733-EM DEFESA DA PROFESSORA - Violência nas escolas

— Não posso receber este garoto em meu colégio. É um marginal, drogado e quase matou um colega na outra escola.

De nada adiantou a recusa verbal do diretor do Colégio Estadual Dr. Quintão Limeira, na cidade de São Roque da Serra. Os argumentos da Comissão de Assistência ao Menor mais uma ordem judicial é que determinaram a matrícula de Rogério Matias no Quintão Limeira.

Gerinho estava sob a tutela do Juizado de Menores. Viciado em craque e de conduta violenta, quinze anos e já nem sabe por quantas escolas passou. Magricela, alto pela idade, ágil e sem nenhuma educação. Na mais recente confusão, esfaqueou um colega de classe que ainda estava no hospital, em tratamento. Foi colocado na classe de dona Ester, professora rigorosa e vigorosa, que ensinava com a mesma eficiência com que punha ordem na classe.

Vitor ficou assustado com a presença de Gerinho, pois já ouvira falar das estripulias do novo colega.

E por acaso ouviu quando o diretor, chamando seu Geraldo, o vigia dos pátios de recreio, lhe disse reservadamente:

— Fica de olho nesse aluno. É perigoso.

Vitor ficou ainda mais alerta quando o novo colega marginal foi colocado em carteira ao seu lado. Não gostou, porém nada disse. Apenas ficou atento.

Gerinho não fazia questão nenhuma de estudar, pouso se importava se estava ali para aprender alguma coisa. Logo que a professora distribuiu os primeiros resultados do bimestre, ficou evidente que ele não queria nada com os livros nem com as aulas. Mas ficou revoltado com as notas e resmungava o tempo todo.

Vitor fingia que não ouvia, mas não podia deixar de escutar os resmungos de Gerinho, principalmente quando recebeu as notas mais baixas da classe, o resultado de sua vadiagem:

— Cadela filha duma puta, ainda vou te matar.

Vitor observava Gerinho. De maus hábitos, roupa solta sobre o corpo, sem nenhum cuidado e, pior, o constante manuseio de um estilete que usava para riscar a carteira.

Falou com dona Ester, num lugar em que não podia ser visto pelos colegas:

— O Gerinho diz que vai matar a senhora.

Ela não se incomodou. Sorrindo, disse:

— Deixa comigo.

— Ele tem um estilete de ponta, comprido e muito afiado.

— Pode deixar.

Putz! Dona Ester pensa que estou fofocando. Nem tomou conhecimento do meu aviso. – Vitor pensou, a preocupação aumentando.

Foi numa manhã de quinta-feira que Gerinho chegou meio alterado. Resmungava muito e cochilou sobre a carteira.

Vitor, de lado, observava. Hoje ele tá com a gata, pensou.

Levou um susto quando Gerinho, acordando de marasmo em que estava mergulhado, levantou-se, o estilete na mão direita, e correu entre a fileira de carteiras, na direção da professora, que escrevia no quadro.

Vitor anteviu num relance que Gerinho ia cumprir sua ameaça. Pulou também, derrubando carteiras, a fim de evitar que Gerinho chegasse até a professora.

Gritou “CUIDADO DONA ESTER!”

Tudo aconteceu ao mesmo tempo: ela se virou a tempo de ver Gerinho vindo em sua direção, a mão erguida empunhando a arma, Vitor chegando e se interpondo entre ela e Gerinho, que levantou o estilete e cravou em Vitor.

Sangue esguichou do corpo de Vitor, que caiu aos pés da professora. Gerinho correu, fugindo, em direção da porta.

Talvez alertado pelo grito de Vitor, seu Geraldo apareceu na porta e, com seu corpo musculoso, deteve Gerinho, derrubando-o com um violento soco no peito.

— Filho da puta, vou te matar também.

Foram palavras vãs, pois o estilete estava no chão, ao lado do corpo de Vitor. Seu Geraldo não lhe deu tempo para nada, aplicou-lhe uma chave de braço e o imobilizou, sem nada falar.

Dona Ester estava ajoelhada, procurando estancar o sangue que saia do peito de Vitor.

— Chamem o diretor, uma ambulância. — Dona Ester gritava.

Os alunos estavam imobilizados pelo terror da cena que acabavam de assistir. Mas quando Gerinho tentou fugir, dois outros colegas que estavam em carteiras próximas à porta, ajudaram seu Geraldo a segurá-lo.

Os carros dos policiais e ambulância chegaram juntos. O ferimento de em Vitor era grande, no peito, e sangrava muito. Ele continuava desmaiado quando o levaram para o hospital.

Gerinho, algemado, foi com os policiais.

Dona Ester aguentou firme, foi na ambulância acompanhando Vitor. Os alunos da classe foram dispensados. Mas antes de saírem da escola, o diretor levou-os ao refeitório, mandando que lhes servissem lanches e refrigerantes.

— Quero que vocês se acalmem antes de voltarem para suas casas, disse.

Na manhã seguinte, as notícias correram céleres pela cidade. Vitor estava fora de perigo, apesar da profundidade do ferimento. Dona Ester pediu licença, traumatizada com o evento em sua classe.

E Gerinho foi encontrado morto, na cela onde pernoitara por ordem do Juiz de Menores.

Disseram que foi suicídio.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 11 de julho de 2012

Conto # 733 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 30/03/2015
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