Baile de Periferia
Parecias igual a todas as que dançavam no acanhado da sala arrastando-se, penduradas, nos respectivos pares. A música, dolente mas rítmica, sugeria sensualidade e a luz dos candeeiros a petróleo apagava a nitidez dos rostos. À entrada vendiam a cerveja, a cachaça e os refrigerantes baratos que iam retirando de celhas com gelo. O calor pesava mais que as sombras mas não nos demovia da procura de par para a noite. Habituado ao escuro vi-te melhor. Invulgarmente alta dobravas-te para esconder a fartura do peito e expunhas, poderoso, o resto do corpo. Acompanhei-te com o olhar e senti a firmeza das carnes, a lisura da pele, a boca escancarada mostrando os dentes perfeitos. Quando me viste a música tinha acabado, os homens saiam para a eira de terra batida e todos procuravam beber um pouco mais. Eu próprio percebia o peso do álcool a ditar-me a liberdade. Sem falar, peguei-te na mão, subi pelo braço, puxei-te. Rias. Quando o tiro se ouviu e o caos se estabeleceu dentro e fora da casa, sem te largar fui deslizando para a janela aberta e saltei para fora. Peguei-te ao colo, fugimos pelos campos de milho alto e estávamos ofegantes e suados quando os militares chegaram para prender, espancar, expulsar. Ouvíamos os gritos, as ordens, o choro alto das mulheres mas tudo o que víamos eram estrelas num céu negro e o limite do campo cultivado. Guiaste-me no escuro para o lugar onde dormimos. Sem roupa eras uma mulher imponente. Quando alvoreceu, fizeste café e ofereceste o pão duro e seco que tinhas. Soube-me bem. Depois, ajeitaste-me a gola da camisa, abraçaste-me e ficaste à porta a ver-me seguir pela mata em direção à vila. Perdemo-nos naquele tempo de medos e proibições. Nunca mais te encontrei.