725-A LENDA DE SÃO TOMÉ DAS LETRAS

A LENDA DE SÃO TOMÉ DAS LETRAS

Exausto, o negro deixou-se abater sobre a relva macia que vicejava ao longo do riacho. De bruços, permitiu que os braços mergulhassem nas águas refrescantes. Mergulhou também a cabeça. Nos poucos momentos em que a água cobriu a carapinha, Monzaga sentiu-se aliviado de toda a canseira daqueles quatro dias de caminhada ininterrupta, e acalmou-se da angústia da fuga, única sida para sua sobrevivência. Até mesmo a dor aguda na perna, a coxa cortada funda quando descambara por uma pirambeira pedregosa, passou como que por um milagre.

Ao retirar a cabeça da água, após tomar água em fortes sorvos, ainda deitado, viu, pelo canto dos olhos, bem próximo de seus ombros, os pés de alguém. Metidos em sandálias rústicas, de couro cru, os dedos sujos da poeira branca daqueles reincões. O lado dos pés, a ponta de um cajado.

Monzaga tremeu. O terror que o acompanhara por toda a jornada e que parecia dissipado por instante, voltou com toda a carga de medo. Ficou imóvel. Estava acostumado a receber no corpo as pancadas e as chibatadas pelos mínimos delitos, e esperou pelo pior. Sem se mexer.

Por momentos, nada aconteceu. O preto ouviu o burburinho das águas, o zunido dos insetos nas árvores próximas. Nada podia fazer. Cansado, machucado e aterrorizado, esperou.

Os pés se movimentaram, o cajado foi colocado no chão e u’a mão passou pelo braço, procurou sua mão, apertando-a.

— Levante-se, meu filho. Não se assuste, não vou lhe fazer mal.

O preto se livrou da mão que apertava a sua e girou o corpo, ainda deitado. Então viu.

Era um velho, de longa barba branca, uma cabeleira desgrenhada que também aparentava branca. O rosto enrugado, os olhos muito pretos, e a boca irregular. Parecia sem dentes. Um homem de muita idade, moreno. Vestia um camisolão branco meio sujo ou empoeirado, que lhe ia do pescoço aos pés. Os braços estavam desnudos, e revelavam forte musculatura.

O velho, que se agachara ao seu lado, se levantou. Monzaga também se colocou de pé.

Os dois homens se fitaram, olhos nos olhos. O negro era mais alto que o velho, e mais encorpado.

— Fique calmo. Sei quem você é: negro fugido. Vou lhe ajudar. — disse o velho.

A voz tranquila acalmou Monzaga. A coragem lhe voltou e perguntou:

— Quem é o senhor? Diz que sabe quem sou, mas nunca vi o senhor!

— Sei que é escravo e fugiu da fazenda do Morro Queimado. Está procurando o quilombo da Serra da Pedra Branca. Está no caminho certo. Conheço sua história. É igual à de todos os escravos que moram no quilombo.

— O senhor é padre? — perguntou Munzunga.

— Não, não sou padre. Sou um homem que anda pelo mundo.

— O quilombo ainda tá muito longe?

— Mais um dia de caminhar. Mas vejo que sua perna está ferida. Venha, vamos até minha gruta. Deixa eu passar umas ervas. Você pode descansar e comer. Acho que faz muitos dias que não come comida de verdade, não é mesmo?

O velho não esperou resposta. Apanhou o cajado que estava no chão, e foi andando, em passos firmes, no rumo à matinha que se estendia. Munzaga foi atrás.

Atravessaram a mata cerrada por uma trilha que o velho conhecia, pois andou decisivamente. O caminho subia. Quando saíram da mata, estavam no alto de uma colina, por cujo topo seguiram caminhando.

A visão era soberba, Do alto, divisavam-se de um lado e de outro as montanhas que se interpunham umas atrás das outras, até o horizonte que parecia infinito. O verde das matas jamais intocadas pelos homens cobria tudo como um suave tapete. Aqui e ali afloravam picos ou encostas de pedra branca, característica daquela região.

A caminhada foi breve, ao longo do topo da montanha. Seguindo o guia, Munzaga desceu pela encosta, numa trilha bem marcada. Ambos chegaram a uma área aplainada na encosta pedregosa, que dava acesso a uma gruta.

— Moro aqui. — Disse o misterioso velho. — Vou passar uma água de arnica no seu machucado. Depois, vamos comer.

O velho tinha várias cabaças dependuradas nas paredes da gruta, onde, aliás, estava dependurado tudo que o velho possuía. Não havia móveis na gruta, apenas no chão um monte de capim seco e palhas indicavam o lugar de dormir. Além dos parcos utensílios, havia uma espécie de capa de couro cru, e uns panos (roupas?). Uma pedra rusticamente cortada como um cubo servia para sentar.

Pegou uma cabaça e agitou.

— Deita aí nas palhas e arregaça a calça pra ver o machucado.

Munzaga fez como lhe pediu o velho. A perna da calça estava rasgada no local do machucado, e não havia muito que arregaçar. O velho jogou a água da cabaça, uma água amarelada.

— Arnica. Cura qualquer coisa, por fora e por dentro do corpo.

O preto sentiu o frescor da poção. Ficou deitado por algum tempo, vendo o velho movimentar-se pela gruta.

Não era grande. Talvez uns três metros de boca, e uns quatro ou cinco de largura. O fundo não se via, era um negrume sem fim.

— Vou fazer uma comida. — Assim dizendo, o velho pegou uma panela de pedra, que colocou sobre algumas pedras colocadas em circulo que funcionavam como fogão. Munzaga ficou admirado com a agilidade do velho. Num instante fez fogo com auxílio de duas lascas de pedra que, atritadas uma contra a outra, produziram faíscas, e, logo, labaredas subima do montinho de palha seca.

De outra cabaça, colocou água na panela. Umas raízes estavam num canto, que foram limpas e colocadas também na panela.

— Mandioca fresca, colhi ontem de tarde. — A carne seca acabou, mas vou providenciar uma caça prá amanhã.

A mandioca ficou pronta em poucos minutos. Os dois sentaram-se no chão e comeram direto da panela. Em silêncio.

Depois da parca refeição, o velho disse:

— Meu nome é Tomé. E você, como é que lhe tratam?

— Munzaga. — Respondeu o negro.

— Não tem nome cristão?

— Não. Sou filho do chefe Tixaca, da tribo dos zulus. A gente guerreava os portugueses e caí prisioneiro, fui vendido como escravo para o capitão de um navio que chamam de navio negreiro.

— Estou vendo que você não foi muito maltratado. Suas costas estão lisas, não tem sinal de chibatadas. — Comentou o velho.

— Meu dono, o poderoso Dom Gusmão, não deixava o feitor me maltratar. “Esse nego vale muito dinheiro. Não bate nele não, vou vender ele com bom lucro”, dizia o patrão. Eu também não era desabusado, como muitos outros irmãos. Não fazia nada que pudesse receber castigo. Até que vivia bem na senzala. Ma não consegui escapar da sina...

Munzaga parou de falar. Um ar de tristeza passou por seus olhos. Parecia que ia chorar.

— Sina?

— É, uma desgraceira. O patrão tem uma filha, dona Zabelinha, moça muito bonita, solteira. Eles falava que ela tava noiva, mas o noivo não quis casar com ela, não sei por causa de quê. Aí, a moça ficou meio maluca. Gostava de ficar com os escravos. O patrão já tinha mandado matá uns três ou quatro por conta dos caprichos da sinhazinha Zabelinha. Intão, ela se engraçou comigo.

— Já sabia dessa história. — disse o velho.

— Mais cumo? Vivendo nessa lonjura...

— Sei de tudo. Perto ou longe. Mas continue.

— Pois é, eu num queria... Meu patrão não me judiava e num queria complicação. Mas uma tarde, eu tava trabaiando sózinho pelas bandas do Poção, quando vi a Sinhazinha dentro d’água, pedindo ajuda, parecendo que ia se afogar. Fui lá ajudar, arrastei ela prá beira do poço. Intão, ela começou a me agarrá e num aguentei e fiz a besteira com ela.

Munzaga parou de falar. A lembrança era ao mesmo tempo boa e ruim.

— Então? – Acicatou o velho Tomé.

— Fugi dalí mesmo. Se voltasse pra fazenda, era homem morto. Faz quatro dia e quatro noite que tou fugindo, correndo, pondo distancia. Vou pro quilombo que fica qui por essas banda.

O velho Tomé levantou-se, pegou uma lamparina e foi para a beira do fogo. Assoprou as brasas até aparecer uma chama. Acendeu a lamparina e disse:

— Vem comigo.

O escravo o seguiu, entrando pela caverna. A lamparina iluminava as paredes, que faiscavam, refletindo a luz. O homem de vestes brancas chegou até um burado escavado na parede, onde estava uma imagem.

— Vamos rezar agradecendo pela sua vida. – Acendendo uma vela defronte a imagem, continuou:

— Este é são Tomé, meu protetor e d’agora pra frente, também seu protetor.

Ajoelhando-se, começou a rezar. Munzaga ficou de pé, calado, pois nada sabia sobre a religião dos brancos. .

Então, uma coisa estranha aconteceu com ele. Ele nunca tinha rezado as rezas dos brancos, pois tinha suas crenças tribais. Mas imediatamente compreendeu tudo o que o velho dizia, foi entendendo palavra por palavra das orações, e então, caiu de joelhos, ao lado do homem branco. Procurou repetir as palavras do velho e sentiu-se muito bem.

Anoitecia quando os dois homens terminaram as orações.

— Agora, vamos arranjar um pouco de folhas e capim seco para fazer seu lugar de dormir.

Saíram e antes que escurecesse de todo, estavam de volta com os braços cheios de capim seco, que estenderam num canto da gruta.

— Vamos dormir. Amanhã tenho uma coisa séria pra lhe falar. Não vá fugir, hein? — Dentando sem, mais delongas, Tomé, o velho, olhou par Munzaga, que também se deitou, e apagou a lamparina.

Naquela noite o Monzaga dormiu como nunca dormira em sua vida.

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Amanheceu na montanha. O sol claro iluminava o mundo com uma claridade que machucava os olhos.

Assim que se levantou, Tomé falou ao preto:

— Deixa ver como está a sua perna machucada.

O negro subiu a beirada esgarçada da calça. Olhou com surpresa para a perna. Onde havia a ferida, estava lisa como se nunca tivesse sofrido um raspão.

— Sarou! Num tem mais ferida! – Falou, os olhos esbugalhados, quase gritando. -— Num tem mais nada na perna.

— Foi a reza de ontem que lhe curou. São Tomé é um santo muito poderoso.

E sem se deter para mais explicações, falou:

— Vamos lá embaixo no córrego pescar uns peixes pro nosso quebra-jejum. — Tomé já tomava o caminho que descia o morro, e Munzaga o acompanhou sem nada falar. Estava com fome.

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Ao redor da gruta, onde não havia arvores, o chão estava limpo e o solo coberto de fina areia branca chegava a queimar os pés descalços dos dois homens. Aqui e ali, por entre a mata que cobria tudo, pela encostas viam-se falhas: terras aluídas, que exibiam a qualidade daquelas montanhas pedregosas, de um tipo especial de pedra branca que se desmanchava com facilidade, transformando-se em alvíssima areia.

A pesca foi fácil. O velho mantinha escondido nos galhos de uma árvore bem ao lado do riacho umas varas com linha e rústicos anzóis, feitos de arame. Mais valia a agilidade que tinha no manejo da vara, do que a fisgada do rústico anzol. De posse de três peixes, subiram para a gruta, para primeira refeição do dia.

Enquanto comima os peixes assados no braseiro, o velho ia falando.

— Vou lhe encarregar de um serviço especial. Um serviço pro santo que está lá dentro da gruta. Para o nosso protetor São Tomé.

— Pode falar. Faço qualquer cois que o senhor mandar, antes de ir pro quilombo.

— Vou lhe pedir para voltar daqui para a fazenda de onde veio.

O negro se assustou.

— Ai, não! Se volto lá, o patrão me mata. E voltá lá prá quê?

— Num mata não. Você vai levar um recado para Dom Gusmão. Uma carta e um embornal de pedras.

— Pedras?

— Vou escrever a carta explicando tudo. E vou contar que você é inocente. Ele vai entender tudo quando ler a carta que você vai levar.

— Mais tenho medo. Muito medo.

— Este santo que está lá no fundo da caverna é muito poderoso, vai na sua frente e vai facilitar tudo. Você viu como ele curou a sua perna.

Munzaga, que já sentira na tarde anterior algo de muito estranho e inexplicável quando estivera de frente ao santo, estremeceu.

— Se o senhor fala que ele vai na minha frente, eu acredito no senhor.

— Hoje escrevo a carta e você parte amanhã. Agora, coma bem.

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Na manhã seguinte, o velho Tomé estava animado, até cantava, enquanto preparava a comida da primeira refeição.

—Come bem, Monzaga, que hoje você tem muito que andar.

O preto apenas resmungou alguma coisa.

Em seguida, levantando-se e limpando as mãos na camisola, Tomé Foi até à parede onde estava pendurado um rústico embornal feito de fibras, cipós e folhas.

—Aqui está a encomenda que você vai entregar pra Dom Gusmão. Dentro tem um recado escrito em papel. Tem também umas pedras que é meu presente pro seu dono. Não deixa o embornal molhar. Tem também uma cabaça com farofa prá você comer no caminho.

Monzaga pegou a sacola rústica com as mãos trêmulas.

—Você ainda tá com medo? Perguntou Tomé.

—Sim sinhô. Dom Gusmão num vai me perdoá. Vai me matar. Mas porcausa que o santo me curou, vou fazer seu mandado.

— O santo vai na sua frente, vai lhe guiando.

O negro colocou o embornal no ombro direito, e sem dizer nada, virou as costas para o velho e subiu pela trilha, rumo ao caminho que percorrera na vinda. O Velho fez o sinal da cruz, abençoando-o.

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A caminhada de volta à fazenda de Dom Gusmão só foi feita de dia, pois Munzaga não tinha a pressa da fuga. Levou uma semana, sem incidentes. O negro procurava, à sua frente ou pelas beiradas do caminho, o santo que o guiaria, conforme o velho havia dito. Nada viu, mas sabia, de um jeito que não sabia explicar, que o santo, estava por perto. Não teve dificuldade em encontrar frutas que o alimentavam, além da farofa que o velho colocara no embornal.

Quando se aproximou da fazenda, a primeira pessoa que encontrou foi o feitor, que vigiava uma turma de escravos no roçado de um terreno para plantio.

Ao vê-lo, o feitor foi gritando:

— Ah, seu negro safado! Tá de volta, num conseguiu ir longe, não é? Lá na senzala vai ver o que lhe espera.

Munzaga aproximou-se sem mostrar medo, o que mais irritou o feitor. Antes, porém, que fizesse qualquer ato contra o preto, Munzaga disse, em alto e em tom de desafio:

— Tenho um mandado pro Dom Gusmão. Me deixa passar que é coisa importante.

O feitor se surpreendeu e, ao mesmo tempo, sentiu que devia atender ao que o escravo dizia.

— To bom. Mas antes me deixa ver o que nem nesse embornal. Num tem faca escondida aí?

O negro se aproximou e abriu a boca do embornal. O feitor olhou e meteu a mão lá dentro.

— Pedras? Mas prá que?

— É um presente pra Dom Gusmão. Tem também um recado escrito aí.

— Então vai, Mas vou te vigiando, seu negro safado, fujão...

Chegaram à casa grande.

— Fica aqui em baixo, no pé da escada. Vou ver se o patrão vai querer falar com você.

O feitor sobe a grande escadaria, entra pela porta aberta, e em seguida volta. Dom Gusmão está com e ele e olha para Monzaga, do alto do alpendre.

— Pode subir, grita o feitor.

Monzaga sobe. Ao chegar defronte do Gusmão, não se abaixa nem se ajoelha, conforme obrigação dos escravos perante os brancos.

Munzaga não dá explicações. Entrega o embornal com a carta e as pedras.

— Faço um mandado de um velho chamado Tomé, um homem de camisola branca que mora no alto da serra da Pedra Branca. Ele falou pra entregar isto aqui prá vosmecê.

Sem mais tardança, entregou o embornal a dom Gusmão. O feitor tentou pegar a sacola.

— Deixa eu ver mais uma vez. Pode ser alguma astúcia desse safado.

— Pode deixar, diz dom Gusmão. Num tem perigo não.

Pega o embornal e entra para a sala, dizendo o escravo e ao feitor:

— Vocês esperem aí.

De repente, aparece no alpendre, vindo de uma porta lateral, Izabel, a filha de Dom Gusmão. Munzaga tremeu de medo, assustado com a presença da sinhazinha que fora a causa de sua fuga.

— Que está acontecendo aqui? A moça pergunta ao feitor.

— Esse negro fugido voltou com um recado pro seu pai.

A moça nem olhou direito para Monzaga e entrou na sala, onde estava o pai.

Na sala, Dom Gusmão já havia despejado o conteúdo do embornal sobre a mesa: quatro pedras e um papel amarelado, quase pardo, dobrado e meio amassado. Antes de desdobrar o papel, examinou as pedras.

Que pedras estranhas! —

Pegou uma das pedras e limpou-a, esfregando vigorosamente de encontro ao grosso gibão. Então se surpreendeu.

Brilha como um diamante, Mas essa cor amarelada, não é diamante. Alguma pedra que não conheço.

A filha se postou ao seu lado.

— Que é isso, meu pai?

— São pedras. Acho que são diamantes, Amarelos, alaranjados, um tipo diferente de diamante.

— E esse papel dobrado?

— Ah, é um recado de não sei quem.

Dom Gusmão pegou o papel, desdobrou e sentou-se numa cadeira para ler.

— Uns garranchos complicados. Não sei o que significam.

— Me deixa ver.

A moça pega o papel.

— O senhor estava vendo de cabeça prá baixo.

E devolve o papel ao pai, que, em seguida, procura ler o que estava escrito.

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Lá fora, escravo e feitor esperavam em silêncio.

Dom Gusmão apareceu na porta e diz ao feitor:

— Manda Munzaga prá senzala. Não bata nele, nem faça nada com ele.

O feitor obedeceu, de má vontade.

— Mas, patrão, ele fugiu merece pelo menos umas chibatadas.

— Faça o que mando. — Disse dom Gusmão, secamente.

Quando desciam as escadas, o feitor disse pra Munzaga:

— Você sabe o caminho da senzala. Fica lá e vê se não foge de novo.

O preto nada disse. Mas sua cabeça não parava de cogitar.

Ninguém falou do mal que fiz pra sinhazinha... Nem ela falou nada... Esquecer, não esqueceu... Ou será que ela não contou pro pai que eu fiz mal pra ela...?

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Naquela noite, Dom Gusmão leu a carta pela terceira ou quarta vez. Examinou as pedras, uma por uma. Com um canivete, escavou e quebrou as beiradas de pedra fosca, revelando o intenso brilho interno.

Na carta diz que são diamantes de cor de fogo. Topaz. Nunca ouvi falar. Devem valer muito. Tanto quanto diamantes claros.

Relembrou as palavras da “carta”.

Devo ir à montanha, à gruta, guiado pelo Munzaga. Diz que as paredes da gruta são forradas com pedras iguais a estas aqui. Diamantes coloridos, amarelos e cor de fogo. Topaz. E devo erguer uma capela em honra do santo que lá está. São Tomé.

Pensou nos prós e contras de atender o que lhe era pedido. Só no fim da madrugada insone tomou a decisão. Movido pela cobiça e jamais pelo espírito religioso.

Se for como diz a carta, ficarei rico e a construção de uma capela não será difícil. E ainda poderei tomar conta das terras ao redor, pois aquele fim de mundo não é de ninguém

Dom Gusmão procurou seu compadre Estevão, antigo garimpeiro que se estabelecera no Córrego Danta, a vila mais organizada das redondezas. Entendido em diamantes e tudo que fosse pedra de valor. Estevão ficou surpreso com as pedras de Dom Gusmão.

— Nunca tinha visto essas pedras por aqui. São chamadas de topaz, ou topázio, e valem tanto quanto diamante. Me diga aí, compadre, em que garimpo vosmecê encontrou estas pedras.

Dom Gusmão, por mais apreço que tivesse para com o compadre, silenciou astutamente.

— Vou lhe entregar esse lote para o senhor negociar. Se o preço for bom, trago-lhe mais.

— Se o senhor tiver mais desses topázios, é um homem de uma fortuna que nem se pode calcular.

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Antes de organizar a viagem, mandou Munzaga vir à sua presença.

— Então, a tal gruta é forrada mesmo com essas pedras? — Perguntou ao negro.

— É, sim senhor. De noite, quando a gente caminha com a lamparina acesa, tem muitos brilhos na gruta. E tem muitas dessas pedras amontoadas na frente do lugar onde tem o santo... o São Tomé.

— Como é esse... ermitão... esse velho que mora lá?

Munzaga repetiu diversas vezes o que viu. Como o velho morava na gruta, como vivia de pesca, de frutas, mandioca plantada (não sabia onde) e falou até da ferida que sarou de um dia para o outro.

— Aqui na carta esse tal de Tomé me pede pra lhe dar liberdade, em troca de me guiar até à gruta.

— Estou às ordens de vosmecê – respondeu Monzaga. Ainda esatva com medo do patrão por conta do que havia feito com sinhazinha Zabelina. Mas nem o patrão, nem o feitor falaram nada do assunto. Como a sinhazinha, na única vez que tinha visto ele, não mostrara o menor sinal de reconhecê-lo, pensou:

Ela decerto num falou nada pro seu pai. Eu é que não vou falar nada.

Dom Gusmão sabia das dificuldades que iria enfrentar, tendo ele mesmo sido tropeiro quando era moço. Durante duas semanas reuniu pessoal, animais, a comida que achava necessária e tudo, enfim, necessário para a viagem.

Nesse meio tempo, apareceu na fazenda Frei Inácio. Ao saber dos preparativos, se ofereceu para ir junto.

— A viagem não vai ser fácil, não, frei. Melhor o senhor ficar por aqui, esperando.

O frei tinha ficado pensando na possibilidade de erguer uma igreja naquelas paragens distantes da fazenda, mas muito próximo, ele sabia, do quilombo da Serra da Pedra Branca, onde por certo haveria muitos negros para serem convertidos à fé cristã.

Respondeu a dom Gusmão:

— Já ouvi falar desse tal de Tomé, há muito tempo. Acho que ele já foi padre e renegou a batina. Gostaria de saber se é verdade. Além disso, se vai construir mesmo uma capela, posso ajudar, não posso?

— Bom, o senhor é quem sabe. Se for prá ajudar, conto com vossa reverência.

Falou com Monzaga:

— Você está libertado. Escolha cinco escravos de sua confiança pra ir na viagem. Você será responsável por eles.

Então partiram: Dom Gusmão, frei Inácio, Monzaga e cinco escravos. Todos iam montados em bons cavalos. A carga — bruacas e alforjes, redes e material de acampar e até o necessário para o frei celebrar missa — era levada por meia dúzia de bestas e mulas.

Apenas Dom Gusmão levava armas: um mosquetão enfiado na sela, no estojo de couro, e duas garruchas metidas na guaiaca larga. E muita munição.

— Vocês tomam conta direito da fazenda! — Gritou já montado, para a mulher, a filha e o feitor, na hora da despedida.

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A caravana seguiu sem incidentes. Munzaga, mesmo sendo de pouco falar, gostava de conversar com o frei. Nas noites de arranchamento, ele contou ao religioso:

— Quando eu dormi na gruta, a ferida que tinha na perna sarou de um dia para o outro. E acho que o santo estava comigo quando voltei para a fazenda, trazendo o embornal para Dom Gusmão. Nunca encontrrei bicho brabo e num passei fome nem sede.

— E com certeza São Tomé está com a gente nessa viagem. — disse o frei.

A viagem se estendeu por duas semanas, até chegar à região das montanhas de pedras brancas. Guiados com perícia por Munzaga, subiram pela estreita trilha até o topo da montanha. Antes de descerem para a gruta, o antigo escravo falou com Dom Gusmão.

— lá em baixo, na gruta, não dá para acampar com todos os animais e o pessoal. Melhor a gente parar por aqui, acampar e descer a pé para a gruta. .

Assim fizeram.

— Vocês arrumem o acampamento — ordenou Dom Gusmão aos negros. — Eu vou descer com o frei e com Munzaga.

Desceram o estreito caminho de pedras que ia acabar na gruta. Munzaga na frente, seguido por Dom Gusmão, que empunhava sua arma, e frei Inácio. Ao chegarem, a surpresa: a gruta estava vazia. Não havia ninguém nem qualquer sinal de que por ali tinha vivido o eremita. Nada das cabaças, nem lamparina, ou os panos dependurados pela parede. Nem mesmo sinal de fogo ou cinzas.

— Negro safado, cadê o homem de camisola? — Dom Gusmão não escondia sua raiva. — Você me enganou este tempo todo.

Frei Inácio interveio:

— Calma, dom Gusmão. Vai ver, ele saiu para caçar ou pescar.

Munzaga nada disse, mas entrou decididamente caverna adentro.

— Não menti não, dom Gusmão. Posso ver aqui o santo no buraco da parede.

Frei Inácio tratou de fazer uma tocha e com a binga, acendeu o fogo, que iluminou o interior da caverna.

Faíscas e brilhos refletiram a luz do fogo por toda a extensão das paredes e do teto da gruta. Era como se uma centena de pequenas chamas tivesse acendido na escuridão. Frei Inácio levou a tocha para o local apontado pela ex-escravo.

— Veja, Dom Gusmão. É a imagem de um santo.

E caiu de joelhos, no que foi acompanhado pelo negro e por Dom Gusmão, cuja ira se dissipara instantaneamente à vista da imagem santa..

— É são Tomé, sim — disse o frei — Posso reconhecer, pois já vi outras imagens e pinturas deste santo.

Ao pé da pequena reentrância onde estava a imagem, um monte de pedras faiscantes estava amontoado. Dom Gusmão meteu a mão, pegando uma porção, que levou para a claridade.

— São as pedras vermelhas! Os diamantes de fogo!

Subiram para o topo do monte. O acampamento já estava arrumado, as redes armadas, e o fogo aceso sob a panela da comida. Anoitecia.

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À noite, os homens conversavam.

— Será que o homem da camisola branca fugiu? — perguntou Dom Gusmão mais para si mesmo do que para o frei

— Vamos esperar que ele volte. — disse o frei.

— Não vou ficar parado aqui, esperando. Vou mandar Munzaga e mais dois escravos procurar pelas redondezas.

— Podemos chegar até o quilombo, não está muito longe. — sugeriu Munzaga.

— Não quero ir lá, não. Posso encontrar muitos escravos fugidos da minha fazenda.

Mudando de assunto, o frei disse:

— Não vai ser fácil construir uma capela aqui nessas lonjuras.

— Tem muita pedra. A construção pode ser toda de pedra. Mas vamos ter de fazer muitas viagens pra trazer gente pra a construção, mais as ferramentas, comida.

Dom Gusmão pretendia, sim, fazer a capela. Mas pensava também nas pedras brilhantes que levaria consigo em cada viagem.

Aqui tem diamante que dá para construir até uma catedral — pensou. — Vou levar muitas bruacas cheias com essas pedras na viagem de volta para minha fazenda. Além do que vou requerer a posse dessa morraria sem fim.

Dia seguinte, acordaram cedo, o sol claro iluminando o acampamento com intensidade nunca vista. Dom Gusmão determinou a Munzaga que saísse com dois companheiros e procurassem marcas ou vestígios do velho de camisola branca pelas proximidades da gruta.

— Vamos dar mais uma olhada na caverna. — falou ao frei.

Desceram, apetrechados com varas envoltas em panos e folhas, que botaram fogo ao entrar n gruta.

Frei Inácio era curioso, e passou a olhar para as paredes.

— Vosmecê está procurando alguma coisa? — Perguntou Dom Gusmão.

— Estou vendo uma coisa interessante ali naquela parede oposta ao nicho do santo. Veja: uma parte lisa, aplainada como se tivesse sido lavrada por mãos humanas.

E aproximando-se mais ainda, o frei exclamou:

— Tem uns garranchos desenhados aqui!

— Deve ser coisa do velho que mora aqui.

— Não, não é não. Isso é coisa muito antiga.

Passando a mão sobre os caracteres, e chegando a tocha mais perto, pode verificar do que se tratava:

— E uma escrita, ou desenho dos índios.

— Pode ser, Disse Dom Gusmão. Aquí é terra de índio brabo. Vai ver que eles sabem escrever. E esses indios são gene que vivem aqui faz muito tempo.

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Ficaram arranchados no alto do morro durante uma semana. Por mais que procurasse, não encontraram nem sinal do homeM que Monzaga vira. Não fora a imagem do santo e as pedras incrustados nas paredes da gruta, nem Dom Gusmão nem frei Inácio acreditariam na história de Munzaga.

Frei Inácio reproduziu os desenhos da gruta em folhas de seu breviário..

Dom Gusmão mandou que os escravos enchessem duas bruacas de couro com as pedras arrancadas das paredes da gruta.

Tal como a ida, volta foi sem incidentes. Os escravos, orientados por Munzaga, caçavam pacas, tatus, coletavam frutas e até pegam peixes com embornais que usavam como redes. Numa noite uma onça ou jaguatirica rondou, os olhos brilhantes na escuridão, mas foi afugentada pelos tiros das garruchas de Dom Gusmão. Os guarás, esquálidos cachorros do mato, deixavam as marcas de suas patas, mas, muito ariscos, não foram vistos pelos caravaneiros.

Durou seis meses a organização da grande caravana que iria para a Serra da Pedra Branca. Dom Gusmão organizou tudo com cuidado.

— Vou levar uns vinte escravos prá começar a construção. da capela, disse à mulher e à filha. E vou ficar também algum tempo por lá. Esses negros são preguiçosos, se eu não tiver perto, eles não trabalham. Vocês duas vão ficar aqui na fazenda, de olho em tudo.

Conhecia seus escravos e escolheu entre os mais fortes. Munzaga o ajudou na tarefa.

— Não adianta levar quem não quiser ir. E os que têm mulher e filhos, devem levar a família.

E assim foi. Ninguém foi obrigado. Os escravos que quisessem ir poderiam levar as companheiras e os filhos.

No íntimo, Dom Gusmão remoia uma preocupação.

Esses negros não vão voltar. Sei que quando o serviço terminar, eles vão fugir para o quilombo.

Dom Inácio quis acompanhar a tropa, a fim de levar a palavra de Deus e fazer conversões. E pesquisar mais sobre os desenhos na gruta.

Talvez existam outros escritos na própria caverna ou em outros locais, pensava. Ele havia mostrado ao superior da ordem as cópias dos sinais existentes na gruta, e chegaram à conclusão de que eram letras de uma linguagem muito antiga, sinais da passagem de indígenas, coisa de muito tempo atrás, que nem sabiam calcular.

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De volta à serra, Dom Gusmão, Frei Inácio e Monzaga verificaram o melhor local para a construção. Escolheram o topo da montanha, o lugar mais alto.

— A vista aqui é magnífica, disse Dom Gusmão.

— Sim, a gente tem a impressão de estar no alto do mundo, de estar mais perto do céu, concluiu frei Inácio.

— Há de ser de pedra, pois é o material que mais existe por aqui, concordaram os dois.

Antes de iniciarem a construção, foi organizada a permanência dos escravos e suas famílias. Pequenas choças foram construídas numa área propícia, próximo ao riacho, como se fosse uma taba de índios.

Os negros trabalhavam com vigor. O tempo era bom, estavam no verão. As noites eram frescas e os dias claros eram propícios ao trabalho, que foi separado em etapas. Alguns trabalhadores arrancavam as pedras e as cortavam em tamanhos apropriados, outros carregavam as pedras até o local onde outros trabalhavam na construção. A chefia de Munzaga, que também metia mão no trabalho, era importante.

Reservavam um dia da semana para a coleta de alimentos. Pescavam, caçavam, colhiam frutos e tiravam ovos dos ninhos de aves selvagens. Alguns usavam arco e flecha, outros lanças, para suas caçadas. Haviam trazidos pequenas ramas de mandioca e toletes de cana, que as mulheres plantaram nas partes mais frescas da região. Um das mulheres era entendida em ervas da mata, para remédio e para comer. Descobriu diversas plantas nativas apropriadas para alimentação.

Frei Inácio, observador, ia notando que a vila dos negros foi se constituindo num local de morada definitivo para os escravos. Discutiu essa possibilidade com Dom Gusmão.

— Estas famílias não vão querer voltar para morar de novo na fazenda. Aqui não tem feitor, eles tem relativa liberdade e estão contentes.

— É verdade — Concordou o velho fazendeiro. — Já pensei nisto. Se forem obrigados a voltar, com certeza fugirão para o quilombo, que não está muito longe.

E tomando uma decisão séria, disse ao frei:

—Vou dar liberdade pra eles assim que a capela ficar pronta.

Com um sorriso de compreensão, o frei pensou: São Tomé tocou o coração deste homem.

Tendo organizado o princípio da construção, dom Gusmão fez com que a gruta fosse cercada e recomendou ao frei:

— Só o senhor pode entrar na gruta.

Partiu com pequena caravana, desta vez com duas mulas carregadas de bruacas (oito, no total) cheias de topázios. Ao despedir-se, prometeu:

— Volto daqui um ano. — Prometeu.

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Munzaga já havia encontrado o caminho para o Quilombo da Serra da Pedra Branca e com a permissão do frei, tinha ido lá diversas vezes, dar notícias da construção da capela e convidar os quilombolas para ver os trabalhos.

Em seguida foi a vez de frei Inácio ir até o quilombo, onde encontrou uma vila bem organizada: ali viviam cerca de cem famílias, constituídas pelos negros, suas mulheres e uma quantidade grande de crianças.

Foi recebido com muita alegria, numa algazarra própria dos negros quando em liberdade, tal qual usufruíam em suas vilas e aldeias na África.

O frei ficou impressionado com a ordem reinane no lugar. Ao redor da vila, plantações de mandioca, milho, arroz, feijão vicejavam e garantiam sustento dos quilombolas. Não tinham chefe, mas cada família tinha um responsável, e viviam em harmonia.

O frei iniciou um comercio com os negros, e pediu permissão para rezar uma missa. Estava plantando as sementes de uma grande conversão.

Ainda não tinham dado nome ao local onde estavam construindo a capela. São Tomé era a primeira ideia, que o frei ajuntou “DAS LETRAS”, uma alusão aos sinais da gruta.

Em substituição às choças rústicas, os negros construíam minúsculas casas – dois cômodos, no geral – usando as pedras do local e cobertas de folhas de indaiá, uma palmeira de coquinho duro, abundantes por toda a morraria. Usavam também bambu para os mais diversos fins: suporte das folhas dos tetos, cercas, móveis rústicos e chuços para caça. Das taquaras (finas lâminas da casca do bambu) trançavam objetos: utensílios, cestos, esteiras, etc.

Frei Inácio, homem simples, morava em uma dessas casinhas, que foram o início da vila ao redor da capela.

O eremita que ajudara Munzaga e que pediu a construção da capela, nunca foi visto na região. Apenas Munzaga o vira. Mas ninguém duvidava de suas palavras, comprovadas, aliás, pela curta mensagem escrita a Dom Gusmão, que a conservava em seu poder.

Frei Inácio insistiu e obteve de Dom Gusmão, a doação da tal “carta”, que ele colocou numa caixa com tampa de vidro, e que ficou fazendo parte da igrejinha, quando pronta, juntamente com a imagem de São Tomé, transportada da gruta para o altar principal. Era a relíquia, tão importante para a capela quando a imagem do santo.

Frei Inácio, orgulhoso da obra de ajudara a construir e ao ver a vila crescer, não se cansava de afirmar:

“Esta carta é a certidão de nascimento de São Tomé das Letras”;

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 25 de abril de 2012

Conto # 725 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/03/2015
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