisetinha cavada azul vai bem no corpo nesse calor, num tá escrito nada, mas podia ter "animal" de letra branca grande, não porque eu tenho dessa de me achar, consideração besta comigo mesmo. É o plano que foi assim. Mas neutro é até melhor, miudinho, nem muito olho pro meu bucho, eu quieto sem barulho no cantinho e só ficando.

"Cheguei, zica. Passa". O irmão é gente boa e eu pego um pacote duns filmão da hora. Se não vender no fingimento, choro na escuta dele pra levar pra casa e devolvo noutro dia. Qualé, rapaz! Novo do Velozes e Furiosos! Levo pra assistir no mocó nem que tenha que gritar! Mas em todo caso: "vamos ver um DVD aqui, senhora? Ó, só coisa boa, acabou de sair no cinema americano!". E puxo a tia pra perto. Ela me ajuda escondendo minha cara de trás dela sem saber. Mas não compra o Velozes não, por favor! Deve ter mais aí, tem quarentas na mão e na bolsa dos aliado. Acho que meia horinha tá bom, aí desfaz o barulho e eu tomo um ar antes de colar na praça trocar de venda arranjada pra doação. Chega moleque pedindo de playstation, e passa as gatinhas perguntando se tem funk. Convido elas pra festa que vai ter no domingão na casa do truta. "É funk, meus amores! Pinta lá que ferve!", só imaginando as carinha e o corpo queimando na chacoalhada boa! Disseram que fazem questão de aparecer. Ah, moleque, até melhora c'as promessa!

Mas tá bom, cumpri o tempo do escondido disfarçado seguro, agora é em caminhar. E as menina azulzinha do valor caminha fácil, quer ver? Tem praça movimentada andando sete quadras e eu chego e fico zanzando onde o olho biônico do poste não filma. Lá é que tá os irmão que merece mesmo. Nem todo mundo que conheço no lugar agora, mas já vou assegurando o alívio pra quem tá presente. "Tó", estendi pro Valdeci, barbudo, magro que nem uma égua, e eu nunca vi aqueles olhos grandão daquele jeito quando viu. "Tá louco, menino?", perguntou de cinismo o mais louco da área. É um gozador mesmo... "Nada tio, presente! Guarda". Desconfiado, não estendeu a mão. "Vai, compra um almoço, pega uns remédio, é de coração", e pus no bolso dele cinco de cem. Saí andando, nem quero do obrigado saber, o que vai fazer é problema dele. Povo só reclama agora quem quiser, pelo menos uns quinze vinte por uma semana mais ou menos. E a dona Neca da escada? Tá que só tosse umas par de dia. Olha ela lá escondidinha sentada no degrau. De longe parece que é só o saião, de pé.

- Ó dona Neca, arrumei um dinheirinho, agora dá pra comprar xarope - mostrei pra ela.

- Obrigado, meu filho, tô precisando mesmo, farmácia do povo não dá mais faz tempo.

- Depois busco pra senhora na farmácia.

- Não, pega na barraca do seu Zito, garrafinha com agrião. Daquele é bom.

- Jájá eu pego. Vou terminar um serviço.

E arrumei pro Zezé também. Aquele é cabra. Se usar direito dá até pra voltar pra terrinha que ele conta sempre da saudade. A história de quando morreu a mãe e ele com os irmãos fugiram tudo aqui pro sul é coisa pra eu sair de mansinho sempre. Pra chorar. "Vai Zezé, agora volta pro Maranhão, hein?". E ele com o sorriso no rosto de sempre de novo agora com agradecimento.

E nem vi. Quando vejo pro lado, quem tá? Polícia. Um. Só que faz tremer e disfarço. Olho pra ele, sorrio, vou tirar boné, levo a mão mas pronto. Entreguei. (Boné tá na lixeira faz tempo, vacilão!).

- Tava de boné, Silvinho? - pergunta, sem precisar.

- Emprestei por causa do sol, mas já devolvi - acabou alegria. Mas arrisco ainda. Quem sabe - quanto é?

- Dá uns duzentos aí, tá bom - depois que eu entreguei, vem ele revelando: eu trabalhei de vigia naquele banco. Aí cismaram que a secretária do gerente tava de caso comigo e me tiraram. Colocaram aquele velho. Quero ver aqueles lá se fodendo muito - eu tava com a boca aberta ainda. Ordenou: num facilita. Acaba logo e vai embora. Dez minutos, senão estraga. Um abraço - e foi embora com sorriso no rosto e no andar.