Um Valente Corno Bravo Histórias de Amor Safado.



- Colega, fora de brincadeira...essa é mesmo a legítima cidadezinha de merda. Maior sacanagem, a do gerente, mandar a gente pra cá. Deve ser castigo. Só pode ser castigo. Você fez alguma coisa errada, Fernando?
- Você sabe que eu não erro nunca, minha querida. Somos dois infalíveis, eu e o papa. Eu mais infalível do que ele, que é contra o uso de camisinha.
- Tantas cidades boas nessa região e ele manda a gente pra esse depósito de terra vermelha. Filho de uma...
- Gatinha, você nunca ouviu dizer que quando lhe derem um limão faça dele uma limonada?
- Já, sim. Mas pra fazer uma limonada boa eu preciso pelo menos de água, gelo e açúcar. Aqui só tem poeira vermelha e gente com cara de babaca.
- Por falar em cara de babaca, olha só a figura que vem subindo a rua.
Um homem alto e magro vinha subindo a larga rua de terra e dava a perceber, mesmo à distância, que vinha furioso com alguma coisa. Pisava duro, tinha os olhos arregalados, um pedaço de pau em uma das mãos, e sua fisionomia expressava ódio puro.
Veio direto em nossa direção:
- Ei, vocês dois aí. Vocês “tão” com cara de gente de fora. Cês vende livros?
- Vendemos sim senhor. Está a fim de comprar?
- Eu tô a fim, moço, é de encontrar um “fia da puta” de um colega “docês” que mexeu “ca” minha esposa. Um “tar” de Ismael. “Dondé” que eu encontro ele? Fala logo, moços, que eu tô doido pra quebrar essa madeira nas costela do safado.
Eu e a colega nos entreolhamos e, acho que por telepatia, combinamos alguma coisa em silêncio:
Ela sorriu para ele, conciliadora, e disse com sua voz mais meiga e suave:
- Moço, pelo amor de Deus, não vá com violência pra cima do Ismael. Ele é a ternura e a meiguice em pessoa. Se o senhor chegar desse jeito, bravo e armado, assim de repente, na frente dele, o coitadinho pode até desmaiar de susto.
Ajudei-a em sua argumentação:
- A colega tem razão, moço. O Ismael foi criado em colégio de freiras. Chegou quase a vestir o hábito. É um cara fino, educado, delicado mesmo. Olha lá o que o senhor vai fazer...
- “Óia” lá o que eu vou fazer...Eu “vô” dá umas cacetada nessa bichinha safada que “adesrespeitou” minha esposa. Se engraçou-se com ela na minha “orsência”.
À medida em que falava, o homem brandia o pedaço de madeira como se já estivesse massacrando nosso pobre e indefeso “coleguinha”.
- O senhor é quem sabe, moço. Vamos levá-lo até o Ismael, que deve estar no hotel a essa hora. Venha com a gente.
Eu e Maria Inês, minha bela colega, custávamos a segurar o riso. A diversão estava garantida para aquela tarde, naquela cidadezinha poeirenta, de merda total e com um sol inimigo da humanidade.
Maria Inês ficou com o valentão na portaria da porcaria que tinha o nome de hotel e eu fui chamar o Ismael.
- Ismael, ô paquerador, tem um cara na portaria querendo falar com você. Veio pra te arrebentar todo.
- O que foi que eu fiz pra ele?
- Ele diz que você quis comer a mulher dele. Deu uma cantada nela.
- Acho que já sei quem é a tal. Deve ser um bagulho que eu desprezei hoje de manhã. Ela quis dar pra mim, mas eu caí fora. “Mó” baranga decaída, meu. Vamos lá. Vamos ver o marido ultrajado.
Enquanto eu fechava a porta do quarto, Ismael livrou-se da toalha de banho e colocou um calção.
Alguns segundos depois seus passos pesados faziam estremecer o corredor de tábuas do hoteleco.
Ao chegar à portaria, ele perguntou em um tom de voz assustador o suficiente para matar do coração alguns velhos e traumatizar crianças:
- ALGUÉM AÍ PERGUNTOU POR MIM?
Ao ver o tamanho, a musculatura, e a cara de bravo de meu colega Ismael, o homem arregalou os olhos de tal maneira que tive a impressão de que pulariam pra fora da cara.
- FOI O SENHOR QUEM PERGUNTOU POR MIM? VOU CONTAR ATÉ TRÊS. QUANDO EU ABRIR OS OLHOS NÃO QUERO MAIS VÊ-LO AQUI. UM...
Não chegou ao dois e o homem já estava indo em direção à rua em alta velocidade.
Lípolis, o eterno gozador, ao vê-lo correndo, gritou com exagero:
- Lega padrão! Lega padrão! Lega padrão!
Alguns desocupados que estavam na praça àquela hora, ao ouvir o que lhes pareceu ser “pega ladrão”, começaram a correr atrás do corredor apavorado, que imprimiu ainda maior velocidade aos pés.
- “Lega padrão”...Onde você inventou isso, Lípolis?
- Inventei não, cara. Eu ouvia muito isso quando participei de uma corrida de Fórmula 1 de Camelos no deserto do Sarrara. Quando inventaram o “Cammel”.
- Não seria o deserto do Saara?
- Seria, mas quando eles abriam a boca entrava tanta areia que eles só conseguiam falar “Sarrrrrrrrrara”.
Enquanto Lípolis me explicava a pronúncia estranha, três velhinhas aproximaram-se e perguntaram o que estava acontecendo. Que correria era aquela na avenida?
Lípolis contou o que “sabia”:
- Ouvi dizer, donas, que pegaram o padre e o coroinha praticando atos “libridinosos” lá na matriz. Estão correndo atrás do coroinha. O padre fugiu pro outro lado.
As três se persignaram e foram à cata de maiores informações.
- Libridinosos...Libidinosos você quis dizer, panacas.
- Libridinosos é quando se lubrifica antes. Libidinosos é quando se faz a seco. Escutai e aprendei.
Maria Inês estava quase passando mal de tanto rir.
- Gente, que susto o homem levou quando deu de cara com o Ismael!! Pensei que fosse morrer de susto...
- Eu pensei que ele fosse cagar nas calças. Se é que não cagou...
Ismael, à mesa do almoço, consumia sossegadamente seu pequeno prato de comida, de uns vinte e cinco ou trinta centímetros de altura, e a cada garfada seus músculos pareciam executar a dança do ventre.
Eu e Maria Inês chegamos rindo e nos sentamos em frente a ele na mesa:
- Pô, Ismael, que susto o coitado levou...Ele disse pra gente que ia te moer de pancada com aquele pedaço de pau. Ele nunca poderia imaginar que você é igual um trator dos bons: só tem força e cérebro nenhum.
Ismael riu, como sempre:
- Quem vai ficar sem cérebro uma hora dessas é você. Ainda vou arrancar essa massa cinzenta de merda que você tem pelo buraco da orelha.
- Ainda bem que será pelo buraco da orelha. Por outro buraco eu não admitira. Exijo respeito mesmo na violência.
Maria Inês tentava contar a Ismael a maneira como nós havíamos incentivado a valentia do magrelo alto, mas a risadaria não deixava e quem acabou contando fui eu.
Quando terminei, Ismael contou o que houvera pela manhã:
- Gente, eu cheguei na casa do tal valentão e bati palmas. A mulher dele chegou à janela e pediu que eu esperasse um pouco. Eu vi que ela estava de saia e blusa. Levou um tempão pra abrir a porta e quando abriu estava de camisola transparente. Totalmente transparente. Maior corpão, meu! Só mesmo um corpão enorme pra agüentar tanta pelanca, tanta estria, tanta celulite e tanto pêlo. Mó macaca...Tentei vender pra ela “por honra da firma”, mas a putana só queria saber de me fazer mal. Um troço daquele só pode fazer mal pro pingolim da gente. Eu caí fora logo e quase mandei um palavrão pra mulher. Aí a cretina deve ter pensando em uma forma de ficar viúva e mandou o coitado atrás de mim. Se ele visse meus troféus dos tempos do boxe...
Enquanto falava, Ismael, sorrateiramente, ia chegando a mão cada vez mais perto dos ombros de Maria Inês, que fingia nada perceber, e eu apenas observava a manobra dele.
Quando finalmente ele tomou coragem e abraçou-a, sentada, ela se levantou de repente e olhou para ele indignada:
- Desde quando eu te dei essa confiança, Ismael? Fernando, vamos indo.Vamos trabalhar.
Quando chegamos à rua, ela desabafou:
- Não é a primeira vez que ele tenta se engraçar comigo. Se ele soubesse como detesto homens abrutalhados...Homem pra mim tem que ser delicado, gentil, meigo, carinhoso.
Olhei-a enlevado e abri-me para ela, com minha voz mais meiga, suave e dengosa*:
- Pra mim também, minha querida. Hoje à noite eu vou pra sua cama e nós vamos falar sobre tricô, crochê, flores, poesia, sentimentos, homens brutos e homens delicados, e enquanto isso a gente trepa adoidado. Topas?
Rindo muito, de novo, ela conseguiu dizer que topava.

O corno valentão? Nós o vimos quando saíamos – graças a Deus- daquela cidade infecta. Ele estava bem. Só um tanto de esparadrapos aqui e ali, mas respirando bem e andando direitinho.

*Simplesmente imitação. Não me confundam.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 08/06/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T518797
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