"Domínios Rabiscos"
“Domínios Rabiscos”
Um jovem senhor de meia idade, cevando seus rabiscos literários e espiando alheias tratativas de escrita, nestas depara-se com um comunicado de alteração de endereço eletrônico. Vinha de um seu colega de profissão, o que contava menos. Vinha de um companheiro de ofício que, cioso, em outra ocasião, conclamara-lhe sua escrita e, agora, apenas anunciava seu novo “domínio” - um que legitimava a inserção do ofício dele.
E como o evocasse com genéricas, porém, afetivas expressões tais como “apareça”; “escreva” e, a que o tocou mais nevrálgico – “você sumiu” -, aquele que cevava, clandestino, seus rabiscos, houve por bem retorquir, em tom de pilhéria: - “Só escrevo se for para um endereço eletrônico chique” - e assim ficaram as coisas.
Uma lupa sobre a referida clandestinidade poria em evidência a natureza daquela nevralgia: aquele que deveria escrever, ao brincar com a gravidez embutida na palavra, dava-se conta da sua esterilidade, eis que se torturava com as vicissitudes de seu “escrever” para um doutoramento acadêmico que lhe impunha prazo. Por prazo, já carregava um doutorado inconcluso, o que só piorava as coisas que, assim, ficavam como estavam. Suspeitava, angustiado, da existência de um outro cânone, de tão doce tirania, que lhe parasitava a escrita formal, para a Universidade, de forma a despistá-la com extemporâneos rabiscos literários, eivados de pulsação; grávidos de uma identidade fora de domínio.
Não se sabe se por capricho do destino, em campo tão prosaico quanto alusivo, ou por sintonias extra-sensoriais, a resposta do colega faz desabar sobre seu pequeno drama, algo de anedótico: o endereço solicitado, seguido de um “domínio” acadêmico, universitário. Mais adiante, o verbo imensamente mais imperativo: - “Escreva”.
Deveria voltar a “sumir”?