Os Gafanhotos

Quando vieram os gafanhotos o sol deixou de ver-se e escureceu. Vinham milhões em nuvem cerrada. Todos os que lavravam a terra gritavam imprecações em tchokwé, de braços abertos, sacudiam panos no ar e choravam. Em menos de meia hora mudou a paisagem. A horta já não existia e as árvores, carregadas de frutos por amadurecer, roídos os caules, pendiam numa morte que se lia, avassaladora. Mandioca, milho, a rama dos legumes e das batatas, tudo fora comido por enormes gafanhotos verdes, de asas amarelas e vermelhas que, depois disso, seguiram com o vento para lá da fronteira deixando um rasto de destruição e fome. Quando, arrumadas as coisas essenciais as pessoas se preparavam para migrar procurando comida noutro lugar, uma chuva diluviana encheu de lagoas as depressões do terreno, gerou uma enorme variedade de insectos e elevou a níveis insuportáveis o calor. Abundante peixe miúdo, sugado por trombas de água aos respectivos cardumes dos rios, mangais, ou anharas alagadas caiu na região e começou a secar ao sol, agora intenso. Bênção usual, este peixe, de nome tuqueia, era recolhido com desvelo e enriquecia a dieta de quem morava naquele fim de mundo árido e escaldante. Consumiam-no assado ou cozinhado só com sal e óleo de palma e todos apreciavam o cheiro forte que invadia as narinas na hora da refeição. Atrás dos mosquitos vieram as aves que os rapazes apanhavam em redes artesanais e a vida dos homens mantinha-se, precária e imponderável, enquanto crescíamos. Com a guerra veio gente de fora e todos tivemos de mudar. Agora estou aqui. Vim de leste a pé à procura do mar. Estou contigo mas não sei a tua língua. Um dia, no entanto, vou encontrar o caminho do teu entendimento e vou saber que histórias tens para me contar. Há muito silêncio entre nós mas os nossos olhos já riem juntos.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 29/01/2015
Código do texto: T5118785
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