COMO PARAR O TEMPO

Tomás se voltou para Eduardo e perguntou:

- Ao pararmos um relógio pararíamos o tempo também?

- Claro que não!

- Não se apresse! Vamos refletir um pouco sobre isso.

- Tudo bem, embora eu ache que não poderemos evoluir muito a partir desse ponto... Então vamos começar determinando o real sentido da sua pergunta.

- É um ótimo começo.

- Você perguntou: “Ao pararmos um relógio pararíamos o tempo?” Pois bem, creio que as palavras-chaves aí são “relógio” e “tempo”.

- Já eu, Eduardo, acho que o essencial é definir o que é estar parado.

- Vamos por esse caminho então.

- Você concordaria que estar parado no espaço é o mesmo que não mudar de posição no espaço?

- Sim, parece justo.

- E que se quisermos estabelecer um conceito mais amplo para o que é estar parado devemos nos apegar à ideia de mudança?

- Como assim?

- O que proponho é que, de modo geral, “parado” é sinônimo de “aquilo que não muda”. Desse modo, estar parado no espaço é não mudar sua posição no espaço e estar parado no tempo é não mudar sua posição no tempo.

- Parece correto. Embora a expressão “não mudar sua posição no tempo” pareça confusa por misturar a noção de espaço com a noção de tempo. Creio que as expressões “posição no tempo” ou “lugar no tempo” não significam nada.

- Ainda assim elas são úteis.

- Creio que são mais confusas do que úteis, dado que podem ser substituídas por expressões como “momento” ou “época”. Mas, de qualquer modo, sua questão enfrenta novos obstáculos. Pois, dado o seu conceito para o que é estar parado, a rigor, a própria noção de relógio parado seria inviável no mundo real. Isso porque embora os ponteiros não mudem de posição, o material utilizado na fabricação do relógio jamais parará de mudar: o metal oxidará, o plástico ressecará, o vidro quebrará etc.

- Percebo. Ainda assim creio que podemos superar esse obstáculo.

- Como?

- Basta que consideremos um relógio infinito. Feito de materiais insuscetíveis de deterioração.

- Trata-se de uma abstração!

- É possível que se trate de uma abstração, mas imaginemos um.

- Certo.

- Um relógio infinito parado pára o tempo?

- Continuo respondendo que não. Qual é sua resposta para essa pergunta?

- Minha resposta é sim.

- Mas é impossível, Tomás! A própria ideia de que o tempo parou (mesmo que seja por poucos segundos) não faz sentido. Ora, tivesse parado mesmo, não seria possível medir a duração desse repouso! Não seria contraditório dizer que um relógio infinito parado pára o tempo se um observador do fenômeno continua a envelhecer e a mudar a despeito de o relógio estar parado?

- Mas a contradição é apenas aparente. É que tudo que muda (seja um átomo radioativo, um vulcão, um relógio ou um homem) cria, com a mudança, o tempo ao seu redor. Dizendo de outro modo: só aquilo que muda pode existir no tempo.

- Concordo que o requisito para que algo exista no tempo é que esse algo mude. Mas não concordo que a mudança dos seres e objetos gere o tempo ao seu redor. Essa ideia insinua que cada ser e cada objeto possui o seu próprio tempo...

- Isso mesmo.

- E que não existe um tempo absoluto...

- Sim.

- Não concordo com você nesse ponto, mas prossiga.

- A velocidade no tempo de tudo que muda é proporcional à velocidade de sua mudança. Como existem materiais e pessoas que mudam muito lentamente e outros que mudam rapidamente, temos que o tempo não flui na mesma velocidade em todas as partes do universo. Dito isso, volto à minha ideia inicial, a qual reformulo: Quando um relógio infinito pára, também o seu tempo pára.

- O que parece correto, desde que se admita, hipoteticamente, a existência de um relógio infinito e desde que se conceba o tempo não como algo absoluto, mas relativo. Mas esses dois problemas: o prático, que é a impossibilidade de que exista um relógio infinito, e o conceitual, a respeito do conceito de tempo, parecem-me intransponíveis.

- Então você não vê qualquer incoerência interna no meu argumento e acha que, uma vez que sejam superados esses dois óbices, quem quer que pense sobre o assunto estará forçado a aceitar que ao se parar um relógio infinito paramos também o seu tempo?

- Sim.

- Então veja como já evoluímos bastante desde a minha primeira pergunta.

- Saímos do lugar, mas não evoluímos. Apenas andamos em círculos.

- Como os ponteiros de um relógio?

- Sim, Tomás, como os ponteiros de um relógio.