O Poço de Idéias
O Poço de Idéias
Numa cidade da Fenícia independente e constituída de seu próprio reino havia um certo rei, que não sabia administrar a cidade, ele tinha todas as riquezas possíveis em suas mãos, já tinha lido todos os livros do mundo, poderia ter tudo que queria mas andava muito triste, o conselho preocupado decidiu contratar os mais importantes artistas da região. No primeiro dia, um circo se apresentou ao rei, porém nada o interessou, não era nada divertido ver um palhaço fazendo besteira, uma mulher com barba e animais presos, o rei continuava triste e cheio de rancor, no segundo dia pintores diversos fizeram quadros com a imagem do rei, isso também não o animou, já que as pinturas eram todas iguais - em níveis de perfeições diferentes de cada pintor - se ele quisesse se ver, ele iria ao espelho ao invés de ficar olhando para sua imagem num quadro congelado. O conselho então teve uma idéia, chamar o mágico Zum! O mágico mais assistido pelos povos da região, até habitantes das cidades de Tiro e Sidon já viajaram aquela pacata cidade para ver seus numeros, ora! O rei sabia que tudo aquilo eram truques, não bastava de ilusão, nem o mágico Zum não conseguira agradá-lo, e naquela altura, o conselho estava preocupado, no quarto dia foram chamadas as mais belas mulheres da cidade para fazer um número de dança sedutor, mas nenhuma conseguiu chamar atenção do rei, naquela altura ele já tinha se envolvido com todas as mulheres que queria se envolver.
- O que está acontecendo com o nosso rei!?
O conselho, a população e todas as camadas da sociedade se perguntavam, até os escravos estranhavam a atitude do rei.
No quinto dia, foram apresentadas diversas esculturas, de faraós, deuses e leões para que o rei pudesse apreciar, o que não aconteceu, ele já achava aquelas esculturas futéis, era um tipo de representar coisas que não existem, ou que não existem mais. O que ele iria apreciar naquilo? E assim se fez mais um fracasso. No sexto dia o conselho já sem saber o que fazer, chamou um senhor, que era um grande conhecedor de mentes para que ele pudesse descobrir o que o rei tinha. Tentou hipnotizá-lo para ir a fundo em sua consciência porém não conseguiu, o senhor de tudo tentou fazer, mas nada descobria sobre tanta angústia e rancor que lhe acompalhava.
- É grave, acho que não tem cura para o estado do rei.
Disse o senhor ao conselho, que se desesperou, até que surgiu boatos de um escravo que contava histórias incriveis, tão incriveis que com o poder delas, ganhou sua liberdade.O conselho mandou chamá-lo, no sétimo dia esse ex-escravo se apresentaria ao rei, chegou com um olhar enigmático, sua aparência era estranha para os povos da época, chegou ao rei e se apresentou:
- Meu rei, eu não sei
Como é ter todos em seu pé
Carregar a coroa, viver atoa
As vezes é triste?
Ser um passarinho preso
Comendo o mesmo alpiste?
Será que podes cantar
Canta rei, lá, lá, lá
O peso da coroa você sente
Ao povo mentes
Isso deve ser chato
És um rei nato
Creio que tu crês
Que tu é o maior dos reis
Mas por que eles existem?
Precisamos de reis?
Precisamos de Deuses?
Precisamos de leis?
Será meu rei?
Você vive fazendo lei
Mas ninguém as segue
O humano foi um engano
Não há quem negue
Porém ainda acredito
Nesses seres
Podemos ultrapassar o infinito!
Sim, meu rei...
O rei achou estranho o jeito que ele falava, ele recitava versos, era incrível!
- Como faz isso?
O conselho e as pessoas que estavam por perto se impressionaram! Pela primeira vez, em meses, o rei tinha dito algo.
O pescador de palavras então disse:
- Então é fácil
É como tirar fruta do cacho
Tem que ser hábil
Pegando as palavras
Lá e aqui
Elas sempre aparecem
E claro que merecem
Uma boa colocação
Seja numa conversa ou oração...
- Como você aprendeu isso? Resmungou o rei.
- Num poço
Perto duma vila
Era perigoso
Furo a fila
Para capturar esses versos
Pego uma aqui
E junto com a outra
É um ciclo sem fim
- Você não respondeu a pergunta! Resmungou de novo o rei.
- É num poço rei
Fica perto dum rio
Posso lhes mostrar
Mas levem casacos pois faz frio
Então todos o seguiram, para ver o poço do qual falava, no mesmo instante, depois de andarem um pouco avistaram esse poço.
O rei se aproximou e olhou para o fundo do poço, porém ele não via nada, estava apenas tudo escuro. O rei então disse:
- Onde estão as palavras?Não vejo nada.
O caçador de palavras então deixou de falar em versos e disse:
- As pessoas nascem com medo do escuro, da loucura, e com idéia fixa de verdade, é por isso que você não consegue ver as palavras nesse poço escuro, passei minha vida no escuro de uma prisão e fui aprendendo a não ter medo do que não podia enxergar, então assim conseguia viver com a escuridão, e conseguia iluminar as coisas como minha imaginação me pedia, depois disso aprendi a caçar as palavras, quer um conselho meu caro rei? Tranque-se sozinho num lugar bem escuro por anos e depois saía, quando você sair sentirá a luz, muito forte, e você pode até se cegar, entende?
O rei então fechou os olhos por um minuto sem falar nada, e voltou, indo em direção ao castelo outra vez.
Então o caçador de palavras disse:
- Ele não entendeu mesmo... se tivesse entendido iria andar em frente, e não voltar para o lugar de onde veio.
Deu risos, e continou a fazer seus versos.