Perdoa

...tentação. Ela é uma tentação. Se isso é coisa do demônio, ela é um brinquedinho dele. Filé fresco de prender cão faminto. sim, senhor! É coisa formada perfeita aqueles peito, a blusa apertada cheia arredondada nas parte de cima. E o cabelo? Preto lisinho que brilha até sem um pingo de luz. Ela tem uma boca bem desenhada, de fazer coisa com ela que não posso falar e que arrepio quando vem na cabeça. Mas o que tentou, ah o que tentou foram os olhos. Os olhos! Aquelas bolinha verde clarinha pra dentro dos meus. A cara completa certinho o fogo daqueles olhos que apontam e puxam, falando: "vem!". Quando bate olhar no outro arrasta. E todo resto vem que nem cachoeira, devastando e é mão que não se sabe mais nem onde. Daí é pele nossa brigando faiscando mais que barra de ferro batendo no asfalto. Eu chorei feliz, caboclo! O chapéu perdi até, não sei mais em qual das visita. Nesse couro de quarenta e quatro anos que carrego na bota nunca sonhei ouvi falar das coisa que ela faz comigo. Nem vi nos livro dos guardado escondido, nem co'a minha mulher, que não sabe pouco, nem no barzinho do Zé Lezão daonde gira a penca das atendente calejada. Nem vinte anos direito e a menina já ensina elas tudo! Se não sou católico era capaz de jurar que foi pingando de vida em vida e trazendo junto pra outra casca o fogo e as história com trabalho de descobrir e gravar pra aproveitar depois. Me dá até batedeira falando agora, o pulso tá britando. Muita emoção, é muita emoção, padre. Mas depois penso na minha Glória e nas criança, penso em Deus... por isso tô aqui. Padre, o senhor tá bem? Tô escutando respiração forte. Daqui do lado de cá da cabine não tô vendo o senhor direito, mas tô sentindo até tremer a gradinha. O senhor tá bem?

- Estou, filho. Prossiga.

- O senhor me perdoa o descuido, tô pra confessar e acabei contando coisa que nem era devido. O senhor é padre, é mais velho que eu... uns anos só, mas lhe devo respeito pelo senhor ser padre e por ser mais velho. Ó pro senhor vê: tô até sem graça de sentar aqui nesse banco bonito, padre. Tô todo empoeirado, sujo até nas mão. Vim direto do serviço, porque a culpa tava já muitos dia que nem um alicate pinçando no sovaco.

- Como é o nome dela?

- Ah... padre... num devo.

- Não se preocupe, João. Você está falando com Deus, não comigo. Qual o nome dela?

- Daniela, padre. A filha do dr. Nicolau.

A porta do confessionário foi aberta com força e João Carlos chegou a pensar que o padre estivesse fugindo, apressado. Mas este se dirigiu à entrada ao lado. O padre agarrou o fiel pela gola da camisa com mãos de ferro e o derrubou no chão. Retirou em poucos segundos a batina, abandonando-a do lado dele. Desferiu chutes com tal força que as pancadas ganhavam eco dentro da igreja. Deitou-se sobre o corpo do agredido, acertando socos em sua cabeça coberta inutilmente por braços trêmulos. Falou enquanto socava: "te reconcilio! Estarás em breve ao meu lado, por minha própria graça!". O nariz já sangrando, os olhos desacreditados de João, que não gritou nem mesmo no primeiro golpe, agarrado agora nos cabelos e a cabeça batida contra o chão. "Te purifico de todos os seus pecados e faço de você um novo homem, seu verme!". O padre percebeu que a vítima perdeu a consciência. Observou por alguns segundos o corpo imóvel e o rosto roxo ensanguentado. "Amém", disse, e se levantou. Estava exausto. A respiração, sonora e vagarosa, aliviava . "Teus pecados estão perdoados. Ide em paz",concluiu, como se João Carlos ainda pudesse ouvi-lo. "Pode ir", pediu, chutando-o de leve. Arrastou o fiel para dentro de uma pequena sala no fundo da igreja.

Em seu quarto, abriu a gaveta da escrivaninha e observou o revólver prateado. Checou o tambor: cinco balas. Do lado, um celular, que recolheu para fazer uma ligação. No visor, o nome "Dani". "Pode falar agora? Sim, meu amor, estou na igreja ainda. Vai poder me ver hoje à noite? Que bom, tenho uma surpresa para você. Também te amo. Beijo".