"Um Cara Impróprio Para Menores" - Histórias de Amor Safado



O novo colega chamava a atenção pelo vestuário. Era impossível não notar, de cara, que o coitado estava usando um terno pelo menos trinta por cento acima de seu tamanho e um par de sapatos que fazia um barulho chocho a cada passo que ele dava. Devia calçar 39 e tinha os pés dentro de um 42 bico largo. Mesmo sem querer ficar observando, era difícil também não notar o quanto eram puídos o colarinho e as mangas de sua camisa. Pensei logo em oferecer a ele, sem querer ofender ou humilhar, e com o maior tato que me fosse possível, uns dois ternos que eu havia encostado, por ter engordado, e um par de sapatos com o qual não me adaptara.
Terminada a reunião do dia, aproximei-me dele, apresentei-me, puxei conversa sobre vendas, ofereci-lhe um cigarro e, quando senti que o momento era apropriado, principiei o assunto que queria terminar em oferecimento das roupas e do par de sapatos.
- Poxa, colega!! Claro que aceito, meu amigo! Aceito e agradeço de coração desde já. Quando é que você traria as coisas?
- Amanhã mesmo. Vou ligar pra casa e pedir que coloquem numa sacola e não me deixem esquecer delas amanhã.
- Mais uma vez, muitíssimo obrigado, meu amigo.
Fiquei satisfeito com o jeito dele, satisfeito pela boa ação que eu praticaria, e dirigi-me para um dos muitos elevadores do prédio, no que fui acompanhado por ele.
O elevador demorou a chegar e ele estava feliz, falante, puxando assunto com os demais colegas, principalmente comigo.
Quando o enorme elevador parou em nosso andar, dos mais altos do prédio, só havia lugar para dois e eu e ele entramos rapidamente.
Mal acabamos de entrar naquele cubículo, lotado de senhores circunspectos e bem vestidos, e senhoras idem, o cara se vira para mim e comenta em alto e bom som:
- Veja só, meu amigo. Meu irmão, numa lona do ca..., resolveu se casar agora. E isso depois de ter comido todos os buracos da moça. Até das orelhinhas dela.
Levei um susto. Devo ter ficado roxo de vergonha perante aquelas pessoas de alto nível que o olhavam com desprezo total, com repugnância até.
Felizmente nasci dotado de uma certa rapidez de raciocínio e mais do que depressa dirigi-me a todos no elevador, falando alto e de cara fechada:
- Senhoras e senhores, por gentileza, não pensem que eu tenha algo a ver com o inconveniente cavalheiro aqui ao meu lado. Deve ser algum maluco que entrou no prédio sem ser percebido na portaria. Não sou amigo dele e nem ao menos o conheço.
Ele tentou abrir a boca pra se defender, mas ao ver minha cara de raiva, calou-se.
Saí rapidamente do prédio, sentindo minhas mãos tremerem de raiva, e atravessei a rua pensando em tomar um café para acalmar-me. Ele veio atrás.
- Porra, meu ! Você me deu uma desconsiderada feia. Me chamou de maluco na frente de todo mundo, cara...
- Vá andando, seu merda! Vá pro diabo que te carregue! Você me faz passar a maior vergonha na frente de todo mundo e ainda vem reclamar, cacete?
- Essa eu não entendi mesmo. O que foi que falei de mal?
- Nada, nada. Você não falou nada de mal, nada de errado, nada de impróprio no prédio onde a gente trabalha e perto de pessoas que têm tudo para se tornar nossos clientes algum dia. Você é o rei do momento oportuno. Agora se manda, ou me dê licença.
Vendo que ele não se decidia a ir embora, desisti do café naquele bar e fui andando. Ao dar alguns passos ainda o ouvi dizendo:
- Lá se foi o que eu ia ganhar...
Fiquei com pena do infeliz e voltei atrás:
- Amanhã eu lhe trarei o que prometi. Você talvez não tenha culpa de ter nascido idiota.

No dia seguinte levei as roupas e o par de sapatos prometidos ao panacas e acrescentei à sacola um agasalho caro que eu detestava, mas que todo mundo elogiava e eu nunca soube o porquê.
Ele recebeu a sacola com a cara fechada, mas mesmo assim deu-me a mão, reiterou seus agradecimentos e entrou no banheiro para trocar as roupas.
Faltando poucos minutos para começar a reunião do dia, antes que nosso gerente entrasse na sala, ele chegou trajando as “roupas novas”, com um sorriso de orelha a orelha, e dirigiu-se a todos:
- Gente, agora eu vou vender pra ca...!! Vocês vão ver. Vou ganhar uma puta duma grana e vou ter dinheiro pra comer a muierada toda, todo dia. Olha só a elegância do metedor aqui, óia só.
Eu vi que o gerente estava parado atrás da porta e vidro e o escutava com atenção, sem virar a maçaneta.
Logo depois o gerente entrou, esperou que ele se sentasse e então o chamou à frente da turma. E não teve complacência alguma:
- Realmente, meu jovem, você está elegante, bem vestido e bem calçado, mas, infelizmente, no que é mais importante, o senhor não está devidamente equipado. Sua falta de modos, sua falta de educação e sua vulgaridade não combinam com uma empresa que é conhecida há séculos por divulgar cultura. Tenha a bondade de passar no departamento pessoal e fazer lá o seu acerto de contas.
Ele encarou fixamente o gerente, parecendo não acreditar que estava sendo despedido, depois nos encarou a todos e despediu-se com a frase:
- Porra, achei que era meu dia de sorte e logo depois fico f...P... de vida do c...
Logo que ele fechou a porta às suas costas o pessoal todo caiu na risada.
- Coitado...Nunca vai perceber que o maior inimigo dele é ele mesmo. Esse coitado é impróprio para menores de vinte e um...

Alguns dias depois mais uma moça começou a trabalhar na empresa. Bonita, charmosa, alegre e comunicativa, logo conquistou a amizade da turma, e principalmente a minha.
- Casada?
Ela riu antes de responder:
- Não sei se feliz ou infelizmente, sou.
- Qual o motivo da dúvida?
- Se você soubesse quem é meu marido, entenderia.
- E quem é ele?
- Um maluco total que tem um coração de ouro e uma boca de latrina.
- Está aí um tipo que eu gostaria de conhecer. Fale sobre ele.
- Meu marido é o que se pode chamar de uma figura estranha. Tão estranha que eu nem sei se o amo ou o detesto. Às vezes ele está perto de mim e eu fico doida pra ele sumir da minha frente. Às vezes ele some da minha frente e eu fico morta de preocupação.
- O que é que o cara faz? Maltrata você, é chato demais, enche o saco pra valer, é doente de ciúmes?
- Antes fosse. Assim eu teria motivos claros pra dar um pé na bunda dele. O problema dele é a bondade. Ele é bondoso até demais. Ou melhor, ele tem dois sérios problemas: é bondoso acima do normal e ao mesmo tempo tem a boca mais suja do mundo. É o rei da inconveniência e da imoralidade falada. Na cama é um banana, mas, falando, contando vantagens, é o rei da sacanagem.
- Quanto à bondade, como é que ele a expressa?
- Olha, só pra te dar um exemplo: o avô dele mandou pra ele, como presente de aniversário, um “Galaxie” zero quilômetro, de alto luxo mesmo, o mais bem equipado dos modelos. Acho que é o carro mais caro do Brasil. Não é que no dia seguinte ele vendeu o carro em uma concessionária e distribuiu mantimentos e dinheiro para um montão de gente? Eu fiquei furiosa. O filho da mãe não guardou dinheiro nem mesmo pra gente comprar um modesto fusquinha. Vê se pode uma coisa dessas...Se ele souber que algum amigo, parente, conhecido ou vizinho está doente, passando necessidades, ele fica doente se não puder ajudar de alguma maneira. Parece que ele tem responsabilidade sobre todos os males de todas as pessoas do mundo. Para ajudar a alguém ele é capaz de chegar ao extremo de pedir até dinheiro para os pais, que é a coisa que ele mais detesta fazer na vida. Já passamos apertos incríveis sem que ele recorresse a eles. Para nós ele não recorre de maneira alguma. Sabe o que os pais dele fizeram pra me garantir uma casa? Compraram antes do meu casamento e colocaram só em meu nome pra ele não poder vender e distribuir o dinheiro.
- Que figura...Me parece que já li sobre esse problema de generosidade excessiva. Acho que é um tipo de desvio sério de comportamento.
- Sem contar o da mania de falar imoralidades. Acho que se chama erotolalia, ou coisa assim. A necessidade compulsiva de falar imoralidades. Li sobre isso de passagem e logo pensei em meu marido.
- Esse tipo dá vontade de conhecer.
- Você já o conhece, meu amigo.
- De onde?
- Daqui mesmo da Empresa. Você deu uns ternos, um agasalho e um par de sapatos para ele. Já distribuiu tudo que você lhe deu e agora está usando terno com alpargatas Roda. Tá lindo...Me matando de vergonha, como sempre.

Ela jura que disse a verdade quando me contou que ele, o generoso marido, ao saber que tínhamos um caso, havia comentado apenas que seria muito egoísmo da parte dele não deixar a esposa divertir-se enquanto jovem e bonita.
Dá pra acreditar em tanta bondade?
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 08/06/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T518771
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