671-O LIVRO MISTERIOSO DE VOVÓ BEATRIZ-Serie Vovó Bia # 10

10º. Da Série Histórias de Vovó Bia.

Vovó Bia tinha um livro do qual não se separava. De capa preta, protegido por sobrecapa de couro, com sinais de muito uso: um missal que usava todos os dias, para suas rezas em particular ou para quando ia à igreja.

Levava-o até mesmo quando ia às novenas de Nossa Senhora, todas as noites do mês de maio, na capela do colégio das freiras. O fato de mantê-lo sempre guardado na gaveta do criado-mudo de seu quarto, como se fosse um tesouro despertou a atenção de Toninho, o neto curioso e perguntador.

— Vovó, que livrinho é esse que a senhora usa sempre que vai à igreja?

— É um missal. Tem as orações para acompanhar as missas de todos os dias do ano.

A explicação não satisfez o garoto.

— Me deixa ver?

Vovó, que estava justamente chegando da missa, entregou o livro para o neto, dizendo:

— Veja, enquanto tomo café. Mas com cuidado. É um livro muito antigo.

Toninho ficou fascinado ao manusear o livro. Desabotoou a sobrecapa, que se fechava por trás, constituindo um estojo, e abriu o livro. Era menor, em tamanho, de que o livro Meninice, da escola, mas tinha muito mais folhas, de um papel bem fino, parecendo papel de seda. Mas ficou um tanto decepcionado. O livro era em outra língua. Como a vovó viera da Itália (isso ele sabia), aquelas palavras só poderiam ser da língua italiana. Folheou nova surpresa: cada página era dividida ao meio e cada metade estava numa língua diferente. Poucas ilustrações. Perdendo o interesse inicial, deu uma folheada ainda mais rápida. Ao chegar às últimas páginas, uma surpresa: muitas páginas em branco, e algumas delas manuscritas. Tinha anotações com datas, que, da mesma forma, foram ininteligíveis ao garoto. Mas a letra era bonita, tão bonita e bem feita como a de Dona Marocas, sua professora.

Antes mesmo da nona Bia terminar o café, Toninho devolveu-lhe o livro.

— Não entendi nada. Não sei ler essa língua estrangeira.

— Sim, está em italiano. Um dia você aprende e poderá ler este missal e muitos outros livros. Jornais, revistas. Seu tio Francisco recebe jornal em italiano, sabia?

— Mas tem outra língua aí. As páginas têm uma linha no meio e de cada lado tem uma lingua diferente.

— Si, é o latim. As orações são em italiano e em latim.

— Mas no final tem notas escritas a mão.

— São registros de datas importantes: nascimento e mortes das pessoas da família, casamentos, e coisas assim.

— Faz tempo, então, que a senhora tem esse livro?

— Ganhei de mamãe quando vim para o Brasil. Ela me disse “Use pra rezar e vai anotando tudo de importante que acontecer na sua vida nas páginas do fim”. Ela mesma tinha anotado os nomes dela, de vovô, e uma lista com nomes dos tios, tias, com as datas de nascimento.

Vvó foi explicando:

-- Ai tem o dia em cheguei ao Brasil, meu casamento, os nascimentos de meus filhos e filhas, seus tio e tias, e assim por diante. Tem registros de toda a família.

— Meu nome também está aí?

— Claro, Vamos ver.

Abrindo o livro nas últimas páginas, a gentil senhora foi passando o dedo indicador, de cima para baixo, procurando um registro. Parou numa linha e mostrou para Toninho:

— Aqui está. — E mostrou ao neto seu nome com a data de nascimento.

Toninho olhou fascinado. Que coisa! Nesse livrinho posso saber muita coisa da nossa família, pensou.

A avó fechou o livro e abotoou a capa.

— A senhora me mostra depois outras datas? — ele perguntou.

— Si, Si. Outro dia. Agora tenho de ajudar sua mãe. Hoje é domingo, tenho de preparar a macarronada.

Ela levantou-se e dirigiu-se para o quarto. O olhar curioso de Toninho a acompanhou vendo-a, pela porta entreaberta, guardar na gaveta da mesinha-de-cabeceira o misterioso livro de duas línguas.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 1º. De junho de 2011

Conto 671 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/02/2015
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