O CARNAVAL DE FELISBERTO
Gustavo do Carmo
Felisberto adorava carnaval. Não para pular em bailes e blocos, embriagar-se com amigos e dançar até acabar com as lindas foliãs. O carnaval de Felisberto era na frente da televisão, assistindo aos desfiles das escolas de samba.
Tinha obsessão pelos trajes mínimos e até ausentes das destaques, musas de alas, madrinhas e rainhas de bateria das escolas. Babava quando via um corpo seminu mal escondido pela fantasia. Principalmente se o corpo fosse de uma morena de olhos verdes que tivesse seios grandes.
A intenção de Felisberto era assistir a todas as escolas. Mesmo que varasse a madrugada. Não só as do Rio de Janeiro, onde nasceu e morava, como também as de São Paulo. O carnaval de Salvador e Recife ele não gostava muito porque só tinha música. As cantoras do trio elétrico e as meninas que pulavam em volta ficavam muito vestidas.
A preparação para o carnaval de Felisberto começava sempre na segunda-feira anterior, quando ia ao supermercado reforçar o estoque de refrigerantes e batatas fritas. Queria se manter acordado para assistir aos desfiles da primeira a última escola que atravessasse a avenida. Claro que raramente Felisberto conseguia. Na maioria das vezes dormia na metade.
Acordava decepcionado. Se lamentava por ter perdido aquelas belezuras. Só se acalmava quando via o compacto dos desfiles na tarde seguinte. Não saía de casa antes da quarta-feira de cinzas. A não ser que fosse para comprar todos os jornais e revistas que traziam fotos dos desfiles. Ia diretamente à seção das mulheres bonitas. Mesmo assim, ainda guardava um pouquinho de tristeza porque ver pelas fotos não era a mesma coisa do que ao vivo pela televisão.
Felisberto começou a gostar de carnaval ainda criança, quando frequentava as matinês dos bailes. Fantasiava-se de bate-bola e brincava com o primo, o vizinho e alguns amiguinhos que fazia no clube. Aos doze anos, enjoou. Passou a ficar em casa mesmo, assistindo aos desfiles, primeiro com parentes e, depois, apenas com os pais. Começou a avaliar, a curtir os sambas-enredo e acompanhar a apuração para ver as escolas campeãs, as rebaixadas e as que sobem.
Quando entrou na puberdade, aí sim, as mulheres seminuas ou mesmo nuas se tornaram as melhores atrações para Felisberto. Quando passava o carnaval, seguia a sua vida normal. Estudou, fez faculdade, se formou em economia, estagiou, virou gerente de banco e se casou.
Conheceu Djenane no banco onde estagiou, foi efetivado e promovido a gerente. Ela era a caixa e trabalhava apenas para pagar a faculdade de direito. Foi a sua primeira namorada. No início do romance, saíam para passear todos os dias. Como todo bom casal. Exceto no carnaval.
No primeiro em que já namorava, fez questão de avisar a Djenane que ele não saía de casa, de jeito nenhum. Carnaval, para ele, era sagrado. Na verdade, sagrados eram os desfiles. E ele fazia questão de assistir sozinho. Não queria a presença dos pais, muito menos da namorada. Nem ligava para ela durante a noite.
Djenane ficou com ciúmes no primeiro ano. Mas relevou nos dois anos seguintes, até o primeiro carnaval depois do casamento (se casaram no mês de novembro anterior). No segundo ano, Djenane queria dar uma ótima notícia para o marido. Já estava farta da paixão de Felisberto pelas mulheres do desfile e decidiu na hora sagrada mesmo. Disse que estava grávida. Felisberto sequer deu atenção. Quando soube, na quarta-feira de cinzas, pulou de alegria e beijou a mulher, que já o tratou friamente.
No terceiro ano, Felisberto sequer ajudou a mulher a cuidar do filho Felipe. O menino chorava de fome e o pai não desgrudava da televisão. Sorte que o bebê tinha a mãe. No carnaval seguinte, Djenane prometeu se vingar.
Felisberto, como em todos os anos, não desgrudava da televisão para ver os desfiles. E, como sempre, dormia na metade da madrugada. Até que, de repente, ele acordou e viu logo de cara uma bela mulher, morena clara, olhos verdes, seios muito fartos e naturais. Totalmente expostos. Fantasia só no tapa-sexo de paetê, no glitter que brilhava o corpo e no esplendor da cabeça. Era a rainha de bateria da sua escola favorita.
Djenane concedia uma entrevista coletiva. Foi a sensação do desfile. Aos repórteres, dizia que o marido não lhe dava atenção, a princípio no carnaval, depois durante todo o ano. Decidiu ser rainha de bateria para ser vista por Felisberto, pelo menos na época da folia, além de mostrar que não estava gorda e feia como ele achava. Para ela, o marido observava mais as mulheres nuas nos desfiles do que a esposa que tinha em casa. Por isso, resolveu desfilar sem roupa e posar da mesma forma para uma revista masculina que sairia em breve. Só assim ele lhe daria atenção. Completou que o esposo trabalhava tanto que nem percebeu a saída dela para os ensaios e a viagem para São Paulo fotografar para a revista. Sonolento, Felisberto reconheceu a ex-esposa.
Isso mesmo. Divorciou-se de Djenane e nunca mais na vida quis saber de carnaval. Passou a ter repulsa. Aos amigos, dizia que os desfiles de escolas de samba estavam muito industrializados. Iguais e comportados. Não tinham mais o charme e a sensualidade de antigos carnavais.