657-VÍTIMA CIVIL DE GOLPE MILITAR-História do Brasil
Para Patápio Silveira, aquela sexta-feira 15 de novembro de 1889, era um dia esperado há muito tempo, pois seria seu último dia de trabalho como empregado do correio.
Tomou o café bem cedo e apressadamente beijou a esposa e a filha.
Morava em Madureira, já naquela época importante subúrbio da Cidade Maravilhosa.
— Tenho de andar depressa. Não fica bem chegar atrasado no meu último dia de serviço. — Disse à esposa, vestindo o paletó azul marinho, parte do uniforme de trabalho.
Tomou o trem para o centro do Rio. Ouviu comentários a respeito da situação precária em que se achava a Corte. Depois da Lei Áurea, editada em maio do ano anterior pela Princesa Isabel, o descontentamento dos proprietários rurais era grande e ficou difícil para Dom Pedro II formar gabinetes que satisfizessem a todos.
— O Imperador perdeu as rédeas do governo. – Disse um senhor ao seu lado, dobrando um jornal que acabara de ler.
— Fala-se num governo de emergência. — disse outro.
— Seria melhor que o Imperador renunciasse. Ele não tem jeito para governar. Gosta mesmo é de viajar. — Falou um terceiro passageiro.
Silveirinha (era assim que todos o tratavam) nada disse. Sabia que os preços dos gêneros estavam subindo muito e que uma crise estava acontecendo na Corte. Mas não estava preocupado com isto, e sim com seu último dia de trabalho.
Ao chegar à repartição, cumprimentou os colegas e assumiu seu posto, encarregado que era da distribuição de cartas, jornais, revistas e pacotes aos carteiros que faziam a entrega nas ruas. Nos seus quarenta anos de serviço, conseguira subir diversos degraus na carreira: tendo começado como carteiro de rua, passou por diversos estágios e atualmente trabalhava confortavelmente numa sala grande e clara, cheia de escaninhos, correspondentes a ruas e praças do centro da cidade.
À tarde, no horário de encerramento, despediu-se dos colegas. Seu chefe imediato o cumprimentou:
— Parabéns, seu Patápio. Nós sempre nos lembraremos de sua colaboração para o bom funcionamento desta repartição. Oxalá tivéssemos mais funcionários com a sua dedicação.
Emocionado, Silveirinha agradeceu a todos e presenteou o carteiro mais novo com o quepe que usara por mais de quarenta anos.
Saiu da repartição emocionado.
Finalmente aposentado!
Passou no bar da esquina para uma conversa rápida com alguns amigos do local e soube que havia pela cidade uma movimentação de tropas inusitada, que um marechal Deodoro havia feito uma proclamação e que o Imperador fora deposto.
Entre os amigos, a conversa corria despreocupada, pois aquele assunto de Imperador, tropas e política não interessava muito ao povo em geral.
Mal sabia ele, Silveirinha, que a trama do destino o envolveria fatalmente naqueles acontecimentos.
Dirigiu-se ao Campo de Santana, onde pretendia tomar o bonde para voltar ao lar. Viu com certo receio a movimentação das tropas: a cavalaria indo e vindo pelas ruas, gritos de comando militar, essas coisas próprias de um golpe de estado.
Silveirinha avistou um cavalo caído no meio da rua. Curioso, aproximou-se, quando se deparou com uma briga entre um cadete e um oficial. Viu quando o cadete sacou da arma e acertou no oficial.
A confusão se estabeleceu, pois outras pessoas também haviam se aproximado do local. Assustado, Silveirinha correu. Viu um bonde se aproximando. Deu um pulo, na tentativa de alcançar o estribo do veículo que passava não muito rápido (os bondes eram geralmente lentos no centro da cidade).
Errou o pulo. E inexplicavelmente resvalou para debaixo das rodas do veículo.
Ferido mortalmente, ouviu, como num sonho evanescente, ali no leito de morte feito de trilhos, as exclamações da tropa:
—VIVA A REPÚBLICA! VIVA A REPÚBLICA!
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 15 de março de 2011
Conto # 657 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS