672-A HISTÓRIA DE ROMA CONTADA POR VOVÓ BIA- 11º
11º.da série Histórias de Vovó Bia
Vovó Beatriz chegou da novena que assistia todas as noites na capela do colégio das freiras e sentou-se na sala de jantar, onde já estavam Francisco, seu irmão, a filha Maria e o neto Toninho.
Poucas palavras coravam o silêncio na sala. Podia-se ouvir os sons da conversa entre Arturzinho e o pai, Pedro, na oficina de marceneiro,no quintal.Vó Bia e Maria tricotavam. Tio Gordo (como os sobrinhos tratavam Francisco) aparentemente cochilava, mas girava sem parar uma moeda na mão direita.
— Tio Gordo, que dinheiro é esse?
Era uma peça grande, de uns quatro centímetros de diâmetro, que lançava brilhos dourados, despertando a atenção de Toninho.
Francisco arregalou os olhos, aprumou-se na cadeira e disse:
— Non é dinheiro, é una moeda comemorativa.
— Me Deixa ver?
O afável tio pega a mão de Toninho e põe a moeda.
— Prende firme perchè é pesada.
— Pesada, sim. Se fosse dinheiro, ia ser difícil de levar no bolso. — Diz o garoto.
Tem um brilho dourado que fascina Toninho. Corre os dedos por cima da imagem em relevo em uma das faces.
— Que é isso aqui? Um cachorro com dois cachorrinhos:
Tio Gordo, de olhos fechado, não responde. É a mãe quem o faz.
— Não é cachorro, não. É uma loba que dá de mamar a dois bebezinhos.
— Hein? Loba com duas criancinhas? Que história é essa?
— É uma lenda da fundação de Roma. — Disse Maria. —Não sei direito. Sua avó aqui é quem sabe dessa história.
Todos da família recorriam à Vovó Bia, quando se tratava de contar histórias reais ou imaginárias. Ela lia muito, em italiano e em português, tinha boa memória e falava com uma cadencia agradável e voz suave.
Silenciosa até aquele momento, ela entrou na conversa:
— É uma imagem muito conhecida na Itália. Foi uma loba que tinha parido uns lobinhos, que morreram e, tendo encontrado os dois bebezinhos, adotou e deu-lhe leite, salvando-os da morte. Mais tarde, esse dois, que se chamavam Rômulo e Remo, fundaram a cidade de Roma.
— Quando foi isso?
Vovô Bia acomodou-se melhor, puxou o xale, enrolando-o no pescoço, e contou.
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“Foi há mito tempo, muitos anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Numa cidade situada nas margens do Rio Tibre, chamada Alba Longa, havia uma moça muito linda, Reia Silvia. Esta moça não podia se casar, pois, de acordo com os costumes daquela época, era uma sacerdotisa que devia ficar no templo da deusa Vesta.Mas em certa ocasião, passando pela cidade o deus Marte, o deus da guerra, viu Reía Silvia e se apaixonou por ela. Ela também gostou do deus, e desse amor nasceram dois bebês. Gêmeos.
“Ora, se o amor entre a sacerdotisa e o deus Marte fosse descoberto, Reia Silvia estaria desgraçada, poderia ser até condenada à morte. A sacerdotisa principal do templo tomou os bebês de Reia e os colocou numa cestinha que depôs no rio Tibre, para que a correnteza os levasse. O cesto foi descendo, correnteza abaixo, até parar entre uns ramos e plantas das margens mais baixas.
“Marte, que estava atento ao destino dos dois bebês, fez com que o choro deles chegasse até a uma loba que tinha acabado de perder seus filhotes. Atraída pelo choro das crianças, a loba saiu do bosque e encontrou-o cestinho. Arrastou-o até terreno firme, e ofereceu as tetas às crianças, que, com fome, logo começaram a mamar. Cuidou dos dois como se fossem suas crias, alimentando-os, lambendo-os com sua longa língua e agasalhando-os durante a noite.
“Algum tempo depois, Um pastor de ovelhas encontrou os meninos e os levou para casa, onde sua mulher os criou. E como eram idênticos, passaram a chamá-los de Rômulo e Remo.
“Os irmãos gêmeos cresceram na cabana dos pais adotivos. Era uma vida em contato com a natureza, longe da cidade. Ajudavam o pai no pastoreio do rebanho, corriam pelas montanhas, brincavam nas águas do rio, caçavam animais selvagens. Cresceram fortes e muito espertos.
“Mas eram bem atrevidos e aventureiros. Com alguns companheiros, pastores como eles, atacavam salteadores que passavam por ali, para roubar-lhes os espólios.
— Roubavam os ladrões! — Interrompeu Toninho. Vó Bia Sorriu e continuou.
“Acusado de ser salteador, Remo foi capturado e levado à presença do rei Amúlio. Desgostoso, o pai adotivo resolveu contar a Rômulo a história de sua origem. Rômulo foi até Alba Longa, libertou Remo e os dois mataram réu Amúlio, que era um impostor.
“Mas nenhum dos dois quis ocupar o trono de Alba Longa. Verificaram logo que a população os hostilizava e que não havia futuro para eles naquela cidade. Acompanhados de todos os indesejáveis de Alba Longa, voltaram para o local onde foram abandonados e decidiram então fundar uma cidade só para eles. Para escolherem o local mais propício para a edificação da cidade, os irmãos consultaram os presságios.
— Presságio, vovó? Que significa isso?
— As pessoas daquela época acreditavam em muitos sinais para advinhar o futuro. É mais ou menos como hoje são as superstições. Por exemplo, acreditar que pio de coruja trás morte. É uma superstição que, nos tempos de Remo e Romulo, poderia ser presságio.
“Retomando a história: Remo foi até a colina de Aventino (uma das sete colinas da região) e viu seis abutres sobrevoarem o topo do pequeno monte. Romulo foi até a colina de Palatino de viu DOZE aves. Sinal de que alí seria o melhor lugar. Então Romulo demarcou o Palatino como ponto inicial da nova cidade.
“Romulo e Remo, entretanto, eram esquentados, se desentendiam com facilidade. Começaram a discutir sobre o local. Remo dizia que era sem proteção contra agressores vindos de fora. Entraram num luta corporal e Romulo acabou acertando uma pedrada na cabeça de Remo, que morreu. A nova cidade nasceu sob o signo da violência e da morte.
“A cidade veio a se chamar Roma e a sua fundação é datada de 753 Antes de Cristo. E como na região tem sete pequenos montes, é conhecida como a “Cidade das Sete Colinas”
— Então a história da Loba que amamentou Remo e Rômulo é verdadeira?
— É o que se chama de Mitologia: pode ser verdade, mas está mais para imaginação. De tanto ser contada, por tanto tempo, até parece que é verdadeira.
Colocando o tricô de lado, Vó Bia levantou-se e dissse:
— Agora, vamos dormir.
— Vou sonhar com a loba que deu de mamar aos dois bebês. — Disse Toninho.— E com o deus Marte que não deixou seus filhos morrerem afogados.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 3 de junho de 2011
Conto # 672 da Série 1.OOO HISTÓRIAS