As cores que dão vida ao nada
A menina deitou-se no chão sujo e empoeirado da pequena casa sem se importar, ela própria não estava muito melhor.
Sem ânimo e cansada de mais um injusto dia de trabalho, ela desejava em segredo, mesmo que se repudiasse por isso, poder ser como as outras crianças, não que alguma delas vivesse tão melhor, mas como a própria sempre imaginava: “Suas vidas deveriam ser mais razoáveis”.
Com muita força de vontade ela se sentou e passou a observar ao seu redor, de interessante? Nada.
De necessário? Nada.
Nada e mais nada.
Naquele lugar nada parecia fazer sentido, nada parecia ter utilidade ou no mínimo despertava a curiosidade da menina, portanto, se nada a agradava perder-se em sua própria mente lhe parecia uma ótima opção, ao menos lá ela teria algo de novo para ver.
Jamais teria encontrado a caixa se não fosse o gato preto que pulou da janela para seu colo, o animal instantaneamente a retirou de seu momento de reflexão sobre o nada e a trouxe para a realidade com um susto.
E foi bem assim que aconteceu, na tentativa de expulsar o visitante inesperado que, aliás, gerou uma engraçada e irritante disputa, ela encontrou a caixa de madeira embaixo de um armário caindo aos pedaços.
Maravilhada, porém receosa, ela analisou a nova descoberta com cuidado, seria possível encontrar algo que valesse a pena naquele lugar de velharias? Se sim ou se não a única forma de saber era abrindo a caixa.
Ela se sentou e arrastou a recém-descoberta para mais perto de si, o gato, que obviamente saiu vencedor da disputa, deitou ao seu lado e se acomodou como se a menina fosse o mais confortável dos encostos, mas ela não pareceu se importar, na verdade estava tão empolgada que se esqueceu de notar.
Seus olhos, acostumados ao mundo sem graça e escuro no qual vivia, brilharam de encanto ao ver tantas cores diferentes ao mesmo tempo, ela pegou um giz e sentiu um aroma diferente e difícil de descrever com palavras, ela passou o giz no chão e de um tom azul começou a pinta-lo, então ela pegou o verde, o rosa, o branco, o amarelo, e ainda sentada na frente da caixa, desenhou o mundo que tanto sonhava naquele chão sujo e empoeirado.
As cores vibrantes a fizeram sorrir, mesmo ela não sabendo o porquê.
Então uma ideia lhe ocorreu, se dentro dessa casa algo tão lindo foi encontrado, o que será que poderia encontrar lá fora se ela procurasse com cuidado?
Levantando-se com um salto acabou assustando o pobre e folgado gato, mas estava tomada por uma coragem totalmente inesperada e assim sem parar para pensar, correu para fora.
Ela deixou a caixa, mas certamente voltaria para casa, então não havia com o que se preocupar, o gato apenas se espreguiçou e voltou a dormir, dessa vez sobre o desenho do arco íris que a menina fez com as mãos e um pouco de imaginação.