Machado amolado
O machado sempre foi a ferramenta preferida do lenhador. Ele fazia questão de tê-lo sempre bem amolado e sempre pronto para executar as tarefas.
Apesar de preferir trabalhar com o machado, o tronco daquela árvore era muito grosso, demonstrando que tinha muitos anos. E ela era bem mais alta que qualquer outra que o lenhador se lembrava. Começou ele a pensar nas árvores que já havia derrubado, não conseguia se lembrar a quantidade exata. Seriam dezenas, ou melhor, centenas, afinal aquele era seu trabalho. Trabalho do qual sentia muito orgulho, pois se uma árvore estivesse atrapalhando alguma construção, ou oferecendo risco a alguém, lá estava ele para resolver o problema. Esta foi à profissão que herdou de seu pai.
Sentou-se um pouco olhando para a altura daquela árvore, lembrou-se que, às vezes, chegou a derrubar algumas árvores por puro prazer, contrariando o conselho daquele que lhe ensinou o oficio; “só se corta uma arvore se for realmente necessário”. Mas a queda de alguns troncos por diversão não iria fazer mal algum, afinal a terra estava cheia de árvores de todos os tipos. Olhou novamente para cima observando a copa da planta, observou seu tronco, seus galhos sem folhas. Era, sem dúvida, muito diferente de outras que ele havia derrubado. Por um momento sentiu que não deveria fazer aquilo, mesmo sendo pago pelo serviço. Coçou a cabeça e falou consigo mesmo: “mas o que estou a pensar, é apenas mais uma árvore, e pelo seu estado, apesar de seu tamanho, já é uma arvore condenada”.
Afiou mais um pouco a lamina do machado. Apesar de ter que usar a serra elétrica para cortar aquele tronco, daria pelo menos um golpe com a sua ferramenta preferida. Olhou para o céu e pensou que deveria ser por volta de seis horas da manhã, conferiu em seu relógio. O amigo que iria ajudar naquela tarefa, ficou de chegar ao local por volta das sete horas. Se o amigo cumprisse o horário, lá pelas dezessete horas o trabalho deveria estar terminado, calculava o lenhador. A ajuda do amigo seria necessária para que o trabalho terminasse na hora planejada, pois sozinho não conseguiria, devido ao fato de o tronco ser muito grosso. A remuneração que iria receber daria para pagar ao amigo e ter um lucro razoável. Pena que não poderia ficar com a madeira resultante do corte da árvore, seria um bom lucro, visto que pelo tamanho dela, iria render muita madeira de qualidade e também boas sobras que dariam um bom carvão.
Deu uma volta em torno do tronco que seria cortado, olhou para cima para poder ver toda a árvore, ficou admirado ao perceber nela certa beleza. Apesar de estar com os galhos secos e sem folhas, existia ali uma beleza para quem soubesse olhar. Deu mais uma volta ao redor e percebeu que, apesar de parecer ser muito velha, não havia em seu tronco nenhuma rachadura, coisa difícil de se ver. Com o machado na mão calculava onde daria o golpe. Sabia que o machado não derrubaria aquele tronco, seria necessário o uso da serra elétrica, mas daria pelo menos um golpe com o machado.
Levantou o machado e deu um golpe certeiro. Que coisa estranha, observou o lenhador. Apesar de o golpe ter sido na posição horizontal, abriu-se no tronco uma fenda um pouco acima do local golpeado, na vertical. Uma fenda em que se poderia introduzir a mão. Já ia o lenhador enfiar a mão no tronco quando seu amigo chegou. O amigo perguntou o que houve e o lenhador lhe explica o ocorrido. O amigo conclui que tal fato se deu devido a arvore ser muito velha e estar seca, então qualquer pancada mais forte poderia rachar o tronco. O lenhador aceitou a explicação.
Ligaram a moto serra e começaram o trabalho. O barulho da serra era ouvido à distância, fazendo com que os pássaros se afastassem das árvores próximas. Depois de algumas horas de trabalho fizeram uma pausa para o almoço. Descansaram um pouco e voltaram ao trabalho que teria que ser terminado naquele dia.
Por volta das dezesseis horas terminaram de serrar o tronco, se afastaram na expectativa da queda da árvore, o que não aconteceu. O lenhador, indignado, corre e tenta empurra-la, o amigo faz o mesmo. No entanto eles observam que no tronco não existe nenhum sinal de que tenha sido cortado ou serrado, apenas a fenda do golpe dado pelo machado continuava. O lenhador aborrecido comentava com o amigo que aquilo não era possível. E agora o que fazer? Começar o trabalho de novo? Não, isto não poderia estar acontecendo.
Tomado de ódio, o lenhador levantou seu machado para desferir um golpe na árvore, porem o machado se soltou do cabo caindo dentro da fenda aberta anteriormente. O lenhador enfiou a mão para recuperar a ferramenta. Sem conseguir alcançar o machado enfiou o braço até a metade, e sente que algo esta lhe puxando para dentro do tronco. Pediu ajuda ao amigo que veio ao seu auxilio, mas nada conseguiu fazer. A esta altura o lenhador já estava com o corpo todo dentro da árvore, restando apenas as pernas. De um só golpe, o lenhador desapareceu dentro do tronco da árvore e a fenda se fechou. O amigo se afastou e caiu sentado no chão. Assustado com tudo aquilo olhou para cima e aterrorizado viu que a árvore, antes totalmente seca, se encontrava agora florida e com folhas verdes, como se uma nova vida tivesse surgido.
O lenhador nunca mais foi visto. O que se sabe é esta história que seu amigo contava pelos bares da vida.