Conto desinteressante

Içou as pálpebras. Não viu nada além da penumbra que o envolvia desde sempre. Poucos passos o separavam da janela mas a distância, enorme. (A cama era sempre mais confortável.) O quarto, quadrado; o restante, quadrilátero, cheio de ângulos retos. Desatou os nós das amarras que lhe censuravam passos largos. Nem estavam tão apertados mas só agora quis desamarrá-los. Tentou levantar-se. O longo período que permaneceu inerte deixou fracas suas pernas. Estava pesado também. O mínimo esforço que fazia para alcançar a comida colocada por uma abertura na porta (que nunca fez questão de ver se estava trancada ou não) contribuiu para isso. Talvez não tenha tentado abri-la na possibilidade de não encontrar nada além de outro quarto, também quadrado, anteposto a outro quarto, quadrado. Mas um estranho estalido no cérebro, vindo não sabia ao certo de onde, pois não entendia muito a respeito do funcionamento daquele órgão, levou-o a querer abrir a janela. A possibilidade de abri-la era perturbadora. A janela parecia ora tão longe, ora tão perto; por vezes, inexistente. Mas sempre esteve ali. Tentou ficar de pé. Muita tontura até encontrar um ponto de equilíbrio. Teve náuseas. Como um autômato enferrujado, deu o primeiro passo, cambaleante, tal transeunte etilizado. O além-quarto fazia-o tremer. Hesitou. A cabeça doía. Mas haveria de fazê-lo. Um segundo passo, um pouco mais firme. A janela, mais próxima. O quarto, ainda enraizado em sua mente. Mãos e pernas trêmulas. Medo. Vertigem. Passo. Dor articular. Medo. Dor. Medo. Passo. Mão no trinco. Um arrepio percorreu-lhe o corpo. Haveria de fazê-lo. Não haveria de fazê-lo. Não, haveria de fazê-lo! Tontura. Suor. Dor. Medo. Dor. Taquicardia. Nhééééé...

O contato com a luz que nunca vira fê-lo cego. Seus olhos ardiam em brasa. Ficou assim por um longo período. Quando conseguiu enxergar, sentiu uma dor de cabeça quase insuportável. Seu cérebro expandiu-se demasiado, pressionando a caixa craniana a ponto de quase explodir. Um feixe de luz iluminou sua cabeça. Pulou a janela e invadiu o mundo.

De vez em quando volta ao quarto. "É para não enlouquecer", diz. Mas nunca mais fechou a janela.

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 05/03/2015
Reeditado em 05/03/2015
Código do texto: T5159521
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