MENOR QUE MEU SONHO, NÃO POSSO SER - emprestado de Lindolf Bell
Uma velha e sempre providencial história.
Um estava na esquina, encostado a parede. Encolhido e quieto, sem nada para ser notado. Era Um comum. O Outro andava pela calçada. Vinha em paz. Com uma moeda na mão, buscava alguém que a merecesse: sua boa ação daquele dia. Com ela, Outro sabia que qualquer Um, poderia ter alimento, teto, boa saúde, crescer, tornar-se letrado, enfim... usufruir do melhor das coisas. Quando Outro viu Um, parou radiante e estendeu-lhe a moeda. Perfeito! Completava sua benemerência. Entronizava-se nos benefícios dos céus!
Um agradeceu a generosidade, mas não estendeu a mão para a moeda. Não aceitava a oferta. “Não?!” O Outro estranhou: “um miserável não aceitar!?” Talvez ruídos na comunicação... e insistiu na oferta. Um disse que se o Outro quisesse dar-lhe alguma coisa, que lhe desse ouvidos por sete minutos: “apenas sete! só sete!” Desse, e Um estaria recompensado. Teria recebido o donativo. “Está bem!” O outro concordava. “Mas... porque sete?”
Com paciência secular, principiou falando dos sete... pecados capitais! E falou muito sobre eles! Bastante mesmo! Depois disse das sete idades do homem, dos sete planos da evolução, das sete virtudes humanas. “O sete – enfatizava – traz a ideia de totalidade, do completo!”
Argumentando acerca do sete na história, astronomia, teosofia, esoterismo, filosofia, física, e outros conhecimentos, Um passeava por todas as ciências, crendices e sabedoria popular, tirando o véu do número da perfeição. Assim, as sete rondas planetárias e as sete raças-raiz foram sendo vislumbradas, da mesma forma que os sete elementais, as sete divindades que regem a natureza. O significado do sete ia sendo disseminado ao vento... Estacionados em pé, ali na calçada, Um e Outro permaneceram dias e dias numa interminável interlocução. Um delírio, navegando entre o céu e o centro da terra, com gostoso gosto de mel. Depois de quase terem penetrados no insondável, Um perguntou ao Outro: “tenho agora os sete minutos de sua atenção?” O Outro disse sim apenas com o cintilar dos olhos. Então Um falou: “para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim como em cada lago, a lua toda brilha, porque alta vive.” Dito isso, arrematou: “menor que meu sonho, não posso ser”, um micro poema de seu amigo poeta. Cravados sete minutos, sem necessidade de conferir o relógio, Um não abriu mais a boca, porque nada mais precisava ser dito. Acenou grato pelo tempo concedido, e assim foi se despedindo do Outro. Atravessou a rua, procurou o melhor jeito de ficar exposto ao sol e pôs-se a espera.
Ainda com coisas intrincadas mexendo por dentro, o Outro que tentava compreender melhor aquele encontro, viu que não demorou nada para Outra pessoa – agora com duas moedas, uma em cada mão – surgisse e se dirigisse ao Um. A Outra aproximou-se de Um, e... o mesmo ritual!
O Outro, repentinamente sobressaltado, abandonou o caminho que deveria ir em frente e deu meia volta. Correu o mais rápido que pode para chegar em casa. Agia como alguém que não poderia perder mais tempo. Vasculhou por todos os cantos até encontrar o “empoeirado” Fernando Pessoa. E logo que pegou o poeta, mergulhou no próprio. Não demorou muito gritou agoniado, como se tivesse em transe: “EU! DEVORANDO POESIA!?”
Pensou que estivesse doente, delirando. Mas não estava não. É que Um tinha engravidado Outro. Pressentindo isso, voltou aos poemas.