687-OS CASTIÇAIS DESAPARECIDOS- Biografia de Pedro Gobbo
Diferentemente das incursões anteriores de meu pai na criação de obras de arte com utilidade (no caso dos quebra-luzes de chifres e porta retratos de bambus), a produção de castiçais de madeira não foi motivada por período de falta de serviço de carpintaria, mas sim em resultado de uma obra mais importante.
Tendo concluído a construção do altar para a capela do Orfanato Monsenhor Felipe, todo em madeira e ornando de centenas de entalhes, papai acrescentou quatro castiçais torneados, de madeira escolhida entre as melhores: o mogno.
Foi um adendo ao monumental trabalho, uma finalização bem ao estilo do artista que era: para ele, acrescentar mais algumas peças artísticas ao conjunto da obra era coisa simples e quase que necessária. Talvez ele pensasse como Michelangelo que, ao terminar a imponente escultura de Moisés, bateu com o martelo de escultor no joelho da estátua, gritando com orgulho: “PARLA!”
Eram torneados e cada um sustentava cinco velas: uma vela central ladeada por quatro braços colocados em forma de cruz, cada braço com outra vela. A base, também torneada, era um florão, em torno do qual estavam incrustadas harmoniosamente quatro pequenas cruzes estilizadas, de madeira branca como marfim.
A primeira missa na capela com o novo altar foi celebrada por Dom Rafael, Bispo da Diocese. Após a cerimônia, os presentes tiveram ocasião de admirar o trabalho do marceneiro-entalhador.
D. Rafael não poupou elogios, e perguntou ao autor da obra:
— Os castiçais também foram feitos pelo senhor?
Ante a resposta positiva de meu pai, novos elogios saíram da boca do bispo, ao que papai respondeu, com sincera modéstia:
— Sou apenas um instrumento nas mãos de Deus. E quando a ferramenta é boa, metade do trabalho já está feita.
Sorrindo, Sua Eminência abençoou papai e disse:
— Quero que me faça alguns castiçais para a Catedral de Guaxupé.
Nem bem meu pai havia começado a tornear os castiçais para Dom Rafael, começaram aparecer pessoas querendo comprar castiçais. Um emissário do coronel Zizito chegou com encomenda de meia dúzia, para a Igreja Matriz, da qual ele, coronel, era provedor. Para a Capela de Nossa Senhora da Abadia veio outra encomenda.
Papai ficou surpreso. Afinal, eram obras (a seu ver) tão simples... Mas é que ele não acompanhava os comentários favoráveis de Zezé Amaral, diretor da Radio Difusora Paraisense, nos diversos programas da emissora — uma propaganda gratuita que o grande amigo lhe proporcionava.
Durante alguns meses — acho que por mais de um semestre — meu pai se dedicou a fazer castiçais. Era rápido na confecção e para que não houvesse diferença nas peças torneadas, por mínima que fosse, ele fez alguns “padrões” de latão. Antes de retirar cada peça do torno, aplicava o “padrão” e o torneado tinha de se encaixar com perfeição.
Não se sabe a quantidade de castiçais feita por meu pai. Muitos ainda estão nas igrejas e capelas de Paraíso. Quanto aos quatro primeiros, desapareceram. Com o fechamento do orfanato “Instituto Monsenhor Felipe”, o altar e os móveis da capela tomaram rumo ignorado. Talvez estejam em mãos de algum antiquário ou colecionador de obras de arte.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 15 de outubro de 2011
Conto # 687 da SÉRIE MILISTÓRIAS