O ABORTO DAS OUTRAS
O ABORTO DAS OUTRAS
Maria Eduarda está crescendo rápido. Quer doar os brinquedos que não usa mais menos o porquinho de borracha que ganhou do avô assim que nasceu. Ele será o primeiro dos seus presentes para o bebê que está na barriga da mamãe, que ela espera feliz, sonhando com o irmão que vai te fazer companhia pelo apartamento recém comprado,no seu novo quarto rosa e azul.
Vitor foi planejado, o primeiro neto de um avô orgulhoso pelo bebê que será seu xará,o parceiro sonhado dos domingos de futebol no estádio do seu time do coração. Desejos um tanto óbvios,mas sinceros e cheios de amor.
Sandra sabe que a filha ama desfilar os cabelos loiros e finos em traças enfeitadas e hoje tenta disfarçar o desconforto ao ver sua princesa ir para a escola decepcionada com o rabo de cavalo que odiou. A desculpa do atraso foi inventada, a culpa pelo descontrole da inércia dolorida não.
É quando Maria está na escola que Sandra visita os médicos que testam a sua paciência.E enquanto Maria conta para os coleguinhas sobre o irmão que será seu melhor amigo ela se entrega à uma espera que não se concretizará.
Sandra e Miguel sabem de cor os problemas que desfiguram e darão ao filho que esperam apenas algumas horas de vida. Miguel sente os olhos arderem a cada ultrassom que só a ele é permitido ver. Sua mulher emudece diante da incapacidade de decidir o próprio futuro.
Não quer matar seu filho, mas também não suporta ser vista como uma incubadora que abriga um bebê sem destino. Mas está rouca de tanto argumentar e com as mãos doloridas pelas inúmeras entregas de encaminhamentos para médicos que dizem não poder fazer nada. Se o coração do bebê está batendo não há porque tirá-lo agora, não existe a mais remota possibilidade de uma cirurgia. A lei não ampara, eles não podem contrariar e nem se compadecer pelos cinco meses de vazio que aguardam Sandra de braços fechados.
O casal que odiava segredos agora se fecha em uma batalha perdida. Imaginar a decepção no rosto do pai de Sandra e da filha mais velha machuca, mata a vontade de continuar. Castigo com começo e sem fim : o que será deles, de seus planos?
Maria desenha sua família como a professora pediu: pai e mãe de mãos dadas, ela e o irmão nas cores que mais gosta. Em cima da figura menor um nome: Vitor.
A linda e loira menina espera por um irmão que não vai
conhecer,o avô não abraçará o neto já amado.Vitor não sobreviverá.
E vai levar com ele a alegria e a fé que foram abortados de sua mãe e seu pai.
D.SConsiglio