Confusa

Não sei mais que idade tenho. É a que leio na identidade? Ou a que visto no espelho? Aquela que declaro, não sem um certo constrangimento, ou a que sinto orgulho em bradar? A que justifica dores e cansaços ou a que tenho que recalcular, de tempos em tempos, para ter certeza de que não me engano?

Aquela que sinto não é a que de fato tenho.

Conflitam a idade de minhas tantas lembranças com aquela de meus esquecimentos propositais. A das tantas vivências com a que me impele às inúmeras novidades que espreitam, intocadas, à minha espera.

E já suficientemente atrapalhada com minha idade real, eis que chega você e me confunde com sua juventude surreal. E insiste, como se esse intervalo fosse apenas um mero detalhe. Você exagera mas me põe de pé quando estou caindo: nas palavras que ouço de sua sedutora boca, existe uma deusa sem idade - uma que relembra a toda hora nossa diferença, para que volte a observar tudo por uma perspectiva que não fuja ao controle.

(Deuses controlam tudo.)

E com o péssimo hábito de prever o futuro, penso nos vinte anos vindouros. Quando você, no apogeu do homem, suaves fios de prata expondo o charme de sua virilidade, jamais olharia para a sombra daquilo que fui: quem sabe já senil, olhar perdido num passado longínquo, cada vez mais confusa. E não apenas com relação à idade.

Você me bagunça com sua teimosia. Você me atrapalha com seus argumentos. Você tem toda uma vida à frente; eu não. Você tem energia de sobra; eu não. Você tem trinta anos; eu não.

Você não tem nada a perder. E eu... Também não.

(Deuses me ajudem.)

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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Você me bagunça"

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