Um Nome Italiano



Eu já ia arrancando com meu carro quando ouvi meu nome gritado de longe. Freei e esperei pelo que vinha.
- Espere aí, meu amigo. Será que você daria uma carona até São Paulo?
Fiz sinal a ele de que subisse.
- Não é pra mim, meu amigo. Eu vou continuar trabalhando aqui em Santos até segunda-feira. A carona é pra essa mocinha – venha cá, menina- ela desceu com a gente, mas vai ter que voltar hoje.
Abri a porta do passageiro e a moça entrou, fechou-a delicadamente e sorriu para mim. Que, por minha vez, retribui com o meu melhor e mais amplo sorriso.
Que gatinha! Que coisinha linda e delicada! Magrinha, altinha, morena cor de jambo e, para meu extremo prazer visual, usando um vestido colorido, comprido e bonito, que a deixava parecendo uma fadinha daquelas que nas histórias infantis cuidam da natureza.
Mal arranquei com o carro, pretendendo bater o recorde de falta de velocidade até São Paulo, ela começou a falar.
Ao chegar no começo da Anchieta eu já podia perceber que “pelo andar da carruagem” aquela boquinha falaria, direto, de Santos a São Paulo. Sem pausa para respiração ou para um ligeiro descanso da língua. Ainda bem que aquela voz era música para meus ouvidos.
Ela falava, falava, falava, falava, e eu ouvia, ouvia, ouvia, ouvia e sorria ou concordava com um “hum”, “humhum”, ou um “hamham” pra variar.
- Então, colega, como eu estava lhe dizendo, acho um absurdo esses homens que mexem com a gente na rua fazendo barulhos imorais com a boca.Será que eles pensam mesmo que nós, as mulheres, gostamos disso? Que a gente é capaz de dar bola para um tipo assim? Vulgar, bobo, obsceno...Vê lá se eu vou olhar para um cafajeste desses. Eu, hein? Deus que me livre e guarde de um tipo desses. Você não acha?
- Hum...
- Sempre achei, aliás, minha mãe sempre me ensinou a selecionar. Ensinou-me a nunca, jamais, em hipótese alguma, olhar para trás para ver quem assobiou pra gente. Eu, por mim, acho que uma mulher tem que ser tratada como uma flor. Com cuidado, com carinho, com afeto e atenção. Aí sim, ela vira uma mulher de verdade para um homem de verdade. Você não acha?
Concordei plenamente com a cabeça.
- Um relacionamento, por exemplo, eu comparo aos cuidados com uma orquídea rara. A gente tem que tratar todos os dias. Cuidar muito. Nos mínimos detalhes. Como se cada um dos dois fosse uma flor em uma estufa....
E blábláblábláblábláblá...
Eu não tinha a menor idéia do que ela ia dizendo daí por diante, mas olhava com prazer sua boquinha linda se mexendo sem parar, seus olhinhos lindos se arregalando, se estreitando, entrefechando-se, dando muita expressividade ao muito que ela falava. E como falava...
Falava e se mexia no banco do carro. Punha uma perna em cima do assento. Tirava. Punha as duas pernas entrecruzadas. Tirava-as. Esticava-se. Encolhia-se. E eu via ao meu lado uma gatinha inquieta e falante.
- Qual é mesmo o seu nome, colega? Puxa, você quase não fala...
- Hãm?
- Seu nome. Estamos conversando há tanto tempo e eu ainda não sei o seu nome.
Eu quis explicar que estava afônico, mas ela só entendeu a última palavra.
- Afônico? Aposto que é nome italiano. Não é um nome feio. Só um pouco diferente.
Consegui segurar o riso. Ela que pensasse que meu nome era Afônico.
- Então, Afônico, como eu ia te dizendo....
E disse, disse, disse tudo que lhe veio à cabeça por quase toda a extensão da via Anchieta.
- ... como eu estava te dizendo, o tipo de homem que gosto mesmo é...
Antes que ela completasse a frase eu virei o volante do carro de repente e o embiquei para dentro do estacionamento de um motel enquanto olhava para aquela bela gatinha ao meu lado, que completou sua frase:
- ...do tipo caladão e decidido. Que sabe o que quer. Assim como você, Afônico.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 07/06/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T517195
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.