713-O ULTIMO ANO DE DUAS VIDAS-História de família

Dos tempos difíceis da Itália no final do século dezenove resultaram as grandes imigrações de italianos para o Novo Mundo. Entre os milhares que chegaram ao Brasil no ano de 1892 estava uma mocinha esguia de nome Maria Santina Gratton.

Aos dezoito anos, era magra e desengonçada. Nascera em 1874, em Terzo, vilarejo da Província de Gorizia, situada na região nordeste da Itália. Seu pai chamava-se João Gratton e a mãe, Luiza Jogar.

Os pais ficaram na Itália e Santina viajava acompanhando família que a “adotou” para fins de imigração. Os passaportes eram emitidos para o chefe da família, que declarava o numero de familiares, sem maiores indagações.

A família que a protegia foi para Mococa, região de imensas fazendas de café. Os italianos eram escolhidos pelos grandes fazendeiros, que lhes davam emprego e os mantinham em suas propriedades em um regime de quase servidão.

Na fazenda onde estava agregada Santina conheceu Antônio Gobbo, com quem se casou em 1894. Dos seis filhos, Izidoro, o quarto na escala, nascido após Colomba, Pina, Nica, era o que mais lhe exigia cuidados e, portanto era o predileto. Nascera com um defeito no pé e mancava ao andar. Seus primeiros passos foram de difícil aprendizado e os tombos (com machucaduras) eram constantes.

Mas, como toda criança, Izidoro logo superou o defeito e cresceu como qualquer pessoa, sem complexos nem medos. A mãe, sim, é que sempre manteve o desvelo e o cuidado dedicado ao filho na infância. Não conseguia pensar no filho, mesmo homem feito, sem preocupar-se: era um medo inconsciente, encravado no fundo de sua alma, de que algo de ruim poderia acontecer ao seu queridinho Zidoro.

De espírito aventureiro, bem diferente do pai, não permaneceu residindo com a família em Guaranésia. Procurou trabalho numa serraria em São Pedro da União, cidade vizinha, onde viveu sem se casar, para grande desgosto da mãe, que não conseguia pensar no filho sem se preocupar.

Numa tarde tenebrosa, transformada em noite pelas pesadas nuvens prenhes de chuva, relâmpagos, raios e coriscos cortando os céus em todos os quadrantes, Santina acendeu velas no pequeno sacrário e colocou palmas bentas para queimar.

De joelhos defronte a imagem da Madona, rezava para que a tormenta passasse e o céu se clareasse.

Mais forte do que o pequeno clarão das velas, uma luz intensa iluminou num instante a pequena sala onde Santina orava. Teve uma visão: naquele instante o filho Izidoro estava em perigo.

— Valei-me, Vergine Immacolata! Salve meu Zidoro.

A visão fora tão intensa e a dor no coração foi tão grande que Santina tombou, desmaiada, aos pés do oráculo. Foi encontrada algum tempo depois pelo marido que chegou encharcado, vindo de sua olaria, pés, mãos e corpo embarreados.

Ele a colocou sobre a cama, esfregou os pulsos, passou água pela testa e rosto, até que voltasse a si. Suas primeira palavras, ditas como se ainda estivesse vendo a horrível cena que só ela sabia, gritou para o marido:

— Zidoro! Zidoro! Ele tá morto! Um raio matou ele!

Antonio procurou acalmar a esposa. O temporal continuava, não permitindo que nenhuma providência fosse tomada.

No dia seguinte, Antônio saiu bem de manhã para a serraria onde trabalhava o filho, para saber se havia mesmo acontecido alguma coisa com Izidoro.

Chegou pelas onze horas. A serraria não estava funcionando. Não encontrando ninguém, foi adentrando pela casa do dono ou administrador. Num quarto nos fundos da casa, encontrou um grupo de pessoas ao redor de uma cama onde entreviu o filho deitado. Empurrando sem pedir licença, Antônio chegou à beira do leito e debruçando-se sobre o corpo, desandou a chorar convulsivamente.

— Meu filho! Zidoro, meu filho! Acorde!

Sentiu, ao abraçar o filho, que ele respirava. Alguém o toucou pelos ombros, dizendo:

— Ele não está morto não, seu Antônio. Só está repousando. Venha, vou lhe contar o que aconteceu.

O relato do patrão foi curto e dramático:

— Estava todo mundo sentado no galpão, pois paramos as máquinas devido ao grande temporal. Trovões e raios por demais. Izidoro estava perto da parede. Vimos um clarão insuportável, todo mundo ficou cego naquele momento. O raio caiu bem em cima de nós. Todo mundo ficou tonto. Quando a gente começou a se recuperar, Izidoro ficou deitado no chão. Desmaiado. Chegamos perto dele.

— Parece que morreu, minha mulher disse.

Ele não dava sinal de vida. Senti um cheiro de coisa queimada. Então vi: a camisa estava chamuscada na cintura. O cinto de couro também estava queimado. A fivela do cinto estava derretida. Olhei para os pés, de onde também vinha cheiro de queimado. As botinas estavam meio queimadas e o pregos da sola também estavam derretidos.

— Mas o raio acertou nele? — o pai perguntou.

— Acho que sim. Quer dizer, deve ter passado pelo corpo dele, sem matar.

Enquanto conversavam, Izidoro sentou-se na cama e olhou para o pai. Levantou-se a ambos se abraçaram, emocionados.

— Filho, você viveu de novo.

Antônio pediu que um mensageiro fosse enviado até sua casa, para dar notícias à Santina. Ao entardecer, em uma charrete da serraria, pai e filho voltaram ao lar.

Ao abraçar o filho, entre lágrimas e risos, Santina exclamava repetidamente:

— Foi um milagre, um milagre da Vergine Immacolata!

ANTONIO ROQUE GOBBO -

Belo Horizonte, 31 de janeiro de 2012

Conto # 712 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Classificação: História de família

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 16/03/2015
Reeditado em 16/03/2015
Código do texto: T5171768
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