Comer fora
Aquelas primeiras três semanas de seminário pareciam não ter fim - ou dó de mim. Novato ali, e acostumado à liberdade desabrida de meus quinze anos pregressos, eu buscava, estoicamente, e sob aquela férrea disciplina eclesiástica, encontrar sentido das coisas, já que Deus...
Mas aí veio finalmente o dia 19 de março, dia do Padroeiro da instituição, São José e, com a celebração, declarou-se festa por toda uma jornada de domingo. Festa para se ir à catedral, assistir à missa campal, e, com alguma sorte, rever parentes que tinham vindo ali para um reencontro, sob o signo da fé - e a crença em São José. Oh Pai amantíssimo, assisti-nos do alto do céu... - e não concluo a longuíssima oração para não perder o domingo.
E sob o sol a pino, missa est, saí com papai, um par de tias e outro de irmãos a bater pernas pela cidade, abençoados e ah, bem suados. Nas ruas planas e bem traçadas de Divinópolis dava gosto caminhar, mirar, admirar, não fosse a fome, acachapante, chegar. E se aprofundar. A hóstia alimentara o espírito, o corpo agora pedia sua porção.
Foi quando, depois de algumas hesitações, sim-sins e senões, paramo-nos na esquina da Goiás, que subia, com a Bahia, que atravessava - e mais fome dava: e lá estava o Almanara, restaurante, chamante. Vencidos pelo cansaço entramos, nos assentamos. Papai, com o menu à mão, ou na cabeça, fez as contas, e pontas, e nos veio um macarrão.
Não havia, ou não dava, outra opção. A fome, exaltada, ajudou a empurrar os primeiros bocados, o resto, que não foi naquele primo ato, quase grudou ao prato. Mas estávamos ali batizados pelo reencontro e apesar do embaraço da hora, a sensação vitoriosa, e prosa, de ter comido fora.