681-MATE-ME, POR FAVOR- Criminal
— Preciso de alguém que me faça um serviço. Que não tenha medo de matar.
Ela falou com decisão. O homem ouviu com atenção. Ex-presidiário, desempregado e precisando desesperadamente de dinheiro, Robson esperava calado que a moça falasse logo o que querida.
Deve ser pra matar o marido ou o amante. Pensou.
— Você tem arma? — Ela perguntou e antes que ele respondesse, prosseguiu – Tem de dar dois tiros certeiros. Na cabeça. Sem chance de sobreviver.
— Pode deixar, dona. Sou bom nisso e tenho arma, sim. Quem devo matar?
— Eu. Quero alguém para me matar. — Disse com naturalidade.
— HÂN? A senhora quer me pagar para lhe matar? Tá brincando...
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Rafaela era bipolar. Por semanas passava feliz e alegre, era capaz de namorar, manter relacionamentos, levar uma vida normal. Em seguida, vinham os dias de baixo astral, de desânimo, depressão e até desejo de autodestruição. Dias que se estendiam por semanas e até meses.
Estava com 35 anos e nos períodos de aparente equilíbrio emocional, era uma mulher bonita, alegre e comunicativa. De estatura mediana, esbelta e elegante, sabia se trajar e era notada onde aparecia. Usava cabelos longos emoldurando um rosto de pele clara, olhos castanhos e boca de lábios bem feitos, dentes alvíssimos e sorriso encantador.
Era uma lutadora: desde os tempos de faculdade, quando começou a ter períodos de depressão, que enfrentou com tratamento psiquiátrico e medicamentos. Formou-se em Direito na faculdade de sua cidade, no interior de Minas e montou escritório de advocacia com uma amiga. Após seis meses ou pouco mais de um relacionamento profissional tranqüilo e produtivo, as duas se desentenderam. E no meio das discussões acaloradas, Rafaela veio a saber que era filha adotiva. Uma onda de desgosto, decepção e pensamentos de rejeição tomou conta de Rafaela.
Superou aquela fase, como havia superado outras anteriores. Conheceu Roberto. Casaram-se e foram morar em Porto Alegre. Ele, alto funcionário de um banco, passava no escritório o dia todo. Rafaela ficava solitária em casa. Não quis ter filhos.
— Como vou ter um filho, com minha depressão? Numa dessas crises, posso ater afogar a criança. — disse ela ao marido, que, desgostoso, concordou.
Tentou arrumar trabalho, fez concurso e submeteu-se aos testes de saúde. Ao ter notícia de sua reprovação nos testes psicológicos, entrou em crise e quebrou tudo o que tinha em casa. E tentou se matar tomando dezenas de um comprimido antidepressivo.
— Rafaela sofre de transtorno bipolar. — Diagnosticou o médico que a atendeu. — Está sujeita períodos de baixas e altas emocionais, causa depressão e euforia, alternadamente. .
A explicação clinica confirmava todo o comportamento de Rafaela. E o médico informou só para o marido:
— Eventualmente leva a desejos de autodestruição. Ao suicídio.
Roberto telefonou para os familiares de Rafaela, pedindo-lhes que fossem buscá-la, pois não consegui mais conviver com a esposa.
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De volta à casa dos pais, Rafaela submeteu-se a um tratamento psiquiátrico e entrou em um período de relativo equilíbrio emocional. Comprou um carro novo, começou a freqüentar salão de beleza e até marcou uma lipoaspiração. Na Internet fazia parte de grupos sociais e passou a trocar mensagens com homens interessados em relacionamentos virtuais.
Aparentava estar em franca recuperação. Apenas uma amiga notou algo de estranho quando recebeu um telefonema de Rafaela.
— Você conhece alguém barra pesada?
— Como assim? — Admirou-se a amiga.
— Alguém para fazer um serviço especial.
A amiga não conhecia e ficou pensando que seria aquele serviço especial.
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— A senhora não está falando sério
— Rafaela. Pode me chamar de Rafaela. E nunca falei tão serio na minha vida.
Robson, ex-presidiário, na lona, precisava daquele serviço. Por pior que fosse.
Recebo o dinheiro e caio fora. Não vou matar essa dona... tão bonita e tão louca. Pensou.
— Qual é o preço? — Ela perguntou?
— Vinte mil. – Ele respondeu.
— Tá bom. Tome aqui dinheiro para comprar um galão de gasolina. Depois de me matar, você tem de queimar o carro com meu corpo dentro.
— Quando vai ser?
— Hoje à noite. Às 10 horas.
— E o dinheiro?
— Hoje, antes do serviço.
Passaram a discutir detalhes e o local. Tudo combinado, separaram-se.
Ao entardecer, Robson desenterrou o revólver, escondido antes de ir para a prisão.
Às vinte horas Rafaela já estava no local combinado: uma clareira no meio de uma pequena mata a dez quilômetros da cidade. Robson chegou alguns minutos depois, com um amigo.
— Trouxe a gasolina? — Ela perguntou?
— Tá aqui o galão. — Robson entregou-lhe o recipiente. Apressada, a mulher despejou o conteúdo nos bancos de seu carro.
Depois, tirou do porta-luvas um envelope pardo, que mostrou aos dois homens:
— Aqui está o dinheiro. Cadê o revólver?
— Está com ele. — Robson disse, mostrando a arma na mão do comparsa.
Ainda segurando o envelope em sua mão direita, ela ordenou:
— Atire antes de pegar o envelope. Depois, toca fogo no carro. .
Ambos se aproximaram da vítima. Robson pegou o envelope e correu. O outro não atirou.
— Volta aqui, bandido. — Ela gritou para Robson. E para o homem com o revólver:
— Que ta esperando? Vamos, mate-me logo!
O comparsa deu um tiro na cabeça de Rafaela. Ela rodopiou com o impacto e caiu de costas. Outro tiro certeiro selou a empreitada.
Robson sumiu na escuridão. O companheiro, friamente, acendeu um fósforo e jogo no carro. Labaredas levantaram-se com ímpeto imediatamente. Ele não ficou por perto. Estava longe quando ouviu o barulho da explosão do carro.
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Robson só abriu o envelope dentro de seu fusca. À frouxa luz do painel verificou que só tinha 2.000 reais.
— Desgraçada! O combinado era vinte mil.
Quando o companheiro chegou, alguns momentos depois, o revólver ainda quente nas mãos, Robson lhe mostrou o envelope com apenas os dois mil reais.
— Qual é, companheiro? Pensa que me engana? Passa aí logo os dez mil que combinamos.
— Mas aqui só tem dois mil...Ela me enganou!
O outro apontou o revolver para Robson:
— Olha, cara, deixa de ser besta.
Não chegaram a um acordo.
O silêncio da noite foi quebrado mais uma vez por três disparos de revólver.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 3 de agosto de 2011
Conto # 681 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS