A volta do lobisomem

-Tem certeza, filha? –Disse o meu pai encostando no carro.

-Sim. Já faz dois anos que tudo aconteceu. –Eu abri a porta do carro.

-Promete que vai me ligar se acontecer alguma coisa?

-Pode deixar que eu ligo. Vamos?

-Jura?

-Juro!

Então eu e meus pais entramos no carro. Era julho e eu iria passar as férias na fazenda da minha avó Cassia, a mãe do meu pai. Já fazia dois anos que eu não a via, porque aconteceu uma enorme tragédia e por isso os meus pais não queriam que eu ficasse na fazenda dela. Mas insisti bastante, e eles pensaram na possibilidade de eu ficar o mês inteiro por lá. A tragédia aconteceu com o irmão do meu pai. Ele se chamava João, tinha um filho chamado Vinícius e morava com a minha avó Cassia. A esposa de João, morreu no parto quando Vinícius nasceu. Na época, João ficou desesperado, também pudera, não é fácil perder a pessoa que você ama. Ele era lenhador, mas também tirava e entregava leite das vacas que haviam na fazenda da minha avó. Tudo era calmo perto da fazenda, até chegar um moço pelas redondezas. Ele morava no exterior, mas tinha parentes aqui no Brasil. Ele tinha uma camionete luxuosa, e jogava charme para as mocinhas da cidade. O que ninguém podia imaginar é que esse moço se transformava em lobisomem quando tinha lua cheia. Em várias fazendas da região, o lobisomem vinha, matava o gado, e tudo que encontrava pela à frente. Quando era dia, ele voltava a normal. Mas logo o povo da região descobriu que era esse moço, porque o acharam com roupas rasgadas sujas de sangue, e desmaiado na floresta. O povo levou esse moço as autoridades, mas quando surgiu outra lua cheia, o lobisomem arrebentou a cela e saiu enfurecido pela a floresta. João ao saber disso, preparou a espingarda e resolveu ir atrás, mas não percebeu que o seu filho Vinícius foi também. Ele já tinha dito que queria ir, mas João negou essa possibilidade. Quando João encontrou-se com o lobisomem, apontou a espingarda e atirou. Não acertou, assim o lobisomem veio para cima dele, e Vinícius tentou tirá-lo de perto do pai. Mas o lobisomem mordeu o braço de Vinícius. João ainda conseguiu acertar uma bala no lobisomem, antes dele entrar no mato. Ele caiu no chão, e Vinícius foi acudir o pai.

-Pai!

-Eu te amo! Nunca se esqueça disso. Cuide bem da sua avó.

-Mas o senhor não pode morrer!

-O lobisomem mordeu o meu pescoço...Eu não tenho mais chance...

-Pai! Por favor, não faça isso comigo.

João parou de respirar, Vinícius ficou com bastante raiva, e deu mais dois tiros no lobisomem. E ficou olhando a mordida em seu braço, e ficou apavorado. Depois disso, Vinícius continuou morando com a minha avó. Eu e eles somos amigos desde criança e sempre preencheu aquele vazio de eu não ter um irmão ou irmã. Nesse ano, eu estava fazendo o terceiro ano e estava com dezessete anos. O Vinícius tinha dezoito e já tinha terminado o Ensino Médio. Ele é meu único primo por parte de pai. Depois desses dois anos, eu nem sabia como estava o Vinícius. Ele era muito apegado ao pai. Mas nós já estávamos a caminho e íamos colocar o papo em dia novamente. De carro, era gasto uma hora de viagem. Enquanto as paisagens iam passando pela a janela, eu curtia uma música no meu celular.

Logo chegamos na fazenda e o meu pai começou a tirar as malas. Eu abracei a minha avó e ela estava contente em me ver.

-Luiza! Como você está linda!

-Obrigada, vó!

-Onde está o meu primo?

-O Vinícius está andando de cavalo na floresta.

O Vinícius era um aventureiro de mão cheia, e eu gostava disso nele. Desde criança, ele subia em arvores, armava arapucas para pegar passarinhos e até pescava junto com o pai. E agora que ia revê-lo novamente, com certeza iria ser uma aventura!

Os meus pais foram embora e eu fiquei conversando com a minha avó, enquanto eu tirava as roupas da mala. Na hora do almoço, eu fui olhar as flores no quintal e escutei um relincho de cavalo. Era Vinícius chegando sem camisa, apenas de short jeans. Ele ainda tinha o cabelo curto, e seu corpo era um pouco moreno. Tinha olhos castanhos bem escuros. Já eu, não era tão atraente como ele. Eu sempre fui bem magra, branquinha e de cabelos castanhos claro. Ele me viu, e correu para me abraçar. Ele estava suado, mas não me importava com isso. Nós dois sorrimos e fomos conversar na área.

-Você está linda, Luiza!

-Você está mais, primo!

-Como anda os estudos?

-Muito bem!

-Eu não pensei que vinha depois do que houve com o meu pai...

-Eu convenci o meu pai. Não foi nada fácil!

- Eu estava andando de cavalo pela a floresta...

-Não sente medo?

-Medo de que? Não tem mais nada de ruim na floresta.

-Tem razão.

-Ainda lembro até hoje...Furei aquele lobisomem na bala!

-E o corpo do rapaz?

-Ele desapareceu na minha frente logo depois. Sei lá...Isso é coisa de outro mundo.

-Submundo, eu diria!

Nós dois sorrimos e minha avó chegou e olhou com um olhar de reprovação para ele.

-Vinícius, vista uma camisa!

-Mas, vó...Está fazendo calor!

-Eu disse agora!

Ele foi até o quarto e vestiu uma camisa branca de algodão. Eu olhei para minha avó e em seguida ela me chamou para entrar e almoçar. Durante o almoço, Vinícius não parava de me olhar e eu sentia que a minha avó estava preocupada com isso. A tarde, eu estava sentada na área, e ouvi uma conversa estranha do Vinícius com ela.

-Por favor, vó!

-Tem certeza que não vai acontecer nada?

-O que poderia acontecer? Já faz tempo que não tem lua cheia.

-Tudo bem. Então vá com ela.

Ele veio até a área e me convidou para subir na garupa do cavalo, para passearmos pela a floresta. Eu aceitei e eu agarrei em sua cintura. Chegamos no rio que tinha lá perto, e ele entrou na água e eu fiquei vendo o mergulhar. Ele me chamou, mas eu disse que não, mas me jogou água e me arrastou. Nos dois mergulhamos e ficamos olhando um para o outro.

-Luiza, eu quero fazer uma coisa que sempre tive vontade, mas só agora tive coragem!

-O quê? –Eu disse um pouco surpresa.

Nossos lábios chegaram perto um do outro e nos beijamos. Depois do beijo, eu fiquei pasma e saí da água.

-Ficou maluco, Vinícius?

-Eu sempre gostei de você, Luiza!

-Nós somos primos, esqueceu?

Ele ficou sem graça e saiu da água. Chegou perto de mim, e me abraçou.

-Desculpa!

Enquanto ele falava, eu olhava para a cicatriz que era a mordida do lobisomem.

-Não sentiu nada depois dessa mordida? –Eu apontei para o seu braço.

-Não. O que eu poderia sentir?

-Nada, eu acho...

Eu percebi que ficou sério com as minhas palavras, mas não disse nada. Saímos do rio e fomos para a casa da minha avó. Ficamos calados por todo o caminho. Eu estava confusa, já tinha beijado outros meninos no colégio, mas não imaginava que Vinícius gostava de mim de um outro jeito. Durante o jantar ficamos calados. Os dias se passaram e eu e o Vinícius continuamos a conversar normalmente. Mas eu ficava um pouco distante dele, porque as vezes ele me dava medo. Apesar de termos sido amigos desde a infância, e sentia que ele tinha segredos e não queria revelar a ninguém.

Quando chegou dia 31 de julho, era lua cheia, mas eu estava despreocupada, porque não havia mais lobisomem pela a floresta. Eu e o Vinícius dormíamos no mesmo quarto, mas cada um em sua cama de solteiro. Neste dia, fomos dormir mais cedo, porque no dia seguinte o meu pai já vinha me buscar de manhã.

Tudo estava tranquilo, e eu peguei no sono. Mas escutei um relincho de cavalo. Saí da minha cama, abri a porta dos fundos e vi uma neblina no quintal, mas dava para ver o Vinícius correndo de cavalo em direção a floresta. Eu fiquei achando estranho. Por que ele sairia a essa hora? E se acontecesse alguma coisa? Então, sem pensar duas vezes, eu corri atrás dele. Mas já tinha o perdido de vista. Olhei ao redor, a floresta estava escura e silenciosa. Dava para sentir o vento e o cair das folhas secas. Comecei a ficar com medo e frio, e gritei:

-Vinícius!

De repente ouvi a voz dele:

-Você me ama, Luiza?

-Claro que sim! Você é o meu primo predileto!

-Falo de amor de uma mulher por um homem...

-Eu não sei te responder isso...

-Responda!

A sua voz ficou soando como um eco pela a floresta e eu fiquei com medo. De repente, me virei e ele apareceu na minha frente. Ele estava sem camisa e com short jeans, do mesmo jeito que o vi quando cheguei na fazenda minha avó.

-Por que não me ama como eu te amo?

-Vinícius, isso não é hora de falar disso. Por que está assim? Poderá pegar um resfriado se ficar sem um casaco aqui nesse frio.

-Eu não me importo...Eu sempre gostei de você.

-Mas eu também gosto!

-Então me beije!

Ele chegou perto de mim e seus olhos estavam mais escuros do que aparentavam ser. Eu fiquei com medo, e me afastei.

-Se afaste, Vinícius!

-Por quê? - Ele disse isso enquanto andava ao meu redor

-O lobisomem voltou, não é?

-Está me dizendo que sou o lobisomem? Aquele que eu mesmo matei?

-Você é o novo lobisomem!

-Não é verdade!

-Não minta para mim. Você tem a mordida! Já li sobre isso...Quando se é mordido, você vira lobisomem!

-Anda lendo sobre isso?

-Quando o seu pai morreu, eu soube que você foi atacado. E pesquisei para saber a verdade.

-Você não sabe de nada!

-Eu sei mais do que você imagina.

-Se soubesse mesmo...Não teria vindo até aqui.

-Eu sou imprevisível...Você nunca vai saber o que eu posso ou não fazer.

-Eu digo o mesmo sobre mim!

Ele ficou furioso quando ao dizer isso, e começou a se transformar em lobisomem. Eu comecei a chorar, porque nesse momento eu gostaria de estar errada, mas ele era mesmo o novo lobisomem. Ele se tornou em um enorme lobisomem com pêlos na cor marrom, e abriu sua enorme boca com dentes afiados para vir em minha direção. Mas eu dei um grito e acordei. Eu estava em minha cama e Vinícius acendeu a luz.

-O que houve, Luiza?

-Você é o lobisomem, Vinícius?

-Claro que não! Ficou maluca?

-Nós estávamos na floresta.

-Não, Luiza.

Nós voltamos a dormir, e chorei baixinho debaixo do cobertor, por ele estar mentindo para mim mais uma vez. Aquilo era um sonho? Ou era real? Eu nunca vou saber, porque no outro dia quando dei tchau para o Vinícius, era pela a última vez.

Janaina Caixeta
Enviado por Janaina Caixeta em 19/03/2015
Código do texto: T5175660
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