A fêmea no divã (EC)

Recebeu da recepcionista do cais o roupão branco e instruções precisas de como se comportar na casa barco. Deveria permanecer imóvel, silenciosa, de costas para a porta, sem jamais olhar para trás. Apoiada sobre o antebraço esquerdo, coque frouxo nos cabelos, rosto levemente inclinado para cima, perna direita dobrada sobre a esquerda estendida. Aguardava o mestre. Nudez não era algo que a incomodava. Nem sentia monotonia pela imobilidade da pose. Tortura maior era vencer a curiosidade, sentido tão aguçado como os outros de que era dotada. Viraria estátua de qualquer jeito, mas seria transformada em sal e banida da cidade, como a mulher do Velho Testamento, caso se virasse para olhar? Aguçou os sentidos, não percebendo nada além da leveza das cortinas. Pensou no dinheiro com que ajudaria a família, optou pelas sombras impostas por Eros... No museu de arte, mãos enrugadas se juntaram nostálgicas diante do dorso nu da beldade, eternizada pela luz captada pelo artista. No cartão estava escrito: Óleo sobre tela 60 x 90. Nome: “A fêmea no divã”. Autor: M.

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Este texto faz parte do exercício criativo (EC) "A fêmea no divã".

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