Título da Peça: AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER (emprestado de Camões)
Gênero: Tragédia
Época: Qualquer tempo
Personagens: Sempre uma mulher e um homem
Cenário: Um barraco, um simples apartamento ou um palácio
Sexta-feira, seis e meia da tarde.
A mulher estava na frente do fogão há meia hora. Mexia vagarosamente uma sopa. O olhar perdido dentro do caldeirão. O barulho da chave na fechadura trouxe-a de volta ao chão da cozinha. Instintivamente os olhos procuraram a direção da porta abrindo-se. E quase imediatamente retornaram a mergulhar na sopa.
O homem entrou. Trancou a porta e atirou o molho de chaves na mesinha de canto. Tirou a carteira do bolso da calça e fez a mesma coisa. Sentou no sofá e abriu o jornal que carregava. Depois de ler qualquer coisa, levantou e ligou a televisão. Nem mudou de canal e voltou para a mesma posição no sofá. Voltou a ler. Depois fechou o jornal segurando-o com as duas mãos sobre as coxas para ver a teve.
A mulher desligou o gás. Pegou o caldeirão e o colocou no centro da mesa. A da cozinha. Pegou dois pratos fundos, duas colheres e a concha. Deixou os pratos, com as colheres dentro, um na frente do outro. Nos extremos da mesa. Tirou o avental e sentou. Serviu-se três vezes. Apoiou os cotovelos na mesa e mantendo o olhar imerso na sopa, começou a tomá-la.
O homem deixou o jornal no sofá, a televisão ligada e foi para a cozinha. Sentou e colocou comida no prato.
A mulher terminou de comer. Levantou. Ajeitou a cadeira no lugar. Passou uma água no prato e na colher e deixou-os no escorredor de plástico em cima da pia. Pegou um copo e bebeu água da torneira. Enxaguou o copo e devolveu-o ao escorredor. Foi para a sala e sentou-se no sofá. Começou a ver televisão. Depois levantou e trocou de canal.
O homem acabou de tomar a sopa, levantou e deixou o prato na pia. Abriu a torneira e bebeu água com a mão em concha. Foi para a sala e sentou-se no sofá. No mesmo lugar de antes. Começou a ver televisão. Depois de um tempo pegou o jornal. Olhava e televisão e voltava para o jornal. Olhava e televisão e voltava para o jornal.
A mulher pegou uma revista e começou a folhear. Passava os olhos pelas páginas. Deteve-se mais em um anúncio.
O homem sem largar o jornal levantou-se e mudou de canal. Voltou à mesma posição no sofá.
A mulher fechou a revista e colocou-a no mesmo lugar que estava antes. Viu televisão. Depois levantou e foi ao banheiro. Lavou o rosto com água, tirou o vestido e ficou de combinação. Arrumou os cabelos com as mãos e foi para o quarto. Deitou de barriga para cima e colocou as mãos sobrepostas entre a cabeça e o travesseiro. Fixou o olhar no teto.
O homem largou o jornal, levantou e mudou de canal. Voltou para o sofá. Levantou novamente, mudou de canal e ficou em frente da televisão. Mudou outra vez o canal. Quase instantaneamente mudou de novo o canal. Mudou mais uma vez. Mudou. O tempo entre um canal e outro foi diminuindo até que o homem passou duas vezes por todos os canais, quase sem interrupção. Depois desligou a televisão, largou o jornal aberto no sofá, apagou a luz da sala e foi para o quarto. Tirou a camisa e a calça e jogou-as sobre uma cadeira. No lugar de cueca sempre usava um calção. Na sala já estava só de meias, sem sapatos. Deitou na cama também de barriga para cima. Colocou o braço entre a cabeça e o travesseiro e ficou olhando para o teto.
A mulher depois de um tempo virou para o lado da parece e encolheu-se em conchinha.
O homem depois de um tempo virou para o outro lado.
A mulher depois de um tempo levantou e apagou a luz do quarto.
Voltou para cama e dormiu