Um homem inocente e um tiro que lhe atingiu
Eram seis horas da manhã, quando Isabely ouviu seu despertador tocar; calçou suas pantufas, foi até o banheiro e escovou seus dentes; após dirigiu-se a cozinha. Como de costume seu pai tomava café e sua mãe lhe fazia companhia. Pediu-lhes a benção e sentou-se na cadeira que estava um pouco afastada da mesa, mais próxima da televisão. A programação naquele momento, era o jornal diário gaúcho, que estava a informar a previsão do tempo para os próximos dias. Depois de saber que os dias que estavam por vir seriam frios, e que o dia ficaria nublado naquela tarde, Isabely foi ao quarto vestir-se para ir ao trabalho. Roberto que já estava pronto para também ir trabalhar, bateu na porta do quarto de sua filha e perguntou se ela gostaria de uma carona. A menina respondeu que sim e os dois despediram-se de Lúcia, que desejou-lhes um ótimo dia. Lúcia era do lar e portanto passava a maior parte do tempo sozinha, fazendo os afazeres da casa.
O trânsito estava tranquilo e Roberto e sua filha conversavam, até que em certo ponto da conversa, ele contou a Isabely que estava planejando uma festa surpresa para comemorar seus vinte e cinco anos de casado com Lúcia. A menina alegrou-se e disse ao pai, que poderia contar com sua ajuda para que o dia da festa fosse muito especial.
Roberto largou Isabely na porta de seu serviço e saiu em destino a uma joalheria, pois ainda estava cedo e naquele dia só pegaria no trabalho ás nove e meia. Comprou um par de alianças de prata e foi para o serviço.
Roberto trabalhava em uma empresa de vendas externas de grande porte, que ficava em um bairro nobre da capital gaúcha; ele cuidava da parte financeira da empresa, enquanto a maior parte dos outros funcionários se dedicavam ás vendas. Ele obtinha um bom salário e morava em uma bela casa, mas tudo que conseguiu foi com muito esforço, dedicação e força de vontade.
Já Isabely trabalhava na linha de ajuda para usuários de drogas e alcoólatras. Naquele dia ela recebeu uma ligação de um homem que não identificou-se, Isabely percebeu que pela voz e a maneira de falar, que o homem estaria sob efeito das drogas, e com base no treinamento que ela recebera quando entrou na linha de ajuda, começou a conversar com o homem. Ele falou a ela que naquele dia mataria um sujeito, não falou-lhe o motivo, mas ela deduziu que o sujeito poderia ter também envolvimento com o mundo do tráfico. Isabely não conseguiu acalmar o homem que estava do outro lado da linha. Ele desligou o telefone e ela ficou de fato arrasada e sentindo-se inútil. A garota não estava acostumada com o insucesso na linha de ajuda, pois na maioria das vezes conseguia cumprir seu objetivo de salvar vidas.
O relógio marcava oito e meia da noite e Lúcia em casa, aprontava o jantar. Isabely soltou do serviço ás sete e meia da noite, portanto já estava quase chegando em casa.
Roberto parou com seu carro em uma feira, e jamais imaginaria que uma tragédia iria acontecer. Ele fez suas comprar e quando foi entrar no seu carro, foi confundido com outro homem e foi atingido com um tiro certeiro em seu coração.
Do outro lado da rua, um ônibus acabara de parar devido ao grande número de pessoas que se aglomeraram em volta de Roberto e trancavam a passagem. Pela vidraça do ônibus Isabely avistou seu pai caído e ensanguentado; rapidamente ela desceu do ônibus e desesperada tentou falar com Roberto, o que foi uma tentativa em vão, pois ele já havia falecido.
Isabely não acreditava na cena que estava diante de seus olhos, ela correu até o carro de seu pai para pegar o telefone e ligou para Lúcia, que em poucos minutos chegou ao local do ocorrido, em prantos, com o coração em pedaços e querendo morrer também.
Aqueles próximos dias, foram de terrível sofrimento, e Lúcia foi avisada que o assassino de Roberto havia sido capturado e preso. O que para ela não aliviaria de maneira alguma a falta que seu companheiro lhe fazia.
No dia da morte de Roberto, Isabely encontrou do lado do telefone, o par de alianças que seu pai havia comprado, guardou em sua bolsa e ficou sem saber o que fazer com elas. Ficou sem saber também que o atirador que matou Roberto, era justamente o dono da voz que ela ouvira na linha de ajuda.
O assassino foi acusado também por tráfico de drogas e foi condenado a 16 anos de prisão. Todos sabiam que após o tempo cumprindo a pena, o acusado teria uma chance de recomeço.
Lúcia não teria a mesma chance de recomeço com Roberto, e depois do ocorrido ela passou a dormir sozinha com todo o frio que marcava; não tinha Roberto para lhe esquentar, para lhe cuidar, assim como Isabely não tinha seu pai para pedir a benção, e ficava todos os dias sem ver o homem que sempre teve orgulho de chamar de herói.
Se me perguntarem porque esta estória não teve um final feliz, simplesmente responderei, que a dor e a destruição que as drogas e o álcool podem trazer, pode ser a mesma dor de ver aquilo que lhe é mais precioso sendo arrancado de você. Pode ser a mesma dor de viver sabendo que existe salvação e que nem todos querem busca-la. Pode ser a mesma dor de ir com saudade até um túmulo, e ao mesmo tempo não querer estar ali.
As drogas e o álcool são chamamentos para velórios; chamamentos para pessoas inocentes observarem seres amados imóveis, pálidos e sem vida.