727-O PERDEDOR DE FORTUNAS-
Era um homem de azar – ou de muita sorte, dependendo de como apreciar suas experiências.
Nasceu de família de gente trabalhadora, numa época em que não havia essa classificação de “classe média” ou “A”, “B”, “C”, etc. Ou bem se era pobre ou rico e era mais importante ser classificado pelos dotes do que pelas posses.
Luiz Andrade, filho de pedreiro de pouca renda, teve de ganhar a vida tão logo saiu do grupo escolar. Aos quinze anos, ajudava, com seu ordenado, no sustendo da família, trabalhando em loja de tecidos e sapatos.
Inteligente e esperto, bom vendedor, logo estava ajudando diretamente o proprietário, nas contas, compras e coisas assim. Entretanto, percebeu que trabalhando apenas ali, no balcão ou no escritório da Casa Elegante iria ser como o pai. Ambicionava mais. Como não tinha autonomia para sair de casa, procurou, ali mesmo, na pequena cidade natal, maneira de aumentar a renda. E achou na rinha de briga de galos uma maneira arriscada, sim, de ganhar dinheiro fácil.
Não era entendido em galos de briga, mas nas primeiras apostas teve sorte e então procurou entender tudo sobre a modalidade, e em pouco tempo, ganhava dinheiro em todas as disputas. Mais até do que seu salário de lojista.
O pai ficou sabendo e o proibiu de frequentar a rinha, mas Luizinho não deu importância. Afinal, o dinheiro extra que ele punha nas mãos do pai falava mais alto.
Ficou em casa enquanto pode. Aos dezoito anos, foi para São Paulo, a Meca de todas as pessoas ambiciosas, naqueles tempos difíceis que se seguiram à crise de 1929.
A próxima notícia que a família teve de Luizinho era de que estava trabalhando num estabelecimento de carteado, ou seja, de jogos. O pai não teve como achar ruim pois Luizinho mandava-lhe algum dinheiro de vez em quando.
Luizinho era bom para negócios e aproveitava as oportunidades. Logo, logo, passou a gerente, e, não muito tempo após, tornou-se proprietário do “Pano Verde”, cassino bem frequentado na Praça da Sé, no centro de São Paulo.
Ficou rico antes dos trinta anos. Casou-se com Inezita, filha de um próspero fazendeiro do interior e teve filhos.
Um dia, eis de volta à terra natal. Cheio de dinheiro, bem de vida, comprou um das mais belas casas da cidade e começou a frequentar o Social Clube.
Na sala de jogo encontrou adversários á altura e até superiores às suas habilidades de jogador. Se havia feito fortuna graças ao vício dos frequentadores do Pano Verde, agora passou a perder o que cumulara em poucos anos. Em um ano de dias e noites ao redor das mesas de carteado perdeu tudo o que ganhara em dez em São Paulo.
A primeira fortuna de sua vida transformara-se em virou pó.
Deu sorte, pois a morte do sogro o colocou à frente da fazenda Bela Vista do Espraiado, já que Inezita, sua mulher. era filha única.
Foi fácil para o antigo proprietário de cassino administrar a fazenda, que prosperou muito, tornando-se uma das melhores e mais valiosas da região.
Uma outra guinada na vida do irrequieto biografado aconteceu quando vendeu a fazenda, de porteira fechada, como se dizia, a um frigorifico inglês. Alem de bom administrador era melhor negociante e de novo entra na posse de outra fortuna.
Arrastado pelo vício voltou a frequentar o Social Clube. De nada adiantaram as suplicas da esposa e conselhos de alguns amigos. E lá se foi, atrás das cartas dos baralhos, a segunda fortuna de Luizinho.
A capacidade de erguer-se das cinzas revelou-se pela segunda vez. Homem bem falante, perspicaz e inteligente, inspirava confiança. E tinha ideias na cabeça.
Em meados da década de 1940, quando a segunda guerra destruía a riqueza das nações, teve uma ideia que pareceu, em primeira mão, uma visão quimérica.
Uma emissora de rádio. Ideia mais do que quimérica numa pequena cidade do interior.
Sem capital próprio, conseguiu levantar os recursos necessários: vendeu ações aos principais comerciantes da cidade, para constituir uma emissora de rádio.
— Vou fazer propaganda de sua loja o dia inteiro. O rádio é o negócio do futuro. Você vai dobrar, triplicar suas vendas. — Prometia Luizinho ao oferecer as ações.
Eram negócios desconhecidos na cidade: ações e emissora de rádio. Parecia impossível, mas o audaz empreendedor levantou capital e realizou o que se propunha a fazer.
Não demorou muito e a Rádio Difusora era sucesso não só na cidade mas em toda a região. Bons programas musicais, notícias da guerra com análises bem feitas pelo doutor Lucas Averaldo, advogado e professor emérito. Um programa de auditório, de perguntas e respostas, entremeadas com números variados de artistas locais, foi um sucesso. Até rádio-novela (nos tempos em que a Radio Nacional, do Rio de Janeiro, era imbatível no gênero) foi lançada pela WAS-7, que era o prefixo da emissora.
Dois programas eram especialmente queridos dos ouvintes. Programas musicais em que os ouvintes escolhiam as músicas e as ofereciam aos amigos, por ocasiões especiais (aniversários, casamentos, formaturas de escolas e colégios e outros eventos memoráveis). Claro, cada escolha e dedicatória era paga e o faturamento da emissão cresceu vertiginosamente.
Antes de completar dez anos, o idealizador da emissora já tinha resgatado todas as ações vendidas para levantar o capital inicial e era dono absoluto do rentável empreendimento.
Mas cansou-se, como ele mesmo disse. E não resistiu à oferta de negócio feita por uma rede de emissoras sediada na capital.
Fez um bom negócio e apurou outra fortuna em dinheiro vivo.
E lá se foi p empresário de sucesso para o Social Clube – amaciar o pano verde com os cotovelos, enquanto perdia, num vapt-vupt, a terceira fortuna.
Aos cinquenta anos, estava novamente sem um vintém. Mas as ideias mirabolantes esquentavam sua cabeça.
— Vou fazer um novo cinema na cidade.
Era tempo do auge do cinema e o velho Cine Central – apesar de decrépito e com máquinas antiquadas – tinha a sala cheia todos os dias da semana. O proprietário, um velho alemão, não queria vender o cinema, mas entrou como sócio o negócio proposto pelo empreendedor.
Ágil na realização de suas ideias, e (por paradoxal que possa parecer) inspirador de cofiança para negócios, ele obteve capital na praça. A ideia de demolir o velho galpão onde funcionava o cine foi ampliada com o projeto de construir um edifício de diversos andares.
— O terreno é grande e merece ser mais bem aproveitado. Farei o cinema no primeiro andar e salas nos andares superiores.
Organizou uma empresa imobiliária, também por ações. O seu modo de gerir os negócios era claro e todos os meses reunia os sócios para prestar contas do dinheiro e mostrar-lhes o progresso da construção.
O prédio do cinema ficou pronto em tempo recorde. O “gerente”, como o chamavam, era um homem que sabia cercar-se de bons auxiliares e exigente quando à qualidade dos serviços e dos materiais.
A enorme sala do Novo Cine Central tinha 540 lugares, as poltronas estofadas e bonita decoração enfeitavam as paredes. A tela era ampla, própria para a projeção de filmes em Cinemascope, a última novidade técnica de Hollywood. Dois modernos projetores alemães, de altíssima definição, que passaram a ser manipulados por um técnico com treinamento especial.
A inauguração coincidiu com o lançamento do filme “O Manto Sagrado”, o primeiro filme em Cinemascope exibido em São Paulo e Rio de Janeiro e no Novo Cine Central – simultaneamente.
Ficou em cartaz por quatro dias, as salas totalmente lotadas.
Era um homem de perspicácia para negócios, aliada a certo bom gosto. Ele próprio fazia as contratações dos filmes. Como tinha de alugar tmbem filmes de segunda e terceira categoria, simplesmente não exibia tais filmes.
— São cota de sacrifício. Se eu exibir esses filmes, cai a classe do cinema e diminui a frequência.
O sucesso do Edifício Cine Central levou à aquisição de outro terreno no qual foi construído um edifício de cinco andares, com lojas no primeiro pavimento, salas nos andares superiores e um hotel nos dois últimos pavimentos.
Novo Sucesso.
E novamente a paixão pelo carteado sobrepujou o entusiasmo pelos negócios.
Luizinho vendeu sua parte nos negócios do cinema e dos edifícios. Apurou grossa fortuna e enfurnou-se pela quarta vez na sala de jogo do Social Clube.
E pela quarta vez, deixou a fortuna escorregar através das cartas do baralho.
Perdeu tudo, menos a casa.
Aos sessenta e cinco anos, não teve mais entusiasmo para novas realizações. Mas ainda lhe restava capacidade para trabalhar. E ainda merecia confiança, graças à honestidade com que gerira todos os negócios que realizara.
No seu pequeno escritório, onde empregava dois auxiliares, representou agências de seguro e de capitalização, por muitos anos.
O homem por cujas mãos passaram quatro fortunas consideráveis, nunca deu prejuízo a ninguém, pelo contrário, proporcionou ganhos e lucros àqueles que confiaram e creditaram em suas ideias.
O único senão de sua vida foi, como ele mesmo dizia, o respeito pelo Rei, a paixão pela Dama, e a amizade pelo Valete.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 30 de abril de 2012.
Conto # 727 da Série Milistórias