709-COMEÇANDO A VIDA - Autobiográfico
Os anos de 1951 a 1955 foram marcados por grandes transformações em minha vida. Foi quando assumi a direção de minha própria vida, tornando-me independente e tomando as primeiras e importantes decisões que iriam nortear meu futuro.
Foram os anos em que trabalhei no Banco de Crédito Real de Minas Gerais, hoje não mais existente. Apresentei-me no dia 30 de janeiro de 1951, pelas 10 horas da manhã. Como já narrei em história anterior (1), deixei o trabalho no empório do seu Júlio Símaro ao receber o aviso por telefone de que tinha sido aprovado em teste realizado há duas ou três semanas. Assim, entrei por concurso, embora fosse o único concursado. Minha indicação fora feita por Ozório (Rodrigues) que tentava namorar minha prima Beatriz (Fidelis Marques).
Oficialmente, isto é, como consta em minha “Carteira de Trabalho do Menor”, a admissão se deu em 1º. de Fevereiro, como servente, encarregado dos serviços de expedição. De modo a disfarçar. falava-se que era contínuo.
Na tarde do primeiro dia, fui ao fotógrafo para Clementoni para tirar fotos 3 x 4, necessárias aos diversos documentos, e à Escola Remington de Datilografia, matricular-me para curso que se iniciaria no dia 1º.
As primeiras instruções de meu trabalho foram feitas pelo ex-contínuo Vicente (Cândido de Paula) promovido a funcionário com a minha admissão.
Devia chegar ao trabalho às 8 horas varrer a agência, e espanar os móveis. Em seguida, ir ao correio pegar a correspondência na Caixa Postal 44, inclusive com a edição do jornal “O Estado de São Paulo”.
De volta, fazer o café, que devia ser servidos aos funcionários, que já estavam chegando para as duas horas de trabalho matinal, que não era obrigatório nem sujeito a horário fixo, mas que todos faziam. Inclusive o gerente, que ia só para ler o jornal.
Duas vezes por semana – as terças e quintas – eu tinha de percorrer a cidade, entregando avisos de vencimentos e apresentando duplicatas para serem aceitas. Serviços que já não existem há muito tempo no sistema bancário. Nas terças eu percorria a parte baixa da cidade: a parte central que ficava atrás da Igreja Matriz, o Brás, e região da estação da Mogiana. (2)
Era um roteiro fácil, descendo pela Rua Pimenta de Pádua e subindo pela Rua Dr. Placidino Brigagão, onde estava a maior parte do comércio e dos clientes do banco.
As quintas eu subia para a Mocoquinha, bairro bem maior, com a longa Avenida Ângelo Calafiori cheia de casas comerciais. Tinha de apressar-me para chegar em tempo dão Banco às 11 horas, devolver a pasta com os títulos, que eram sempre guardados no cofre-forte.
O Expediente externo (atendimento aos clientes) era de meio dia às três e meia. O horário de trabalho dos funcionários era de doze às dezoito horas. Nesse período, devia trabalhas nos “serviços internos”: ajuda no atendimento dos clientes, no balcão. Por volta das três da tarde, ia receber os cheques de outros bancos, recebidos no caixa, serviços hoje feito pela câmara de compensação. Trabalho que exigia cuidado e responsabilidade, pois os cheques eram pagos em dinheiro, não havia nenhuma troca de cheque por cheque. Era oito bancos ao redor da Prada da Matriz (oficialmente, Praça Comendador José Honório) e nos primeiros dias Vicente me acompanhou, não só por segurança mas também para me “apresentar” aos funcionários dos outros bancos.
Depois de receber os cheques, novo cafezinho, que servia aos funcionários em suas mesas. Às três e meia, após fechar as portas da agência, novamente ia ao correio receber mais correspondência. Era hora do lanche para todos os funcionários. Na agência ficavam apenas com o subgerente e o caixa.
De volta do correio, era hora de fazer a “copiação”: copiava-se em livro diário o resumo contábil de todas as operações de dias anteriores, Um dos serviços mais idiotas que já conheci, feito com panos úmidos estendidos entre as folhas de papel de seda do livro, sobre as quais eram colocadas as folhas de papel datilografado (com o registro de todas as operações da agência) com fita “copiativa”. Serviço para efeitos legais: o livro copiador era registrado em cartório, rubricado pelo juiz de direito e as cópias, depois das folhas secas com mata-borrão, eram averiguadas e rubricadas pelo subgerente . Muitas vezes a umidade era demais e a copia saia borrada, estragando não só as folhas do livro como os originais (as folhas datilografadas) que deviam ser refeitas.
E pelas cinco horas, o serviço de expedição: a colocação de documentos em envelopes previamente endereçados, destinados às outras agências ou à Matriz do Banco, em Juiz de Fora. As cartas eram seladas manualmente, havendo um estoque de selos em poder do servente. A prestação de contas das despesas postais era rudimentar e ensejava que fosse aumentada em um ou dois portes, em beneficio do funcionário que fazia o acréscimo.
Era uma prática corriqueira, que me foi ensinada por Vicente e que passei para o meu sucessor.
Entre um serviço e outro, havia o de encadernar documentos. Consistia em costurar com barbante e grampos, os documentos de caixa (cheques e outros papeis de pagamentos e recebimentos) e de contabilidade. Os documentos de caixa levavam uma capa cor de rosa e os de contabilidade, capa cor de cinza. O serviço era diário, não podia se atrasar, para evitar a perda ou extravio de documentos. A costura tinha de ser bem feita, e a encadernação era rubricada pelo subgerente, as capas assinadas pelo gerente e subgerente. Não podiam ser desfeitas sob hipótese alguma, pois eram documentos legais, e jamais destruídos. A agência tinha um armário chamado de arquivo-morto, enorme e chaveado, para a guarda desses documentos.
O serviço de entrega de avisos de vencimento e apresentação de duplicatas aumentou consideravelmente nos primeiro anos em que trabalhei, e uma bicicleta foi adquirida pelo banco a fim de agilizar o trabalho. Foi comprada uma da Marca Gorike, alemã, uma novidade, pois o freio era no contra-pedal e não manual, como nas da marca Philips.
No terceiro dia, descendo em velocidade pela Rua Pimenta, desviando de um caminhão que ia minha frente, vacilei ao brecar (ainda não estava acostumado com o elegante e maldito freio contra-pedal) e meti a bicicleta na quina da calçada. Voei para um lado, e a Gorike para outro. Felizmente, só tive escoriações no braço esquerdo enquanto que a roda dianteira ficou completamente torta.
Voltei à agência e mostrei o feito o subgerente, seu Aguinaldo (Noronha Peres), que, compreensivamente, mandou-me para casa e a bicicleta para uma oficina de consertos. Felizmente, era uma sexta feira de carnaval (do ano 1953). Na quarta feira de cinzas, quando a agência reabriu as portas após o longo feriado (fechava-se na segunda e terça feira, e na quarta feira o expediente era só à tarde), eu já estava recuperado e a bicicleta consertada. O salário daquele mês foi todo no pagamento do conserto da bicicleta, que, obviamente, nunca mais foi uma boa bicicleta.
Os colegas na agência eram cinco e cada qual tinha, como é obvio, suas particularidades que apareciam nas muitas horas em que convivíamos trabalhando: Vicente Candido de Paula, a quem substituí, trabalhando na Carteira de Cobrança. Roque Magalhães, encarregado das Conas Correntes e datilografia do Diário, aquelas folhas a serem copiadas no livro Copiador. Ozório Rodrigues, Tesoureiro. Agnaldo Noronha Peres, subgerente, e Amarildo Ribeiro, gerente.
Vicente era alto, magro e elegante, teria uns 20 anos, e começou a namorar uma garota, filha do farmacêutico da Mocoquinha, por quem eu também tinha certo chamego. Roque (atendia pelo apelido de Maga) era agitado, tinha uma boca enorme, falava muito e quando falava soltava perdigotos. Seu Aguinaldo era um boa-vida, tranqüilo, fumava pachorrentamente cigarros de palha que ele fazia com vagar. Rubricava sem ver qualquer papel que a gente colocava em sua mesa. Vendia vacinas para gado vacum, da marca Hertape, sob encomenda, cujos pedidos eram repassados ao fabricante em Uberlândia. A remessa era direta ao fazendeiro, e aparentemente não interferia em suas funções de subgerente. Já o gerente, seu Amarildo Ribeiro, era mais enérgico, mas só na sua sala. Raramente ia à sala de expediente. Quando não estava atendendo clientes, lia jornal ou revistas de mistério (era assinante do Ellery Queen Mistério Magazine, que me emprestava de vez em quando). Saía muito, em visitas a clientes.
Trabalhei na agência do Credito Real (endereço telegráfico: “Hércules”) em São Sebastião do Paraíso de 1951 a 1954. No Final de ’54, fui transferido (a meu pedido) para o Rio de Janeiro.
Durante aqueles anos, freqüentei a Escola Técnica de Comercio, namorei Enny, fiz o Tiro de Guerra e li adoidado. Assuntos que serão abordados em crônicas futuras.
Conferindo os 12 trabalhos a meu cargo:
01 – Varrer a agência
02 – Espanar (desempoeirar os móveis)
03 – Ir ao correio – 1ª. vez – 8 hs. Da manhã
04 – Fazer café pela manhã
05 – Entregar avisos de vencimentos na cidade
06 – Ajudar no atendimento de balcão, entre 12 e 15:30 hs.
07 – Receber cheques em outros bancos da praça
08 – Cafezinhos das 3 da tarde
09 – Ir ao correio pelas 16 horas
10 – Copiar diário
11 – Encadernar documentos do dia anterior
12 – Expedição de correspondência com da ao correio ás 17:30
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1 – “O Futuro não espera por ninguém”
2 – Estação da Estrada de Ferro Mogiana.
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ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 15 de janeiro de 2012
Conto (crônica) # 709 da Série 1.OOO HISTÓRIAS